Gestão educacional

Gestores compartilham o que as faculdades brasileiras aprenderam com o coronavírus

0

A pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, virou de cabeça para baixo a realidade das faculdades, dos centros universitários e das universidades brasileiras. Em questão de poucos dias, elas se viram obrigadas a suspender aulas presenciais.

A maior parte das instituições migrou para o ensino remoto, respaldadas pelo MEC. Ao mesmo tempo, precisaram buscar soluções que atenuassem os efeitos da crise na rotina de alunos, professores e colaboradores.


Fachada Eniac. Créditos: divulgação.

Devido a necessidade de isolamento social, o desafio era – e ainda é – imenso às IES. Como organizar aulas a distância para milhares de alunos dos cursos presenciais? Como evitar perdas financeiras e, ao mesmo tempo, apoiar estudantes sem renda durante a paralisação?

Leia mais: Covid-19 impulsiona o uso de metodologias ativas no ensino a distância

Para saber como foi a tomada de decisão nessas e outras questões, o portal Desafios da Educação ouviu gestores de cinco instituições de ensino superior privadas:

– Guilherme Ligieri de Almeida, diretor administrativo da Faculdade do Futuro, em Manhuaçu (MG)

– Ruy Guerios, CEO da Faculdade Eniac, em Guarulhos (SP)

– Marcello Nitz, pró-reitor acadêmico do Instituto Mauá de Tecnologia, em São Caetano do Sul (SP)

– Rogério Augusto Profeta, reitor da Uniso, a Universidade de Sorocaba (SP)

– Marcos Kutova, diretor de EAD da PUC Minas

Os depoimentos trazem lições de resiliência, empatia e engajamento. E mais: como o apoio da tecnologia para superar a crise vai mudar o futuro da educação.

Urgência para lidar com a suspensão

Guilherme Ligieri de Almeida, Faculdade do Futuro

“Estávamos observando o que acontecia no resto do mundo. Vimos algumas instituições da Europa parando e substituindo as aulas por atividades online. Cerca de uma semana antes da paralisações aqui, em Minas Gerais, preparamos nosso AVA (ambiente virtual de aprendizagem) e capacitamos professores. Assim, conseguimos planejar e ter uma estratégia de transição. Por isso, não houve ruptura. Desde o primeiro dia de paralisação, disponibilizamos a nossa plataforma para 1,8 mil alunos.”

Leia mais: 5 conselhos para coordenadores pedagógicos durante a Covid-19

Ruy Guerios, Faculdade Eniac

“Fizemos a implementação dos sistemas, treinamentos e capacitações na semana de 10 a 17 de março, quando apareceram as primeiras notícias de que a epidemia estaria chegando. Hoje, estamos batendo a marca de quase 13 mil alunos em ação, assistindo aulas ao vivo ou fazendo cursos online em nossa plataforma. Desde o colégio até a faculdade nos cursos de graduação, pós-graduação e extensão.

Além disso, disponibilizamos o Eniac Online, uma plataforma de cursos remotos gratuitos que oferecemos à comunidade, beneficiando 400 alunos. E abrimos aulas diárias e avaliações ao vivo em diversas disciplinas para jovens das redes estadual e municipal de Guarulhos, a partir do nono ano, alcançando mais 500 alunos.”

Marcello Nitz. Instituto Mauá de Tecnologia. Crédito: divulgação.

Marcello Nitz, Instituto Mauá

“Atuamos de forma síncrona com os nossos estudantes com múltiplas estratégias de aprendizagem mediadas por tecnologia. A transição foi rápida. São 3 mil alunos e 200 professores engajados nessa adaptação. Interrompemos uma semana para nos adaptarmos, e retomamos no dia 23 de março. Os resultados têm sido ótimos e vamos ajustando o que não estiver tão bom. No retorno ao campus físico, vamos retomar as atividades que são necessariamente presenciais, em especial as práticas”.

Leia mais: Lourdes Atié: “Isolamento é oportunidade de tirar a escola de ativismo sem sentido”

Rogério Augusto Profeta, Uniso

“Começamos a nos preocupar com esse assunto em janeiro. Temos alguns especialistas na área na universidade. Quando aconteceu o fenômeno na China, já tínhamos convicção de que estaríamos enfrentando isso aqui no Brasil e começamos a fazer a preparação do nosso sistema interno. Atualmente, são 8,5 mil alunos na graduação e pós-graduação tendo aulas presenciais em horários síncronos com os professores. Tudo isso com apoio de cerca de 12 plataformas virtuais de interação entre alunos e professores”.

Marcos Kutova, PUC Minas

“A PUC Minas criou em 12 de março um comitê estratégico para discussão dos riscos que a crise do coronavírus apresentava e quais as possíveis ações que poderiam ser tomadas. Até que, no dia 15 de março, decidimos pela implementação do período letivo remoto. O objetivo era fazer uma migração para o AVA sem prejuízo dos planos traçados para a educação presencial.

Criamos ambientes virtuais para todas as disciplinas, trazendo aproximadamente 14 mil turmas e pouco mais de 40 mil alunos e mais de 1,8 mil professores para a plataforma. Para todos, a forma mais tranquila era manter o ritmo da educação presencial. O desejo era executar o presencial nas suas características com apoio da tecnologia. Por isso, priorizamos o atendimento síncrono, com os professor a disposição dos alunos exatamente no horário da sua aula.”

Leia mais: Coronavírus: menos aulas presenciais, mais EAD

Campus PUC Minas. Crédito: divulgação.

Engajamento da comunidade acadêmica

Ruy Guerios, Faculdade Eniac

“O engajamento está sendo sensacional. Estamos em plena quarentena, com todos os nossos quase 500 colaboradores entre professores e técnicos trabalhando como nunca. Assim, mantemos a roda girando na Eniac e ainda conseguimos abrir frentes para atender a população que está em casa. No nosso centro de inovação, ainda estamos produzindo máscaras para os profissionais da saúde”.

Rogério Profeta, Uniso

“Os alunos têm a tecnologia no seu dia a dia e gostam de utilizá-la. O fato de ter que usar um celular, um app ou desktop chama atenção deles para essas alternativas. Quanto aos 430 professores, tivemos uma grata surpresa. Mesmo aqueles mais tradicionais acharam um caminho para se adequar ao uso das plataformas. E o mais interessante é que alguns deles estão fazendo trabalhos tão significativos nas plataformas de apoio virtual que acreditamos que isso vai provocar uma mudança positiva na dinâmica das aulas futuramente.”

Marcos Kutova, PUC Minas

Marcos Kutova. PUC Minas. Crédito: divulgação.

“Toda a sociedade depende de uma alternativa para não ficar dois ou três meses sem atividades. E o corpo docente entendeu a necessidade da sociedade não parar. Encontramos muitos professores interessados em participar da transição e que nos ajudaram a produzir tutoriais, manuais de referência dentro das suas áreas, ofereceram apoio pessoal aos colegas, e, em particular, se esforçaram para motivar os alunos a se engajarem com esse período letivo remoto.”

Leia mais: Reflexões (e reações) sobre o impacto do coronavírus na educação e no trabalho

Marcello Nitz, Instituto Mauá

“Para mim, como gestor, ficará para sempre marcado o empenho dos docentes em prol dos estudantes nesse momento. A mobilização e resposta dada foram sensacionais. Foi impressionante a rapidez com que eles responderam a essa necessidade, todos empenhados em trazer para o aluno uma educação mediada por tecnologia de qualidade.”

Guilherme Ligieri de Almeida, Faculdade do Futuro

“Muita gente ficou preocupada porque parte do corpo docente não estava habituada com o uso de tecnologias. Alunos também tinham dificuldades com acesso a internet e uso das plataformas. Tivemos que capacitar todo mundo em tempo recorde, em um trabalho de amparo muito próximo aos alunos e professores. Nossa grande vitória foi superar as dificuldades e limitações internas de conhecimento nessas tecnologias. Devemos o sucesso desse projeto ao engajamento dos professores, o que repercutiu em uma experiência muito positiva para os alunos.”

Leia mais: Coronavírus: 5 dicas para os professores que vão migrar para o EAD

A importância e o papel da tecnologia

Guilherme Ligieri de Almeida, Faculdade do Futuro

Guilherme Almeida. Faculdade do Futuro. Crédito: Arquivo Pessoal.

“Agora, mais do que nunca, as instituições que não se adaptarem para serem tecnológicas vão ficar fora do mercado. O mercado demanda a presença de soluções digitais. Não só para as aulas, mas também para os serviços, como rematrícula online, demandas de secretaria, solicitações, atendimentos”.

Marcos Kutova, PUC Minas

“Nesse momento, o mais relevante é que as pessoas entenderam como a tecnologia pode ajudar nas suas atividades. Não faz muita diferença o que um ou outro pense sobre o uso da tecnologia na educação porque já não há alternativa. Com isso, muda-se o foco da preocupação. Não é mais se a tecnologia é útil ou não. Mas, sim, qual tecnologia usar e como utilizá-la da melhor maneira para atender as necessidades de cada aluno ou professor.

Conseguimos abrir muitas discussões a respeito de mudanças tecnológicas na educação de uma forma que não tem retorno. A partir do momento em que os professores experimentaram as tecnologias e que os alunos tiveram acesso a cursos muito mais sofisticados por meio do AVA, nenhum deles vai querer abrir mão disso no futuro. Assim, todos enxergam o potencial gigantesco que a tecnologia oferece.”

Rogério Augusto Profeta, Uniso

Rogério Profeta – Uniso – Arquivo Pessoal.

“No mundo todo, vamos reconhecer a importância do apoio da tecnologia na educação. É inquestionável que nada estaria sendo feito em um momento de crise como essa sem apoio da tecnologia. Afinal, a tecnologia está sendo um fator diferencial na continuidade da prestação de serviços.”

Ruy Guerios, Faculdade Eniac

“Como uma instituição que sempre buscou a inovação e utilizou a tecnologia para encontrar soluções às demandas da sociedade, o Eniac, mais uma vez, consegue uma resposta bastante positiva a uma crise que afeta todo o mundo, sem paralisar o cronograma pré-estabelecido. Nossa missão, agora, é preservar vidas. E nós conseguiremos fazer isso sem parar as atividades acadêmicas. Por meio da tecnologia.”

Marcello Nitz, Instituto Mauá

“O uso mais intensivo das estratégias mediadas por tecnologia vai transformar a educação superior na Mauá e no mundo. Faremos o bom uso dessas estratégias mediadas por tecnologia para que a aprendizagem aconteça da mesma forma que aconteceria nos encontros presenciais.” 

Leia mais: Coronavírus: Brasil está preparado para estudo remoto?

Empatia para lidar com problemas financeiros

Guilherme Ligieri de Almeida, Faculdade do Futuro

“Nos preocupamos com o que vem depois da quarentena. Temos que estar preparados para um cenário de deterioração econômica. Vamos precisar de soluções inteligentes para não ter evasão de alunos por motivos financeiros. Não tivemos pedidos de suspensão das mensalidades, pois não houve ruptura na prestação dos serviços. Mas alguns alunos estão perdendo poder aquisitivo. São profissionais liberais e ficaram sem renda. Precisamos ser sensíveis para oferecer as melhores soluções para eles se manterem estudando.”

Ruy Guerios, Faculdade Eniac

Ruy Guerios. Faculdade Eniac. Crédito: Gabriel Duarte.

“Estamos preparados para o pior. Mas nosso foco principal é manter viva a nossa missão de capacitar nossos alunos para que eles se deem bem na vida. Criamos vários planos alternativos de pagamento para quem estiver com problemas, pausando mensalidades e os ajudando a se manter estudando. Nesse momento, é o mais importante, até para manter a saúde de todos para quando sairmos dessa crise estarmos mais fortalecidos e unidos.”

Marcello Nitz, Instituto Mauá

“É cedo para dizer, mas evidentemente algum impacto financeiro é esperado. Deve aumentar inevitavelmente a inadimplência. Nossos custos, por sua vez, permanecem.”

Leia mais: As ações do MEC para lidar com o coronavírus

Rogério Augusto Profeta, Uniso

“Sabemos que teremos problemas financeiros, provavelmente ligados a evasão e a falência de alguns negócios que sustentam a permanência de alunos na universidade. E, para isso, o nosso antídoto vai ser a nossa capacidade interna de financiamento. Em 2015, criamos uma série de estratégias de caráter financeiro para alavancar as nossas operações, como um programa próprio de financiamento estudantil.

Campus Uniso. Crédito: divulgação.

Temos capacidade para financiar os alunos, para que eles terminem os cursos, recuperem suas vagas de trabalhos e negócios a partir de um apoio institucional. Já tenho recebido situações de alunos com problemas, que, em uma semana, ficaram sem a renda que tinham. Segue o jogo, estou dizendo para eles. Na hora que pudermos estar juntos presencialmente, vamos sentar para conversar para ver o que podemos fazer para que o aluno não se desligue da universidade.

Para diminuir o impacto na instituição, temos que criar condições para que o aluno continue estudando. Algumas IES estão assumindo que vão perder alunos. Nós estamos assumindo que vamos ter que fazer investimento para que o aluno consiga dar continuidade nas atividades dele. Se existe uma dificuldade instalada, cabe a instituição fazer alguns esforços para manter a máquina funcionando. Não podemos ficar apáticos pensando que o aluno tem que resolver os problemas dele.”

Marcos Kutova, PUC Minas

“É claro que, apesar do engajamento, alguns alunos têm impedimentos de ordem mais severa. Temos alunos que se encontram em situação financeira complicada. Alguns perderam emprego ou a renda. Eles têm, inclusive, dificuldade em manter o acesso a internet. Outros não tinham acesso a internet e dependiam da instalação físicas da PUC para acessar o conteúdo, o que gera uma situação de impedimento. Nesse momento, estamos trabalhando com uma atenção individual em cada aluno que se enquadre nessas condições. Montamos um grupo para analisar cada um desses casos para ver que alternativa de apoio poderia ser oferecida.”

You may also like

Comments

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.