Certa vez, o professor Howard Gardner levou os filhos a um concerto musical. Após o espetáculo, instigados a comentar sobre o que viram, cada um se ateve a um ponto específico.
Um deles relatou os detalhes da música. Outro preferiu discorrer sobre os movimentos da dança. O terceiro, por fim, dedicou-se aos pormenores do cenário da apresentação. A moral da história, segundo Gardner – professor da Escola de Educação da Universidade Harvard –, é que existem diferentes tipos de memória e, consequentemente, diferentes tipos de inteligência.
“Não aceito mais a ideia de uma memória de uso geral tanto quanto a de uma inteligência de uso geral. Eu acredito que cada inteligência tenha a própria memória”, disse ele em entrevista ao Fronteiras do Pensamento.
A afirmação é a base da teoria das Inteligências Múltiplas (IM), relatada pela primeira vez no livro Frames of Mind (Estruturas da Mente), de 1983. À época, a obra rompeu com o padrão de intelecto vigente na psicologia.
Até então, predominava a ideia da presença de uma inteligência – a lógico-matemática – verificável pelos famosos testes de quociente intelectual (QI), criados no início no século 20 pelo psicólogo francês Alfred Binet.
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A pesquisa de Howard Gardner evoluiu com o estudo de gênios e pessoas com lesões cerebrais e com o desenvolvimento de técnicas de mapeamento do cérebro na década de 1990. A conclusão é que todo ser humano não tem uma, mas, sim, várias capacidades intelectuais latentes que se desenvolvem de maneira única em cada pessoa, conforme questões genéticas e culturais.
Foi assim que Gardner transformou a forma como enxergamos o que é inteligência e identificou oito delas:
- espacial;
- físico-cinestésica;
- musical;
- linguística;
- lógico-matemática;
- interpessoal;
- intrapessoal;
- naturalista.
Embora a revelação da caixa de ferramentas cognitivas do ser humano tenha impactado na psicologia, boa parte das suas implicações recaíram sob a pedagogia, como veremos a seguir.
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A teoria e a educação
Howard Gardner nunca recomendou um conjunto de técnicas para aplicar as Inteligências Múltiplas na educação, fazendo com que muitas das suas ideias ganhassem contornos práticos livremente. Primeiro, nos Estados Unidos, depois em outras partes do mundo.
Para descrever essas experiências em 15 países da Europa, Ásia e América Latina, o pesquisador organizou o livro “Inteligências Múltiplas ao Redor do Mundo“, clássico na área publicado no Brasil pelo selo Penso.
A motivação das iniciativas descritas no livro é facilmente dedutível: se cada ser humano possui uma combinação de inteligências única, deveríamos levar isso em conta na hora de ensinar.
Já a resposta de Gardner sobre a aplicação da sua teoria na educação contém um paradoxo: “Estou absolutamente confiante que os alunos vão aprender mais, gostar mais da escola e se tornar aprendizes para toda a vida se individualizarmos e pluralizarmos (o ensino)”.
Individualizar significa, na sua visão, que devemos conhecer ao máximo os alunos para construir um ensino personalizado que faça sentido para as suas formas particulares de pensar. Ao mesmo tempo, os conhecimentos gerais mais importantes, independente da área, devem ser apresentados de diversas maneiras, com o objetivo de alcançar o maior número possível de alunos.
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Se os testes de QI eram um bom indicador de quem se sairia bem em uma escola tradicional do século 20, quando havia uma valorização excessiva da inteligência lógico-matemática, há uma clara conexão da teoria das inteligências múltiplas com as necessidades educacionais do século 21, quando ganha força um olhar voltado para cada indivíduo sem deixar de valorizar a diversidade em sala de aula.
“É impressionante que uma ideia surgida como descrição de como o cérebro/mente humano evoluiu e se organiza hoje possa acabar juntando forças com movimentos que dão mais voz a indivíduos e promovem aulas, escolas e, talvez, até mesmo sociedades mais democráticas”, escreve Howard Gardner na abertura do livro.
Título: Inteligências Múltiplas ao Redor do Mundo
Autor: Howard Gardner, com Jie-Qi Chen e Seana Moran
Editora: Selo Penso, Grupo A Educação
Ano: 2010
Nº de páginas: 432
Preço médio: R$ 91,00
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