O financiamento estudantil é indispensável para o preenchimento de vagas no ensino superior. Em muitos casos, trata-se da única saída para alunos de baixa renda viabilizarem os custos de uma graduação. As instituições de ensino, por sua vez, saem ganhando com a ampliação do mercado potencial, o inflando o faturamento.
Um dos programas brasileiros mais conhecidos na área é o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Na última década, cerca de 3 milhões de estudantes foram beneficiados. No auge do Fies, em 2014, bancou 732 mil matrículas. Desde então, as universidades também apostam em carteiras privadas e de crédito próprio.
O que era para ser um alívio, no entanto, pode virar uma dor de cabeça para as instituições de ensino superior (IES). É que não basta colocar os alunos em sala de aula. É preciso montar um sistema eficiente de gestão do financiamento estudantil, seja o crédito privado ou público. Do contrário, as contas podem não fechar.
Onde mora o perigo
No Fies, o risco está em falhas de comunicação entre os três sistemas envolvidos na sua gestão:
- sistema acadêmico responsável por gerar as matrículas e mensalidades da IES;
- sistema contábil da mesma finalidade;
- no âmbito do governo, o Sistema Informatizado do Fies (SisFies).
As falhas tendem a ocorrer durante uma espécie de renovação semestral do financiamento. O aditamento, como é conhecido esse processo, deve ser feito pelo aluno junto ao governo e ao banco concedente do empréstimo – geralmente, a Caixa Econômica Federal.
Acontece que o calendário de aditamento não segue o calendário acadêmico. É aí que mora o perigo.
Com as aulas em andamento, o processo de aditamento pode dar errado ou o aluno pode esquecer de fazê-lo. Nesse caso, ele estará frequentando a instituição gratuitamente, pois o governo não faz o repasse da mensalidade se o contrato do Fies não estiver em dia com os aditamentos.
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As mudanças implementadas pelo novo Fies, em 2018, aumentam as chances de equívocos no aditamento. Afinal, o programa passou a exigir a presença de um avalista. E a desistência ou a incapacidade financeira do avalista trava a renovação do contrato.
Esse não é o único erro cometido na contabilidade do Fies. Segundo o consultor em gestão de instituições de ensino, Fernando Souza, parte dos recursos do programa são relativos a taxas administrativas e têm que ser contabilizados como despesa financeira, não como valor a receber.
“Por erro contábil, esse valor vai acumulando e muitas IES acham que tem mais a receber do que de fato tem.”
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Gestão do financiamento estudantil exige auditorias contínuas
Para o consultor ouvido pelo Desafios da Educação, nada disso seria um problema se as faculdades, centros universitários e universidades adotassem práticas contínuas de conciliação das informações presentes no tripé de sistemas envolvidos no financiamento estudantil. Isso porque cabe a IES identificar os contratos inativos na sua base de alunos, realizando a cobrança de mensalidades quando necessário
“É fundamental cruzar dados do sistema acadêmico, do sistema contábil e do SisFies. Esses três planos precisam conversar”, destaca Souza. “A dica para chegar lá é realizar auditorias periódicas de controle, desenhando procedimentos de acompanhamento da gestão do recebível. Só assim os números vão bater.”
Não é o que acontece na maioria das IES, onde os mecanismos de controle não funcionam minuciosamente – seja por falta de profissionais ou de softwares dedicados à área. “O funcionário administrativo deve ser tão valorizado quanto o docente. Assim como ter uma boa gestão contábil é tão importante quanto dar uma boa aula”, afirma Fernando Souza.
Por fim, é importante destacar que as falhas na gestão e as soluções apontadas por Souza não se restringem ao Fies. Inclusive, com o avanço das plataformas de crédito privado e dos financiamentos próprios, os cuidados devem ser redobrados, uma vez que as universidades assumem procedimentos que antes ficavam a cargo do governo.
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