As projeções não eram favoráveis: a crise econômica desencadeada pela pandemia poderia liquidar do Brasil até 30% das instituições de ensino superior (IES).
Mas não foi isso o que aconteceu.
Com exceções, as IES só não fecharam as portas graças à capacidade de planejamento – e, em alguns casos, do investimento dos governos federais. Enquanto as instituições buscavam soluções para enfrentar a crise, ficou mais evidente o papel social, a importância e o impacto da educação superior para o desenvolvimento econômico dos países.
Esse foi o debate transcorrido no último dia de palestras do 23° FNESP. Na última sexta-feira (29), a professora de Liderança e Política Educacional na Universidade Hofstra, a americana Rebecca Natow, e o coordenador Setorial de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial, Pablo Acosta, apresentaram o cenário atual do setor e apontaram tendências que reforçam a relevância do ensino superior.
A mediação do evento foi de Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp.
O exemplo americano
Rebecca Natow começou sua apresentação relembrando as perspectivas sombrias dos especialistas para o ensino superior. Segundo ela, as previsões apontavam falências em massa e perdas substanciais para o setor em decorrência da pandemia.
“Os números eram de até mil instituições fechando nos Estados Unidos em um futuro próximo”, contou. No entanto, a realidade é que apenas 16 IES fecharam ou se fundiram nos EUA – todas elas de pequeno porte e que já atravessavam por problemas financeiros antes da pandemia. Dados de 2020 indicam que a existência de 3,5 mil IES nos EUA.
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Uma das principais razões da sobrevivência das instituições americanas foi a ajuda realizada pelo governo. Em abril, o presidente Joe Biden apresentou um programa que destina US$ 109 bilhões (cerca de R$ 619 bilhões, no câmbio atual) para faculdades comunitárias. Essas IES recebem um grande número de alunos de baixa renda e de grupos minoritários. A intenção do governo Biden foi oferecer dois anos de ensino superior gratuito aos estudantes.
O pacote prevê ainda recursos para capacitação de professores e investimento de US$ 85 bilhões (cerca de R$ 482 bilhões) para aumentar o valor das bolsas de estudos oferecidas pelo programa Pell Grants, que beneficia universitários de baixa renda. “As IES precisaram de apoio para sobreviver e os alunos precisaram de apoio para conseguirem continuar os estudos”, defendeu Natow.
No Brasil, não há um levantamento oficial sobre o número de IES que fecharam as portas em março de 2020 e não abriram mais. Algumas unidades e polos EaD foram reorganizados e otimizados, especialmente as que pertencem aos grandes grupos. Algumas instituições que quebraram foram a Faculdade Policamp, de Campinas (SP), e mais oito de Goiás.
Equidade no ensino superior
Pablo Acosta, do Banco Mundial, explanou sobre o cenário do ensino superior na América Latina antes da covid-19 e apontou os desafios potencializados. As IES privadas concentram quase metade das matrículas e, juntamente com os estudantes mais vulneráveis, foram as mais afetadas pela crise sanitária.
De acordo com Acosta, os principais desafios do ensino superior na América Latina giram em torno de tópicos como a construção de sistemas estrategicamente mais diversificados. “Precisamos de mais equidade, eficiência e resiliência, com maior investimento ainda na tecnologia”, defendeu.
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No entanto, a tecnologia não resolve todos os problemas. “A tecnologia é uma grande oportunidade para a educação superior, mas, na América Latina, ela também gera desigualdades”, lamentou. Problemas com conectividade, falta de acesso a equipamentos e baixa capacitação dos docentes são alguns desafios do ensino superior na região.
Acosta reforçou que a equidade deve ser prioridade. “Todos devem ter acesso a uma educação útil e relevante assegurando oportunidades iguais”, afirmou. Segundo os palestrantes do 23° FNESP, isso precisa partir de ações governamentais alinhadas com as instituições de ensino superior.
“As IES têm uma função social muito importante, por isso elas não desapareceram durante a crise”, disse Acosta. Rebecca Natow compartilha do pensamento. “Acho que o ensino superior irá se adaptar a nova forma de profissionalização, mas ele não irá acabar”, afirmou.
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