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Conectando investigação científica e educação: entrevista com Héctor Ruiz Martín

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Desde 2002, o pesquisador espanhol Héctor Ruiz Martín promove diversas iniciativas para contribuir com a melhoria do ensino básico, estimulando professores a explorarem metodologias de aprendizagem baseadas em evidências científicas. Esses projetos alcançaram milhões de estudantes em todo o mundo.

Martín já prestou consultoria para diversas escolas, instituições educacionais e governos da Europa, da Ásia e das Américas. Além disso, é diretor da International Science Teaching Foundation, organização comprometida com o desenvolvimento da educação STEM (sigla, em inglês, para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e membro do Grupo de Investigación en Ciencias del Aprendizaje y la Enseñanza da Universidad Autónoma de Madrid.

Em sua obra literária, ele busca construir pontes entre a pesquisa científica sobre a aprendizagem e a prática educativa, tendo como referência estudos sobre a psicologia cognitiva da memória e da aprendizagem. É o caso de títulos como “Aprendiendo a aprender”, “Los secretos de la memoria” e “Como Aprendemos: Uma Abordagem Científica da Aprendizagem e do Ensino”, traduzido em português e publicado pelo selo Penso, do Grupo A.

Na entrevista realizada ao Desafios da Educação, Martín fala sobre alguns temas abordados no livro – e explica por que é importante promover uma educação baseada no rigor da ciência.


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Sumário

 Veja a entrevista na íntegra:

Héctor Ruiz Martín

Héctor Ruiz Martín. Crédito: Divulgação

Compreender como aprendemos é a melhor maneira de proporcionar uma experiência de aprendizagem eficaz. Qual é a maior dificuldade em alcançar essa compreensão?

Acredito que seja a limitada disponibilidade de materiais formativos sobre a ciência de como aprendemos – materiais que sejam rigorosos e ao mesmo tempo acessíveis para o setor educacional. A comunidade científica passou décadas acumulando conhecimentos valiosos para a prática educativa, mas a transferência desse conhecimento tem sido escassa.

Quase todas as publicações relevantes são acadêmicas e muitas vezes sequer podem ser acessadas gratuitamente. Além disso, para se aproximar da ciência é necessário navegar por uma literatura muito extensa, a qual é preciso saber filtrar com base em critérios de qualidade que não são óbvios para quem não for especialista.

Somando a isso o fato de que muitas publicações e cursos de formação oferecidos aos professores difundem ideias sobre a forma como aprendemos que não são apoiadas cientificamente – e que por vezes até se opõem ao que as evidências sugerem –, temos uma dificuldade adicional decorrente da desinformação. Não apenas se deixa de disseminar a informação rigorosa, mas se promovem ideias que a contradizem, fazendo-se, por vezes, passar por ciência. É preciso construir pontes entre a investigação científica e a prática educativa, conduzindo a uma colaboração bidirecional que seja benéfica para ambas.

Muitos professores planejam as aulas de forma instintiva, com base no conhecimento acumulado (experiência pessoal, vieses cognitivos), e não necessariamente em evidências científicas. Como promover uma mudança de mindset neste sentido, especialmente se levarmos em conta um cenário de falta de formação e de recursos?

Seria indispensável incluir na formação docente a ideia de que a ciência é uma grande aliada para melhor apoiar algumas das decisões que tomamos na educação. Não se trata de ignorar o valor da experiência e do contexto particular do professor, e decidir tudo com base no que a ciência nos diz, mas de levá-la em consideração, até porque há muitas questões em que a ciência permite ver muito além das aparências.

Mal comparando, seria como promover o avanço que a medicina deu há apenas um século, quando deixou de ser uma área baseada em tradição, autoridade e experiência pessoal para se tornar uma prática baseada em evidências. Os médicos recorreram a tratamentos como a sangria durante séculos, confiantes de que funcionavam. Sua experiência pessoal não lhes permitia questionar a eficácia. Foi a ciência que mostrou que esse não era um bom tratamento e ajudou a orientar a prática médica e a aproximá-la do alcance dos seus objetivos.

No livro, você cita diversos “mitos pseudocientíficos sobre a aprendizagem”, que podem levar a aplicações práticas em sala de aula de eficácia duvidosa. Quais os prejuízos que esses mitos podem causar?

Os mitos pseudocientíficos são ideias muito populares que consideramos corretas, embora não sejam respaldadas pela ciência. Dizemos que são pseudocientíficos porque se fazem passar por ciência, ou seja, fazem entender aos não especialistas que se baseiam em investigação científica, quando isso não é verdade. A distância de comunicação que existe entre as comunidades científica e educacional é responsável pela proliferação desses mitos nas escolas. Os prejuízos são evidentes. Se a nossa intenção é orientar uma prática educativa com base em evidências científicas, porque confiamos no valor que esta abordagem traz à educação, é crucial que tenhamos informação confiável.

Os mitos pseudocientíficos nos fazem acreditar que tomamos decisões e dedicamos esforços a favor de práticas baseadas em evidências, quando não é esse o caso. Isso representa um custo de oportunidade, porque perdemos um tempo precioso que poderíamos dedicar a atividades mais adequadas com os alunos. E é ainda pior quando as atividades baseadas na pseudociência também envolvem grandes investimentos em tempo, dinheiro e esforço. Isso sem falar na frustração que provocam e na desconfiança que podem causar em relação à verdadeira ciência.

Hoje em dia, falamos muito em competências socioemocionais como habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes. Essa abordagem, de alguma maneira, confronta a proposta de uma aprendizagem baseada em evidência científica?

Os alunos mais bem-sucedidos não só sabem autorregular a sua aprendizagem do ponto de vista cognitivo, escolhendo boas estratégias de aprendizagem, planejando seu tempo e monitorando adequadamente o seu progresso, como também se destacam por alcançar uma autorregulação emocional eficaz. Isso os ajuda a manter a motivação e, apesar das dificuldades, a continuar com suas tarefas mesmo quando talvez desejem fazer outra coisa, além de controlar as emoções para que não interfiram no seu desempenho, entre outras coisas.

É importante entender que as emoções modulam a aprendizagem, especialmente porque influenciam o nosso comportamento. As decisões que tomamos sobre o que faremos ou não têm impacto na nossa aprendizagem. Por esse motivo, no livro não discuto apenas os aspectos cognitivos da aprendizagem, mas também os fatores emocionais que influenciam a tarefa de aprender, especialmente os conceitos de motivação e de autorregulação emocional. Há muitas pesquisas que mostram que não podemos deixar de lado essa dimensão da aprendizagem se quisermos compreender adequadamente como aprendemos.

Em outra passagem, você diz que “em sala de aula, podemos dedicar o tempo que temos ensinando aos alunos o máximo possível, ou podemos dedicar tempo ajudando-os a aprender o máximo possível”. Qual é o papel do professor hoje em dia?

Penso que todos temos como certo que ensinar consiste em ajudar a aprender, mas não é estranho que possamos conceber o ensino como algo desligado da aprendizagem. Há uma piada (muito ruim) que reflete isso maravilhosamente:

Eu ensinei meu cachorro a assobiar.

Ah, sim? Vejamos… Mas ele não assobia, não é?

Eu te disse que o ensinei, não que ele aprendeu.

Podemos dizer que ensinamos se os alunos não aprenderam? Parece uma pergunta absurda, mas muitas vezes nos encontramos em situações em que nos dedicamos a “ensinar” sem prestar atenção se os estudantes estão realmente aprendendo ou não. E se acreditamos que ensinar deve ser o mesmo que ajudar a aprender, então é fundamental que asseguremos que os alunos façam o que é necessário para aprender, porque são eles que devem fazê-lo. Podemos disponibilizar o objeto de aprendizagem para eles, mas o fato de aprenderem dependerá do que fizerem com esse objeto. Como disse o psicólogo educacional Ernst Rothkopf: “Podemos levar o cavalo até o rio, mas a única água que encherá seu estômago é a que ele bebe”. É por isso que estratégias como a avaliação formativa são tão importantes para evitar a desconexão entre ensino e aprendizagem.

O livro também aborda diferentes processos e componentes que podem ser trabalhados relacionando memória e aprendizagem. O que diria para um professor que não está habituado a trabalhar com esses conceitos de psicologia cognitiva, mas que gostaria de começar a aplicá-los em sala de aula?

Em primeiro lugar, comece a ler obras generalistas sobre a psicologia da aprendizagem. Elas irão proporcionar uma estrutura conceitual geral. Em seguida, recomendo identificar um problema, algo que você gostaria de resolver ou melhorar em termos de desempenho ou atitude dos seus alunos, e depois consultar a literatura específica relacionada a ele, para ver o que a pesquisa recomenda. Sugiro, então, que avalie estas propostas com base na sua experiência, mas também que as discuta com outros colegas. E, a partir daí, comece a planejar como levá-las para sala de aula, se for o caso. Mas, acima de tudo, recomendo não se precipitar, não ter pressa em fazer mudanças sem uma boa base e planejamento.

Você diz que, infelizmente, “a pseudociência sempre supera a ciência em divulgação”. Como combater esse tipo de fake news na educação?

Suponho que da mesma forma que em outras áreas, como a medicina: difundindo a ciência rigorosa de forma respeitosa e acessível. E, no caso da educação, oferecer uma formação rigorosa à comunidade docente, que não só forneça conhecimentos científicos, mas também aponte ideias pseudocientíficas e justifique porque elas não têm fundamento. Uma formação que promova uma mentalidade crítica face a propostas que frequentemente chegam à escola e que até faça um convite a nos questionarmos e revermos algumas ideias que sempre tomamos como certas.

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