A experiência pedagógica desenvolvida na cidade italiana de Reggio Emilia após a Segunda Guerra Mundial é amplamente reconhecida no mundo todo.
Quase 80 anos depois, essa abordagem continua a influenciar a educação infantil e é aplicada em diversos contextos, inspirando professores a valorizarem a criatividade, a curiosidade e a participação ativa das crianças no processo de aprendizagem.
Diversas publicações já abordaram o tema, mas nenhuma delas com tanta riqueza de detalhes quanto Diálogos com Reggio Emilia: escutando, pesquisando e aprendendo. Lançado originalmente em 2006 (no Brasil, em 2012), o livro de Carlina Rinaldi está ganhando uma nova edição em português, revista e ampliada pela Penso (selo da editora Grupo A).
O grande diferencial da obra em relação a outras que abordam essa metodologia está nas vivências pessoais e profissionais da autora. Rinaldi começou a trabalhar em Reggio Emilia em 1970, primeiro como pedagogista*. Depois, passou a ser diretora pedagógica dos serviços municipais para a primeira infância e tornou-se consultora científica.
Também presidiu a Reggio Children de 2007 a 2016, ano em que foi nomeada presidente da Fundação Reggio Children — Centro Loris Malaguzzi. Toda essa experiência fez dela a sucessora natural de Malaguzzi, mentor teórico e defensor da pedagogia da escuta desenvolvida nas escolas italianas.
Consciente dos desafios de abordar a história de Reggio Emilia de forma linear sem deixar fatos importantes de lado, a autora optou por compilar artigos, palestras e entrevistas, a partir do ano de 1984.
Cada texto registra um tema em particular — como a reconfiguração do papel do educador, o protagonismo da criança na aprendizagem e a importância da documentação pedagógica.
Entre os novos textos, destaque para os que abordam a criação do Centro Internacional Loris Malaguzzi; o discurso emocionado de Rinaldi ao receber o prestigiado prêmio Lego; a proximidade de Jerome Bruner, um dos pioneiros dos estudos da psicologia cognitiva, com as escolas de Reggio Emilia; e um interessante ensaio sobre a complexidade natural de se tornar criança.
Todos os capítulos são comentados e contextualizados pela autora, que preservou o conteúdo dos textos originais.
Reggio Emilia: uma história de superação
A história de Reggio Emilia, por si só, já seria suficiente para valer a leitura do livro. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália, assim como muitos outros países europeus, estava devastada. Havia um forte desejo de reconstruir não apenas as infraestruturas físicas, mas a sociedade como um todo.
Em Villa Cella, um vilarejo nos arredores da cidade, a população local queria garantir um futuro melhor para seus filhos. Tal objetivo levou à criação de escolas que representassem uma nova forma de educação, fundamentada nos valores democráticos, na igualdade e na justiça social. A primeira unidade foi erguida com os poucos recursos que tinham, obtidos com a venda de três cavalos, seis caminhões e um tanque de guerra abandonado pelos nazistas.
A força de vontade daquelas pessoas chamou a atenção de um jovem professor chamado Loris Malaguzzi. Ao pedalar até o local onde as famílias construíam a escola, em 1946, encontrou duas mulheres martelando o cimento velho dos tijolos retirados de casas bombardeadas. Comovido pelo desejo dessas famílias de criar um futuro melhor para seus filhos, ele se ofereceu como voluntário e acabou virando a figura central no desenvolvimento da pedagogia de Reggio Emilia.
Malaguzzi defendia que as crianças têm uma capacidade inata para aprender e que o papel do educador é facilitar esse processo, em vez de simplesmente transmitir conhecimento. Por isso, o modelo aplicado nas escolas de Reggio Emilia baseia-se na pedagogia da escuta, em que a criança é colocada como protagonista de seu próprio processo de aprendizagem.
O espaço da escola é pensado com base no princípio de horizontalidade e respeito mútuo, sem qualquer tipo de hierarquização. A participação da comunidade no dia a dia escolar é estimulada, não há um ensino convencional das disciplinas tradicionais e ateliês permitem um contato abrangente do aluno com as mais variadas formas de arte. Uma abordagem bastante difundida por muitos gestores e professores hoje em dia, mas que poderia parecer uma utopia em meados do século passado.
Experiências transformadoras
Loris Malaguzzi faleceu em 1994. Seu legado tem sido levado adiante por diversos educadores, com Carlina Rinaldi à frente. Em algumas passagens, “Diálogos com Reggio Emilia” acaba se tornando um relato bastante pessoal da autora, que faz questão de destacar como sua vida e a de outras pessoas foram impactadas e entrelaçadas por essa experiência.
Entretanto, o livro passa longe de uma biografia. Tem, sim, o rigor e a precisão histórica inerentes a uma obra desse formato, mas seu foco é mostrar como a experiência educacional aqui apresentada continua relevante nos dias atuais.
Em um momento de grandes transformações no ensino, “Diálogos com Reggio Emilia” se mantém como uma leitura essencial para educadores que desejam se aprofundar em uma das propostas de aprendizagem mais inovadoras que já surgiram e, dessa forma, ressignificar suas práticas pedagógicas.
*O livro adota “pedagogista”, e não “pedagoga”, por entender que o primeiro termo se aplica com mais exatidão à abordagem de Reggio Emilia. Segundo uma nota do tradutor, o pedagogista é “um profissional com formação em Educação, que tem a função de direção e coordenação pedagógica em mais de uma escola de Educação Infantil, trabalhando diretamente com os grupos de profissionais (professores, atelieristas, cozinheiros e auxiliares), com as famílias e a comunidade. Tem a função de refletir sobre a documentação pedagógica, produzir pesquisas sobre a cultura da infância, dar continuidade e transformar o projeto educativo na contemporaneidade”.
Livro: “Diálogos com Reggio Emilia: escutando, pesquisando e aprendendo”, 2ª edição
Editora: Penso
Ano: 2024
Páginas: 260
Preço: R$ 73,80 (impresso) e R$ 58,50 (digital)
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