Ensino Básico

Em vez de ajudar, dever de casa virou um fardo aos estudantes

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dever de casa

Todos os dias, no Brasil, crianças e jovens voltam para casa cheios de tarefas – porque os adultos consideram que este é um bom método para aprender. Bom para quem? Crédito: Pexels.

Quando o assunto é escola, muitas ações estão cristalizadas no dia a dia. Não é raro, portanto, desenvolvermo-las sempre da mesma forma. Ficamos acostumados a elas. Passa o tempo e nem sabemos porque as fazemos assim.

Pensando nisso, a partir de hoje passo a publicar artigos na editoria Ensino Básico do portal Desafios da Educação – que veicula os conteúdos da revista Pátio. A ideia é falar sobre vários assuntos, do recreio ao horário integral, da decoração do espaço escolar à aceleração da aprendizagem. Os artigos serão publicados quinzenalmente.

Resolvi começar pela lição de casa. Mais conhecida como dever de casa. Tem quem a defenda, tem quem a critique. Tem ainda quem não é contra nem a favor, apenas consideram inevitável.

Porém, efetivamente, no Brasil todos os dias crianças e jovens têm suas mochilas cheias de exercícios com “deveres” para serem feitos em casa, porque os adultos consideram que este é o melhor caminho para se aprender. Melhor para quem?

Os professores valorizam o dever de casa porque esta atividade disciplina os estudantes. Os pais entendem que este é um parâmetro para avaliar se uma escola é “forte”.

Mas será mesmo que os deveres ajudam os estudantes a aprender mais? Já está na hora de desnaturalizarmos o que pode ser um simulacro de rigor acadêmico, que reforça a mentalidade de acumulação como o caminho para a aprendizagem.

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Reflexões sobre o dever de casa

O dever de casa pode ajudar, mas também ser uma experiência negativa dependendo da jornada escolar do estudante, da idade, do tempo que o ocupa e, claro, do tipo de lição a ser concluída.

Defende-se os deveres como algo positivo, mas este ideal acaba sendo deturpado. Na hora de ser concretizado, muitos aspectos negativos acabam se destacando.

As escolas defendem as lições de casa como uma forma de desenvolver autonomia e criar hábitos de estudos nos estudantes, no entanto, na prática não é bem assim. Os deveres que os estudantes recebem da escola se tornam obrigações que servem apenas para avaliá-los. Isso gera aversão às designações.

Muitos educadores também defendem que é uma forma de criar hábitos de estudo e disciplina de trabalho. No entanto, as escolas abusam das quantidades e as diversas disciplinas acumulam tarefas gerando exaustão e desmotivação nos estudantes que não veem sentido no tempo gasto para tanto.

Os deveres são obrigações valorizadas e, por isso, muitas escolas exigem que os pais ajudem seus filhos neste compromisso, cujo desempenho servirá ainda para avaliar a responsabilidade da família com a educação de seus filhos. Tal valor está na ajuda que desempenham na realização das tarefas.

Mas essa obrigações pode se transformar em um desgaste das relações familiares. Ao usar, com as obrigações escolares, o tempo que os pais têm com os filhos para desfrutarem da convivência doméstica, o desgaste é sempre maior que o prazer de estarem próximos de seus filhos.

A rotina se torna estressante: os filhos não gostam de fazer os deveres escolares e os pais, exaustos do dia de trabalho, ainda têm que acompanhar tais tarefas. Todos perdem. Será que realmente vale a pena?

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As escolas também defendem o dever de casa como forma de contextualizar o que foi aprendido na escola. Mas não reconhecem que também podem ser um elemento de desigualdade, porque as famílias com menos recursos socioculturais não podem ajudar seus filhos nas tarefas escolares.

Outro argumento da defesa dos deveres é que em casa, amplia o tempo de aprender de crianças e jovens. Mas se o tempo que passam nas escolas não é suficiente, então é hora de as escolas reverem como estão usando seu tempo.

Quando o que tem valor é a lição de casa, as escolas desconsideram que os estudantes podem fazer outras atividades que não se restringem ao que já fazem na escola.

Ser estudante é apenas um dos vários papéis que as crianças e jovens possuem; não é seu único papel. Antes de estudantes, são pessoas e têm direito à vida para além da escola. Quando as instituições de ensino focam apenas em estratégias que consideram relevantes para a aprendizagem, deixam de enxergar o ser humano na sua complexidade de papéis e acreditam que a vida das crianças e jovens só existe na escola.

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O dever de casa ao redor do mundo

Em 2012, a principal federação de pais da França realizou protestos contra o dever de casa. A alegação era de que os temas são trabalhos forçados, fora do horário escolar, sem nenhuma utilidade efetiva. “Queremos mais tempo para a família”, exigiam os franceses.

Na Espanha, a Confederación Española de Asociaciones de Padres y Madres de Alumnos (Ceapa) fez algo semelhante, afirmando que os deveres representavam o fracasso do sistema escolar e lutaram por sua suspensão. O debate, que não é novo, se estende para outros países como Argentina, Austrália, Canadá e Estados Unidos.

Não são só os pais que discutem sobre o dever de casa. Psicólogos, pedagogos, professores e outros especialistas discutem o assunto, sem chegar a uma unanimidade. É, de fato, um tema complexo, mas que deve ser questionado se for realizado como mais uma daquelas ações que as escolas fazem porque sempre fizeram.

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Avançando na discussão

Vários especialistas concordam que, se houver, os deveres enviados para casa devem ocupar pouco tempo das crianças e dos jovens. O objetivo é que eles possam desfrutar de outras atividades na vida.

Para fazer sentido, o dever de casa precisa ser personalizado, adequado às necessidades de cada estudante, sem esquecer do contexto dos seus alunos para não gerar desigualdades. As tarefas devem ser concluídas, de preferência, sem a necessidade de ajuda da família ou de professores particulares.

Por outro lado, muitos pais não entendem o tipo de ajuda que podem dar. Não significa fazer as lições com seus filhos ou para seus filhos, ou mesmo fiscalizar o cumprimento das tarefas. Eles podem ajudar apenas criando um clima favorável para que os filhos desenvolvam um hábito de estudo, demonstrando interesse por suas tarefas e ajudando-os a assumirem suas responsabilidades de estudante.

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Para inspirar outras discussões

O dever de casa criado pelas escolas na prática têm servido muito mais para “ocupar” as crianças e jovens do que para cumprir os objetivos educativos explicitados. O resultado: obrigações que podem gerar mais punições do que encantamentos.

Na prática, o dever de casa se torna um mecanismo de controle para os pais e para as escolas. É apenas um reforço obrigatório, uma segunda jornada de estudos que consome um tempo que as crianças e jovens poderiam utilizar para brincar, socializar, divertir-se ao ar livre.

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As escolas precisam entender que o dever de casa por fazer, sem uma intencionalidade focada, mais prejudica do que ajuda.

Se as tarefas precisam da ajuda dos pais, é porque estão inadequadas. Cabe aos estudantes fazerem sozinhos as tarefas. Isso, claro, sem que sejam exaustivas. O tema de casa deve respeitar a vida dos estudantes e fazer sentido. Em outras palavras, ajudá-los a relacionar aquilo que é aprendido na escola com a vida cotidiana.

Os pais pensam que se não ocupar seus filhos com as tarefas escolares, ficarão à deriva em casa, mergulhados na maioria das vezes nos jogos digitais ou nas redes sociais. Então, por não conseguirem buscar alternativas que favoreçam experiências significativas de protagonismo, acabam defendendo os deveres como a salvação na inutilidade da vida de seus filhos. Será?

Ao optarem pelas obrigações escolares, os pais roubam de seus filhos as possibilidades de entenderem o mundo e viverem a vida para além da escola. Existe vida inteligente para além do mundo digital. Que tal buscarem juntos outras formas de aprender, indo além da escola? Que tal fazer com que os filhos vivam a vida que eles merecem viver?

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Lourdes Atié
Lourdes Atié é socióloga com pós-graduação em Educação pela FLACSO, na Argentina, diretora da empresa Ideias Futuras e membro da comissão editorial da Revista Pedagógica Pátio – Ensino Fundamental e Ensino Médio. E-mail: lourdesatie@terra.com.br

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    7 Comments

    1. Excelente artigo! Também questiono muito a tarefa de casa. Pais e mães trabalham fora, têm pouco tempo com os filhos e acabam prejudicando a relação por conta de tarefas, muitas vezes inúteis. As escolas precisam romper com esse modelo. Já vemos os prejuízos na formação intelectual e emocional dos alunos, quando chegam ao ensino superior.

      1. EXATAMENTE ! Tenho 12 anos e sei muito bem que isso atrapalha muito a gente. Para os adultos isso pode ser bom, mas para nós crianças, adolescentes e jovens é muito ruim. É muito exaustivo, as tarefas ficam acumulando e na maioria das vezes eu fico chorando por causa dos carões da minha mãe porque eu esqueço de fazer algumas tarefas por cansaço.

    2. Texto maravilhoso, eu que sou professor de conteúdo e exijo ao máximo dos alunos em minhas aulas quanto aos assuntos abordados, prefiro trabalhar com dever de casa quando percebo que determinado assunto não foi muito bem fixado para os alunos, assim vejo sentido em introduzir o dever de casa em minha metodologia, mas usar esta ferramenta para que a criança tenha o que fazer em casa? Hora, isto é um problema familiar e não educacional, aproveitem as horas com seus filhos os fins de semana, são momentos que se eternizam e não voltam mais. O dever de casa tem que ter sentido e não quantitativo!

    3. Pq? Pq tantas atividades? pq quanto mais eu faço elas mais os professores mandam? já n sei mais se existe vida naquele lugar q chamam de rua… Quanto mais atividades eu faço mais eu vejo o quão inutil eu sou. Eu ja nem vejo sentido no q eu to lendo nas atividades, pq eu so pesquiso no google e pronto, n aprendo nada. Se a escola mandasse poucas, eu ate me dava o trabalho de ler, mas como são infinitas n posso perder tempo. E mesmo gastando 70% do meu dia fazendo esses deveres parece q n muda nada.

    4. Texto bastante atual, embora seja de 2019, referiu-se bem ao passado, pois quem de nós, da geração dos anos 60, 70, não se lembra dos tempos de fazer os deveres de casa na mesa da cozinha e as mães(quase sempre do lar) em sua maioria sem estudos, nos acompanhavam da melhor forma que conseguia, ou incumbia tal tarefa aos irmãos mais velhos, que acabavam perdendo a paciência. Idas e vindas, debates e reflexões sobre os “Deveres de Casa”, cá estamos em 2023 e vemos que, desde escolas particulares às escolas públicas, consideram o números de atividades para ser feitas em casa, como elemento que reforça a qualidade da apredizagem. Mas é imprescindível pensarmos sobre qual retorno destas atividades se é dado tanto para os alunos, como para os familiares? Considero que menos tarefas no Deveres de Casa, são mais prazerosas de ser feitas, tarefas onde os alunos consigam fazer sozinhos ou tendo o apoio básico dos familiares. Tarefas estas, que devem ser corrigidas na lousa/quadro, para que o aluno tenha a oportunidade de resignificar seu aprendizado, que o aluno possa questionar o que não entendeu e que por fim, registre o correto da questão em seu caderno. Nao vejo objetivo algum em enviar várias atividades para ser feitas em casa e apenas dar um visto carimbado ou assinado . Acredito que todo Dever de Casa corrigido, revisto e explicado no quadro/lousa, terá significado para o aluno e claro, para melhor se adequar ao tempo escolar, é conveniente que sejam poucas atividades com bons objetivos , que evidentemente serão sempre bem vindas para a maioria dos alunos (e seus familiares) .

    5. Sou professora de reforço escolar, os pais já efetivam a matrícula e dizem: ensine a tarefa, se der tempo faz o reforço, pois lá em casa todo dia tem um estresse por causa das tarefas escolares.
      Não tem objetivo algum, volumes grandes de deveres, desestimulam as crianças, tem choro, cansaço, frustração. Acredito que é bom o dever de casa, quando feito de acordo com a aprendizagem da criança, quando é um momento prazeroso onde ela consegue fazer sozinha, colocando em prática os conhecimentos adquiridos em sala e precisa da intervenção de um adulto apenas para correção.

      Sem contar que: toda tarefa precisa ser corrigida!
      Senão perde seu objetivo!
      Professores perdem 1 aula ou mais, para a correção e dar visto em cadernos e livros. Sem contar no tempo, que esse professor gasta, elaborando essas tarefas, para depois nem corrigir.
      Seria algo só pra “inglês ver”!?
      Escola, professor, família, aluno, está na hora de repensarmos e discutirmos sobre a prática: Dever escolar!!!

    6. Eu como psicóloga acho o cúmulo dever de casa !
      Nitidamente um padrão social adoecido que viver é ter deveres, ajudando assim o ser humano desde cedo a ter a mente rígida e manter o padrão de crença limitante que viver é difícil, que é chato e com poucos momentos de prazer.
      É manter a construção cultural da dificuldade da vida e ainda por cima ocupar o tempo útil dos pais que poderia ser direcionado para atividades prazerosas e amorosas com os filhos, para atividades pedagógicas que deveriam ficar dentro da escola nas mãos de quem estudou para aplicá-las.
      Pais não são pedagogos e esta construção cultural adoecida ajuda aumentar problemas de relacionamentos entre pais e filhos pois gera tempo de estresse juntos ao invés de gerar tempo de qualidade! Estressa o estudante que quer descansar suas cognições e estressa os pais por não possuírem preparo para tal atividade, ou seja, escolas ajudam no desgaste emocional familiar.
      Essa é uma opinião profissional, como psicóloga não quero que meu filho cresça com rigidez cognitiva e nem tão pouco quero perder o pouco tempo diário que temos juntos para fazer algo que pago pelo serviço, Meu dever como mãe é dar amor, valores, sabedoria de vida e educação. Português, matemática e etc, é com a escola.

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