Por que o Brasil triplicou o número de faculdades de Medicina

Laura Lima • 27 de novembro de 2019

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    Alunos da PUCPR: Brasil tem 305 cursos de Medicina, o triplo do registrado no 20 anos atrás. Crédito: divulgação.

    Nos últimos 20 anos, o número de cursos de Medicina mais do que triplicou no Brasil. Em 1997, eram 85 escolas médicas. Hoje são 305. Para efeito de comparação, em nível global só a Índia oferece mais opções na área – são aproximadamente 400 escolas.

    O detalhe é que a Índia tem uma população seis vezes maior que a brasileira:1,3 bilhão, ante 209 milhões. Nos Estados Unidos, em que o total de habitantes é de 300 milhões, há 131 faculdades de Medicina.

    A explosão da oferta brasileira tem várias explicações. A primeira é óbvia: estamos falando de um negócio bastante rentável.

    Mercado pujante

    Para estudar Medicina, o brasileiro precisa desembolsar entre R$ 5 mil e R$ 16 mil por mês. Assim, ao fim do curso, o faturamento das faculdades pode chegar a R$ 1 milhão por aluno. Não à toa, a área de Medicina corresponde a 14% da receita do ensino superior privado – e cresce acima da média do setor, conforme dados da consultoria Atmã Educar.

    Uma das explicações para o elevado custo é o alto investimento na área. “A estrutura que uma faculdade de Medicina precisa dispor é muito maior do que a de qualquer outra, uma vez que exige muitas tecnologias nas diversas etapas do curso”, explica Fabio Freire, professor de ciências médicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

    No total, a estimativa é que os cursos privados de Medicina movimentem cerca de R$ 9 bilhões por ano, de acordo com a consultoria Hoper.

    O faturamento médio da graduação em Medicina cresceu 78% entre 2012 e 2017, enquanto os demais cursos superiores aumentaram em 30% a receita. Nos últimos cinco anos, o valor da mensalidade na escola médica subiu 29%, ante 8% na média geral.

    Além de ser um curso caro, outro motivo que torna o curso de Medicina um negócio rentável é a intensa procura. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Medicina é a carreira com maior concorrência no Sisu.

    “A demanda é acentuada porque, mesmo com todos os problemas que podem vir a ocorrer na profissão, o médico ainda consegue ser valorizado no mercado”, ressalta Freire, da Unifesp.

    “A Medicina é uma das poucas profissões em que a gente pode dizer que estamos em pleno emprego”, acrescenta José Lucio Machado, diretor da vertical de saúde do grupo Ânima Educação. “Nela, você pode estar mal-empregado, mas nunca desempregado.”

    A Ânima é uma das organizações privadas que estão entre as que expandiram os negócios na área médica.

    Em agosto, a instituição anunciou a aquisição do Centro Universitário Ages (UniAges) por R$ 200 milhões. O investimento fortaleceu o cluster de medicina da Ânima, agora presente na Bahia e no Sergipe, além de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Paraná.

    Para Machado, as faculdades de Medicina do país podem ser mais competitivas ao incorporar novas tecnologias nos currículos, como inteligência artificial. E pensar nos alunos além da graduação.

    “Temos que nos basear no modelo dos Estados Unidos de lifelong learning , ou seja, as universidades brasileiras precisam preparar o profissional para que ele sempre se mantenha atualizado no mercado”, ressalta Machado.

    Outra organização que investiu no setor foi o grupo Afya, que em novembro adquiriu o centro universitário UniRedentor, do Rio de Janeiro, por R$ 225 milhões. A medida é um desdobramento da abertura de capital na Nasdaq, onde a empresa captou R$ 1,1 bilhão.

    A Afya atua em dois segmentos: faculdades de Medicina e cursos preparatórios na área da saúde.

    Mais cursos, mais médicos?

    Inerente à expansão dos cursos de Medicina está o aumento da quantidade de profissionais.

    Segundo os dados da Demografia Médica do Brasil, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), o país tem 466 mil médicos – ou 2,1 por mil habitantes.

    O indicador é próximo ao de países mais avançados, como Japão e Coréia do Sul – 2,4 e 2,2 médicos por mil habitantes, respectivamente.

    O problema é que 29% dos médicos brasileiros trabalham no estado de São Paulo. Áreas como Acre, Amapá e Roraima concentram menos de 1% do total.

    “A aglomeração de médicos em grandes centros é uma consequência de falta de políticas de estado”, reitera José Lucio Machado, da Ânima. “Um médico não vai se formar e ir morar num lugar sem vida econômica. Ele precisa de um plano de carreira.”

    Além da concentração em grandes centros, há outra dificuldade: a desigualdade no número de vagas. Algumas especialidades carecem de profissionais porque boa parte deles migra para outras áreas, com atendimento suficiente.

    Machado dá um exemplo: “Nós temos um índice de natalidade pequeno, só que a população está envelhecendo. Ao mesmo tempo, temos 40 mil pediatras e não contamos com geriatras em quantidade suficiente”.

    Para resolver essa questão, uma das soluções é a criação de vagas conforme a carência de especialidade. É o que defende o professor da Unifesp.

    “Em outros países há a abertura de vagas de acordo com a especialidade. Se não existe a necessidade daqueles profissionais, não vai ter vaga. Se um profissional quer entrar em determinada área, vai ter que esperar alguns anos para isso”, explica Fabio Freire.

    Proibição de novos cursos

    Em 2018, o ex-presidente Michel Temer e o então ministro da Educação, Mendonça Filho, assinaram a Portaria 328 , que proíbe a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas já existentes no Brasil por cinco anos.

    A norma, que está em vigor, se estende a instituições públicas federais, estaduais, municipais e privadas.

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    Alunos da Unifae, em São João da Boa Vista (SP): IES estão proibidas de abrir novos cursos de Medicina. Crédito: divulgação.

    De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o objetivo é preservar a qualidade do ensino em razão do número de faculdades sem infraestrutura e não qualificadas para formar profissionais.

    Entidades médicas como o CFM e a Associação Médica Brasileira (AMB) comemoraram, alegando que a medida freia a formação médica de modo a não saturar o mercado, o que motivou críticas quanto a um suposto corporativismo da categoria. O certo é que a proibição de novos cursos evita, de fato, uma possível desvalorização da profissão, o que pode ter impacto sobre os salários.

    “É preciso trabalhar com a abertura de vagas e especializações, agora. O foco precisa ser na pós-graduação, porque a fase de expansão já foi bem cumprida”, diz José Lucio Machado, do grupo Ânima Educação.

    A medida fortaleceu ainda mais os cursos disponíveis no mercado. Em contraposição, os críticos alegam que a proibição é prejudicial à modernização do ensino de Medicina, à medida que os novos cursos poderiam oxigenar o setor, contribuindo com a proposição de currículos mais contemporâneos, direcionados à prevenção da saúde e à visão integral do indivíduo.

    Por enquanto, as instituições de ensino que quiserem abrir novos cursos ou vagas têm de esperar o fim do embargo, projetado para daqui a quatro anos. Outra opção é fazer fusões e aquisições, como a Ânima.

    Exceções podem ser solicitadas ao MEC. Neste ano, por exemplo, a Yduqs (ex-Estácio) obteve a revogação de uma portaria que suspendia o funcionamento dos cursos de Medicina no Ceará e no Pará, e obteve permissão para expandir o número de vagas em Juazeiro, na Bahia.

    Por Laura Lima

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