Quem acompanha o noticiário econômico está ciente de que o setor privado de educação superior está a mil pelo Brasil. Aquisições, planos de abertura de capital na bolsa e até mesmo recuperação judicial foram anunciadas desde março, quando a crise provocada pelo coronavírus se agravou.
O que mais chama atenção, até aqui, é o alto volume de aquisições. “Devido à pandemia, e por aversão ao risco, muitos mantenedores aceleraram os M&As”, afirma Bruno Weiblen, diretor geral da Rocket.Chat, com mais de 15 anos de experiência na área educacional.
Os M&As (sigla para mergers and acquisitions – fusões e aquisições, em português) atingem vários setores, não apenas a educação. De acordo com o site Brazil Journal, especializado na cobertura empresarial, operações desse nível estão sendo costuradas numa “intensidade poucas vezes vista”.
“A queda da Selic para níveis inimagináveis e o crescimento do mercado de capitais derrubaram o custo de capital para as grandes empresas – em outras palavras: nunca foi tão barato comprar um concorrente.”
Em todo o país, a quantidade de fusões e aquisições no primeiro semestre de 2020 ficou 17% acima da média dos últimos cinco anos, segundo levantamento da PwC Brasil. Foram 395 transações nos primeiros seis meses do ano, alta de 1% em relação ao mesmo período de 2019.
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As aquisições no ensino superior
Uma das aquisições foi do grupo Ser Educacional, que por meio de sua subsidiária Cenesup arrematou a Facimed, a Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal (RO). A transação será de R$ 100 milhões na celebração do contrato, e mais quatro parcelas anuais de R$ 12,5 milhões – pagas a partir de 2022.
Em fato relevante, divulgado em 6 de agosto, a Ser informou que a instituição de Rondônia teve receita líquida de aproximadamente R$ 55 milhões em 2019. Credenciada para ofertar educação a distância, a Facimed obteve recentemente o parecer favorável para se tornar um centro universitário. Em junho, tinha 2,7 mil alunos de graduação, sendo 445 matriculados no curso de Medicina.
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Já a Ânima anunciou a aquisição de 50,01% do capital social da sociedade dona do UniFG, o Centro Universitário FG, por R$ 57,5 milhões. O acordo, celebrado em julho, prevê uma opção de compra futura da participação minoritária que ainda resta. Localizada em Guanambi (BA), a instituição de ensino superior tem um portfólio de 25 cursos de graduação em áreas como Saúde, Direito e Engenharia.
Dois meses antes, em maio, a Ânima já havia comprado 75% da Faseh, a Faculdade da Saúde e Ecologia Humana – localizada em Vespasiano (MG). O valor da compra foi de R$ 108,9 milhões. Fundada em 2001, a instituição oferece cursos na área da Saúde (Medicina, Enfermagem e Fisioterapia), Direito e Engenharias (Civil e de Produção). No total, são 1 mil alunos.
Com as aquisições de Faseh e UniFG, a Ânima fortalece a recém-criada vertical de Medicina e Saúde – chamada de Inspirale.
Outra que saiu às compras foi a Yduqs (ex-Estácio). Em junho, a companhia anunciou a intenção de adquirir o Grupo Athenas. A aquisição foi aprovada pelo Cade em julho.
O Athenas é líder ou vice-líder nas regiões onde atua. Três de suas instituições de ensino superior estão em Rondônia: a Faculdade São Paulo, a Faculdade Pimenta Bueno e a Faculdade Pan-americana de Ji-Paraná (Unijipa). Além disso, o grupo conta com o Centro Universitário Meta (Unimeta) em Rio Branco, no Acre (foto em destaque), e a Faculdade do Pantanal (Fapan) em Cáceres, no Mato Grosso.
Já a Afya, grupo focado em cursos de Saúde, anunciou em 20 de agosto a aquisição da Faculdade Ciências Médicas da Paraíba (FCMPB) por R$ 380 milhões. Metade do valor será pago no fechamento da transação e o restante em quatro parcelas até 2024.
Trata-se da compra mais cara da companhia. Isso porque a Afya está pagando R$ 2,4 milhões por vaga de Medicina, ante a média das últimas oito aquisições – R$ 1,4 milhão por vaga.
Executivos do ensino superior afirmam que até o fim do ano é bem provável que haja mais novidades no campo das aquisições.
Lá fora, a Universidade do Arizona – instituição pública de 135 anos com forte reputação em pesquisa acadêmica – surpreendeu o setor ao anunciar a intenção de adquirir uma faculdade online privada chamada Ashford University.
A Laureate, por sua vez, informou ao mercado o interesse em se desfazer das instituições de ensino superior que mantêm em vários países. Os grupos Ânima, Ser Educacional e Yduqs demonstraram interesse nos ativos brasileiros do grupo americano, o que inclui 270 mil alunos em instituições como Anhembi Morumbi, FMU, UnP, Unifacs e UniRitter.
(Atualização: em novembro, a venda acabou sendo fechada com a Ânima. O valor da transação foi de R$ 4,6 bilhões – montante composto por R$ 3,8 bilhões em dinheiro, além da assunção de uma dívida líquida de R$ 623 milhões e a taxa de rescisão de um acordo desfeito com a Ser Educacional (cláusula go shop), de R$ 180 milhões.)
IPOs na mira
No campo do mercado de capitais, o Grupo SEB analisa fazer uma oferta (IPO, na sigla em inglês) do seu braço de franquias de escolas, como as redes Maple Bear, Luminova e Sphere, e de prestação de serviços educacionais, que é feita pela unidade de negócio Conexia Educação. Segundo informou o Valor Econômico, o IPO não incluiria os colégios próprios – rede formada por aproximadamente 50 unidades de marcas como Pueri Domus e Concept.
A Uniasselvi também pretender levantar capital na bolsa, só que no exterior. No fechamento deste reportagem, a empresa especializada em educação a distância ainda não havia decidido entre a Nasdaq e a NYSE. (Atualização: segundo o Brazil Journal, a oferta foi feita em setembro na Nasdaq. No IPO, a Uniasselvi foi rebatizada de Vitru Limited.)
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Recuperação judicial
Mas nem todo mundo consegue se dar bem na crise – comprando, vendendo ativos ou levantado capital. Com crescimento da inadimplência, da evasão e dos excessos de desconto nas atuais mensalidades, a sustentabilidade de muitas faculdades e universidades está em risco no Brasil. Numa previsão feita em maio, o Semesp chegou a afirmar que 30% das IES poderiam ir à falência.
A primeira a acusar o golpe foi a Ucam, a Universidade Cândido Mendes. Com uma dívida de R$ 400 milhões, a instituição deu início a um processo de recuperação judicial no mês de maio.
Segundo a Associação Sociedade Brasileira de Instrução (Asbi), mantenedora da Ucam, a razão seria a enorme perda de receita registrada nos últimos anos, agravada pela crise econômica. Só entre o fim de 2019 e março deste ano, a queda na receita foi de 30%, passando de R$ 10 milhões para R$ 7 milhões mensais. Nesse período, a Ucam perdeu cerca de 2 mil alunos. Atualmente, a Candido Mendes tem 10 mil alunos – ante os 24 mil matriculados em 2014.
Socorro ao setor privado
A pedido de representantes das instituições de ensino básico e superior privadas, começou a tramitar no Senado o Projeto de Lei 4.021/2020 que prevê uma ajuda estimada em R$ 40 bilhões para setor.
Segundo a Agência Senado, entre as medidas está a criação de um “voucher educação” para que famílias paguem mensalidades atrasadas e desonera a folha de pagamentos de instituições que ampliarem o número de vagas disponíveis no Programa Universidade para Todos (Prouni). O projeto também possibilita o estudante a utilizar o saldo de sua conta no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para pagar mensalidades.
Algo na mesma linha deve ser levado a plenário em breve, por outro Projeto de Lei – 3.009/2020. A proposta criar duas novas modalidades de saque no FGTS: o saque-educação e o saque emergencial. O primeiro permitirá a retirada do saldo de até 50% da conta vinculada do trabalhador no FGTS para a amortização de parcelas ou a liquidação total do saldo devedor do financiamento estudantil, após a conclusão do curso superior do trabalhador ou de seus dependentes.
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*Texto atualizado em 4 de novembro, às 12h04.
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