Em 1914, o filho de um médico baiano começa a ter pretensões de seguir a vida religiosa. O jovem estuda no colégio interno Padre Antônio Vieira, em Salvador. Seus pais discordam veementemente do desejo do rapaz e o convencem a estudar Direito. Ele aceita, se forma e volta para a Bahia, onde é convidado a trabalhar com educação, área que acabou por marcar sua vida, carreira e a história do Brasil.
Anísio Teixeira nasceu, no dia 12 de julho de 1900, em Caetité, interior da Bahia. Filho de Deocleciano Pires Teixeira e Ana Espínola Teixeira, sempre estudou em colégios católicos, desde o primário.
“Devido à estrutura familiar e educacional, meu pai se dedicava mais para a religião do que seus colegas de internato”, conta Carlos Teixeira, filho de Anísio, ao documentário da TV Escola sobre a vida do educador.
Anísio, ao atender o desejo de seus pais, vai estudar no Rio de Janeiro e se torna advogado em 1922. Quando retorna para o estado natal, é convidado pelo governador Góis Calmon para ser inspetor geral de ensino do estado. Hoje, o cargo é equivalente ao de secretário de educação. Teixeira nunca pensou em trabalhar na área. Mas quando esse se mostrou ser o seu caminho, ele entendeu que a única saída seria se aprofundar mais no tema.
Viagem para os Estados Unidos
Na busca por mais conhecimento na área que viria a ser sua missão de vida, Anísio se deparou com o livro Métodos Americanos de Educação, do escritor belga Omer Buyse. Nesse momento, a base educacional religiosa do baiano começa a ser abalada, e uma nova perspectiva de ensino surge na sua concepção de escola.
Em 1927, durante uma viagem aos Estados Unidos condicionada pelo governo da Bahia, Teixeira visita escolas americanas e fica mais perto de abandonar os conceitos católicos. “Ele conhece um novo panorama dos espaços físicos das instituições. Algo que o Brasil não tinha”, explica, na mesma entrevista, Babi Teixeira, filha de Anísio.
Outra figura foi de encontro ao que Anísio buscava. O filósofo e pedagogo John Dewey impacta Teixeira com seu discurso pragmático e uma proposta de preparar indivíduos para o mundo por meio da educação. A partir desse momento, o pensamento religioso já era algo pertencente ao passado.
Contudo, estudar filósofos e livros técnicos não foi o bastante para Anísio. Em 1928, ele voltou para os Estados Unidos, mas dessa vez, com o propósito de fazer mestrado na Universidade de Columbia, em Nova York.
Foram anos dourados para o progresso do educador. Além de ter Dewey como mentor, Teixeira conviveu com outros grandes nomes da educação na época, como Monteiro Lobato e Gilberto Freire. “A chegada à América e o contato com Lobato foram os desencadeadores para ele romper de vez com preceitos antigos e se tornar um livre pensador de fato”, conta o filho do educador.
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Conflitos com a Igreja Católica
De volta à Bahia, ele não encontra o mesmo ambiente amistoso de antes. Henrique Vital Soares é o governador do estado e não compreende as novas ideias de Anísio como algo proveitoso. Com isso, o educador se demite e começa a lecionar em uma escola regular da capital baiana.
Entretanto, seus dias de professor do ensino básico em Salvador terminam em 1930, quando ele é convidado a realizar uma reforma na educação do Rio de Janeiro. Anísio prontamente aceita e parte para a nova ocupação.
No mesmo ano, Anísio articula a criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Dois anos depois, ele fica noivo e se casa com Emília Telles Ferreira, uma mulher espontânea, a qual ele chamava de “minha professora da alegria”.
Ainda em 1932, Fernando de Azevedo escreve e publica o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, tendo Teixeira como um dos signatários. No documento, há a defesa de uma escola pública, laica e obrigatória. Como esperado, não agradou em nada a comunidade de educadores católicos da época.
A tensão entre Anísio e a igreja se somou a outra animosidade que ele adquiriu. O governo de Getúlio Vargas acusou o educador de comunismo. Ao perceber a gravidade da situação, ele entrega sua carta de demissão em 1935.
“Meu pai era visto como um dos ideólogos da Aliança Revolucionária Nacional. O que não era verdade. Ele nunca foi um militante político partidário. Era um homem naturalmente de esquerda, mas que seria mal visto por qualquer regime, em razão da sua inquietude”, relembra Carlos para o documentário da TV Escola.
A perseguição a Anísio não resultou apenas no afastamento do cargo público. O medo de ser preso o fez voltar para Bahia, onde passou a viver com sua família clandestinamente. Durante os anos de exílio, ele se dedicou às traduções de obras internacionais e à exploração de manganês.
O ano de 1945 trouxe o fim da Segunda Guerra Mundial e a Crise do Estado Novo no Brasil. O desgaste do governo Vargas levou ao encerramento da era do gaúcho no poder.
Com a volta do regime democrático, Anísio Teixeira também regressou para seus trabalhos com a educação pública. Ele foi convidado por Otávio Mangabeira, novo governador da Bahia e que também havia sido exilado pelo antigo sistema, para ser secretário de educação e saúde do estado.
“Esse foi o momento em que ele pôde fazer o projeto da sua vida, que era promover uma escola pública, laica, gratuita e de qualidade”, disse Babi Teixeira.
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O missionário da educação começa a trabalhar
No cargo de secretário, Anísio realizou um dos projetos mais emblemáticos de sua carreira: a fundação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro de Salvador, também conhecido como Escola Parque.
“Essa instituição jogou meu pai em outro patamar. A escola ficou conhecida internacionalmente porque a Unesco estudava o Centro Educacional para reproduzir as mesmas estratégias em países subdesenvolvidos”, conta a filha do educador.
Depois de pôr o empreendimento sob direção de sua irmã, Karen Teixeira, Anísio atendeu à convocação mais notável de sua trajetória até então. Simões Filho, dono do Jornal Tarde, da Bahia, havia assumido o Ministério da Educação e chamou o baiano para trabalhar no Instituto Nacional de Pesquisas em Pedagogia – o Inep da época, autarquia que mais tarde carregaria o seu nome.
“Além dessa função, meu pai também foi o formulador do que hoje seria a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)”, conta Carlos Teixeira.
Ele ainda criou o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional, que estudava a realidade do ensino no Brasil. A partir das análises, Teixeira traçava estratégias para a educação, de acordo com suas ideias.
Algo que reacendeu o conflito de Anísio com a Igreja Católica, resultando no Manifesto dos Bispos, que exigia sua demissão. Mais uma vez, Anísio se via sob uma onda de acusações, que o via como responsável por implementar uma educação comunista no país.
“Ele achava que a renúncia do cargo não era uma opção. Meu pai se manteve na posição, o que angariou uma solidariedade tremenda da classe intelectual da época”, relembra Carlos.
Juntamente com Darcy Ribeiro, Teixeira idealiza a Universidade de Brasília (UnB). Em 1961, no governo de João Goulart, a instituição foi inaugurada sob a fama de ser revolucionária, por conta de seu campo de inovação e experimentação. Dois anos depois, Anísio assume o cargo de reitor da UnB. Na mesma época, publicou suas duas grandes obras: “Educação não é privilégio” e “A crise da educação brasileira”.
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Mesmo em meio a repressões, suas ideias não se apagam
Anísio Teixeira sofreu repressão durante boa parte de sua jornada como educador devido aos conceitos progressistas que tinha sobre a educação. A ditatura militar, instaurada em 1964, foi um dos momentos mais desafiadores para o baiano. A começar pela sua saída da UnB no mesmo ano da ascensão dos militares ao poder.
“Ele sai da UnB com toda a universidade ocupada por cavalaria e tanques de guerra. Foi uma operação pesada, talvez porque esperassem encontrar uma resistência”, conta o filho de Anísio.
Teixeira não vê outra saída a não ser ir para o exílio novamente. Dessa vez, o destino foi os Estado Unidos. A acusação dos militares era a mesma da Igreja Católica: implementar ideais comunistas na educação. Mas seu prestígio no país onde estudara não havia sido abalado. Ele foi professor convidado em diversas universidades americanas, como a de Columbia, instituição que o formou como mestre.
Na volta ao Brasil, Anísio se torna consultor da Fundação Getúlio Vargas e organiza coletâneas de escritos sobre a educação, reeditando também obras suas. Em 1971, ele é convidado para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, que havia sido de outro educador baiano, Clementino Fraga.
“A Academia não tinha nada a ver com ele. Entretanto, ele aceitou o convite por ter sido convencido que, na época, era importante ter ali alguém com as ideias dele”, conta Carlos Teixeira.
Até que no dia 11 de março do mesmo ano, o Brasil se chocou ao saber que Anísio Teixeira, professor, escritor e defensor da educação pública, foi encontrado morto, no fundo do poço do elevador do prédio em que morava.
“É triste para nós pensarmos que sua morte pode ter ocorrido por causa da repressão. Por isso, eu me dediquei a recuperar a vida e a obra do meu pai. Mas nós nunca aceitamos a narrativa de um acidente, mesmo não tendo provas”, expressa Babi Teixeira.
Anísio Teixeira era alguém sem apego às próprias ideias. Talvez seja por essa razão que ele foi considerado o pai do ensino público. Anísio entendia que a realidade de cada escola e região era distinta e suas estratégias levavam esse aspecto em conta. Ele acreditava que educação não é privilégio, mas direito do cidadão e dever do Estado.
Suas ideias continuam sendo estudadas e aplicadas até hoje. Diversas instituições de ensino homenageiam seu nome, assim como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
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