Trabalhar diversidade e inclusão dentro do ambiente universitário é uma necessidade imperativa. Não apenas para a equalização de oportunidades no mundo do trabalho, mas também pelas reverberações que a produção de conhecimento por diferentes pessoas, com diferentes histórias e modos de vida, agrega à sociedade.
Para falar sobre o tema, o portal Desafios da Educação conversou com a pesquisadora Mônica Pereira dos Santos. Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Santos é PhD em Psicologia e Educação Especial pela Universidade de Londres. Também é membro de renomadas organizações, como a Associação Nacional de Pesquisadores em Educação e a Association pour la Recherche InterCulturelle.
A seguir, confira a entrevista – editada para efeitos de clareza e compreensão:
Como o tema da inclusão se encaixa nos processos de aprendizagem no ensino superior? Nessa perspectiva, falar em inclusão significa planejar para todos, mas tendo em mente cada um. Ou seja, é entender que cada sala de aula e instituição precisa ser mobilizada por princípios de não-tolerância a discriminações, assédios, violência, injustiças sociais e corrupção dos direitos humanos. A instituição tem que adotar essa postura e trata-la como inegociável. Essa política deveria se refletir em cada disciplina e em cada profissional da IES também. O que não acontece. Muitas vezes, até existe a política, mas ela não faz parte do dia a dia dos colaboradores. Servidores e docentes não passam por uma formação continuada que os faça ligar o seu cotidiano a esses princípios de inclusão.
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Mas isso significa que as faculdades, centros universitários e universidades brasileiras são inclusivas? A gente pode dizer que sim, da mesma forma que podemos dizer que não. Inclusão é processo. Não é um estado final ao qual a gente vai chegar um dia. Se a gente entende que, num mundo capitalista, cujo o pilar central de funcionamento é a desigualdade, principalmente a desigualdade social e econômica, e que essa estrutura não vai acabar da noite para o dia, você precisa entender que nunca teremos nada inclusivo. O que geralmente existe são processos de resistência e de mitigação dos estragos. A isso eu chamo de inclusão. Nesse sentido, pessoas tanto quanto organizações e sistemas sempre serão excludentes e estarão em um caminho de busca por mecanismos de inclusão.
Em instituições educacionais, você vai encontrar a adoção extremamente inclusiva de políticas de cotas. Esse é um indicativo de que existem processos de inclusão dentro das IES. No entanto, você também vai ver que, ao implementar essa política, há exclusão dentro dos recursos disponíveis para ela. Ou seja: historicamente, as cotas são importantes, apesar dos problemas. No fim, é um processo que vai se ampliando e se aperfeiçoando.
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Quais as principais dificuldades de realizar uma inclusão efetiva no ensino superior? A primeira dificuldade é a falta de financiamento. Falando das universidades públicas, por exemplo: elas têm sofrido baques terríveis nas suas possibilidades de prover o mínimo. Você vê o chão cedendo, falta de água. Com a Lei de Cotas, o perfil do estudante das universidades públicas vem se transformando, e isso é ótimo. Mas esses estudantes precisam de auxílio transporte, precisam de bolsa. Se nem o básico consegue se prover, como vamos providenciar materiais e recursos para quem é cego, para quem tem paralisia cerebral?
Mas digamos que a universidade tenha recursos: atualizar as pessoas que trabalham na instituição – de docentes a técnicos e prestadores de serviço – é um dos principais desafios. E isso requer muita formação. Eu não vejo as instituições investindo nisso, com formações continuadas e que sejam acompanhadas nos seus efeitos. Isso tem que ser recorrente porque a inclusão é um processo que vai mudando. Os sujeitos da inclusão são múltiplos. Hoje, são certos grupos. Mas novos sujeitos vão entrando nesse foco. O que não falta são pessoas excluídas.
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E a diversidade: como é vista nas instituições? Depende muito de cada instituição, de cada centro universitário e de cada faculdade. Em geral, se fala pouco de diversidade. Esse assunto entra na pauta quando algum estudante se destaca pela sua diferença e isso é visto como um problema. O que não deveria ser. Porque o problema nunca é a pessoa; a diferença faz parte de sermos humanos. A questão é que, quando essa diferença implica alguma providencia especifica que a universidade não tem, isso gera um problema na perspectiva da instituição.
Qual é a importância da diversidade na construção do conhecimento acadêmico? Tem coisas que a gente precisa ter contato. Não adianta só ler texto. Por mais que eu estude sobre negritude, eu não vou saber o que é ser negra no Brasil. Eu só consigo ter uma mínima ideia do que é isso quando convivo com essas pessoas. E isso vale para todos que não fazem parte da norma estabelecida. Os impactos dessa maior participação de pessoas diversas na construção do conhecimento só podem ser bons, porque é assim que a gente muda o mundo, aos pouquinhos e sempre. A sociedade precisa entender o quão plural ela é.
Além disso, é importante lembrar que quando falamos em cotas pensamos em pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Mas existem muitos outros grupos que não são contemplados pela lei e pelos benefícios que ela traz, como os refugiados, os ex- presidiários, as pessoas privadas de liberdade e os idosos.
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