Ensino Básico

Dia a dia escolar: produções audiovisuais favorecem protagonismo infantil

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produções audiovisuais

Experiência em escolas de Porto Alegre indica que a produção de filmes e outros vídeos criam um processo de maior envolvimento das crianças. Crédito: Pexels.

Por Cláudia Amaral dos Santos Lamprecht, Gisele Rodrigues Soares, Simoni Cezimbra Porto, Letícia Marlise Petry e Débora Gonçalves Fagundes

O ano é 2015. No Jardim A2 da Escola Municipal de Educação Infantil Jardim de Praça Girafinha, em Porto Alegre, uma aluna relata ter assistido o filme de terror Annabelle. A afirmação acontecia dentro de uma dinâmica com os demais colegas – sobre filmes de terror. A partir disso, as crianças elaboraram uma narrativa coletiva intitulada A História do Vestido.

Na história criada pelas crianças, uma mulher encontra um vestido amaldiçoado que a faz ouvir vozes e ter pesadelos com zumbis. Ao identificar que a maldição deriva do vestido, ela tenta cortá-lo com uma tesoura, mas então sua casa pega fogo. Talvez seja melhor parar por aqui e não dar spoiler – não vamos contar o fim da história. Ao menos não sobre o vestido maldito.

Voltando à escola Girafinha: no ano seguinte, como a discussão sobre filmes continuou na turma (agora J3), a professora Gisele Rodrigues Soares (a mesma da turma anterior) propôs às crianças a produção de uma fotonovela. Seis meninas toparam o desafio e retomaram a história do vestido.

Essas meninas dividiram-se na realização de tarefas: uma foi a fotógrafa e as demais, atrizes – mas também cenógrafas, figurinistas, maquiadoras e narradoras. Após a finalização do filme pela professora (colocação de legendas, trilha sonora e efeitos visuais), a produção foi vista pelas crianças da escola, em sessão de cinema com direito a ingressos confeccionadas pelas meninas.

Depois desse filme, um grupo de meninos da mesma turma decidiu produzir outro sobre super-heróis – O Trio Demais. Como o primeiro grupo, os guris inventaram personagens originais (heróis e vilões) e enredos de aventura, filmou, narrou e encenou sua própria história.

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Trabalho a nível de rede

No segundo semestre de 2016, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre realizou um seminário para professores da rede sobre várias temáticas. Entre elas, a produção de audiovisuais para crianças, sobre crianças e executada por crianças.

A oficina Telas da Infância foi ministrada pela professora e assistente de Direção da Casa de Cinema, Laura Mansur. E motivou outras três professoras – Simoni Cezimbra Porto, Débora Gonçalves Fagundes e Letícia Marlise Petry, além de Gisele – a investir na produção de filmes e na ampliação de repertórios cinematográficos junto com as crianças.

Na ocasião, o grupo tomou conhecimento da Lei Federal n° 13.006/2014, que tornou obrigatória a exibição de produções nacionais em escolas de educação básica – o mínimo é duas horas de vídeo por mês.

Os alunos da professora Gisele tiveram acesso a diversas linguagens de filmes (curtas metragens, documentários, animações diversas, filmes mudos e pretos e brancos). Foi aí que um terceiro grupo da turma resolveu criar roteiro, filmagem e trilha sonora (em parceria com o professor de música da escola) de um filme sem cores e sem falas, inspirado na obra de Charles Chaplin.

A partir do desejo das professoras e das crianças de suas respectivas turmas, criei (como assessora pedagógica das escolas interessadas) um grupo em uma rede social para trocarmos informações, combinarmos ações conjuntas e socializarmos processos.

Com essa rede de trocas, as professoras mostraram para suas turmas os filmes e as produções que as crianças das outras escolas desenvolveram. Também compartilhavam umas com as outras os comentários e reações das crianças em se verem e conhecerem histórias de diferentes gêneros: o medo proporcionado pelo filme de terror, as risadas nos filmes de comédia, perguntas e curiosidades a respeito dos cenários e figurinos, o interesse despertado pelas diferentes criações de trilhas sonoras.

Nosso grupo docente percebeu como é interessante para as crianças verem outras crianças como protagonistas. Ao verem que crianças como elas (da mesma idade e em escolas da mesma rede de ensino) foram capazes de participar ativamente da realização dos filmes, a motivação para realizar as suas próprias histórias e filmes aumentou significativamente.

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O protagonismo dos filmes

Podemos destacar que um ponto importante e diferencial desta proposta de trabalho foi considerar que criança gosta de ver criança.

Além de promover sessões de cinema com temas relacionados aos projetos de trabalho desenvolvidos ou ampliar o repertório das crianças em relação à linguagem, o compartilhamento das produções feitas por seus pares foi um fator fundamental. Despertou o interesse das crianças e, principalmente, proporcionou um sentimento de que elas também poderiam fazer como as crianças que atuam profissionalmente nos filmes.

Posteriormente, as duas produções da turma do Jardim Ada Meu Amiguinho foram finalizadas.

A primeira – Olhar das crianças – era uma montagem de fotos das crianças ao longo do ano. As imagens traziam o olhar da turma sobre o próprio cotidiano, com trilha sonora cantada pelas crianças (músicas infantis) e o apoio da professora referência Simoni e do professor de Música Márcio Fumaco.

A segunda produção – A Fada Sereia – foi construída a partir de história coletiva da turma e representada por seus integrantes.

Na sequência, produções das outras duas escolas foram finalizadas. A turma do JB3 da EMEM Emílio Meyer, da coordenadora pedagógica Letícia e da monitora Roberta Aita Posera, assistiu no auditório da escola o filme Uma noite assustadora em sessão exclusiva e, depois, com as demais turmas de jardim.

Essa turma pesquisou sobre o que era necessário para produzir um filme (som, luz, música, cenário, fantasias, maquiagem, filmadora, diretor e atores) e fizeram esboços e descrições de cada cena do filme.

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A produção tinha zumbis como protagonistas, mas numa versão cômica, na qual um grupo de zumbis meninas entravam em atrito com os meninos na realização de uma festa. A composição da trilha sonora contou com aa participação do professor de música Johann Alexander de Souza Schmitt – que, inclusive a escreveu em ritmo de funk, a pedido das crianças.

Já a turma do Jardim A2 da professora Débora, da escola Cantinho Amigo, trabalhou com a produção de filmes a partir da experiência que as crianças tiveram como telespectadores de vídeos com diferentes gêneros.

O tubarão que engoliu o peixe, por exemplo, foi uma experiência que investiu na elaboração de uma animação feita com desenhos das crianças sobre o fundo do mar, com direito a investigação dos sons para compor a narrativa. A menina machucada foi um filme de terror, enquanto O dragão e o pato barulhento se deteve em contar uma aventura. A porta de palha era uma comédia.

Para a produção dos filmes, as crianças se dividiram em grupos e cada um compôs a história, discutiu como deveria contar, além de ajudar nas filmagens.

Por fim, A história do vestido foi exibida na 6ª Mostra Olhares da Escola. Já A fada sereia e Olhares das crianças foram apresentadas na 5ª edição da Mostra Virtual de Inclusão Digital da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre.

Além disso, as crianças das turmas de J3 da escola Girafinha e do JB1 e JB2 da Cantinho Amigo produziram vídeos – alguns muito divertidos, inspirados em canais do YouTube – como recordação da escola, posto que ingressariam em uma nova etapa da escolarização obrigatória.

Conclusão

Após essa experiência coletiva e cooperativa de produções audiovisuais com crianças pequenas, percebemos como os filmes são altamente produtivos no trabalho junto a elas, que estão imersas em uma cultura midiática desde a mais tenra idade e são autores de fotos e vídeos no cotidiano de suas famílias.

Tais produções e linguagens também são ferramentas de expressão, produzem conhecimento e se constituem em memória de um grupo.

Nesse sentido, acreditamos na necessidade de educar sobre, com e através do cinema. Para isso, nosso grupo de professoras buscou trazer ao cotidiano da educação infantil produções diferentes daquelas conhecidas pelas crianças. Também procuramos ampliar o repertório e formar o olhar das crianças para outras experiências estéticas e culturais para que outras histórias sejam contadas.

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Sobre as autoras

Cláudia Amaral dos Santos Lamprecht é pedagoga, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua na Diretoria Pedagógica da Secretaria de Educação de Porto Alegre.

Gisele Rodrigues Soares é pedagoga, especialista em Educação Infantil e mestranda em Educação na UFRGS. Atua na Coordenação da Educação Infantil da Secretaria de Educação de Porto Alegre.

Simoni Cezimbra Porto é pedagoga e especialista em Pedagogias do Corpo e da Saúde pela UFRGS. Atua na Direção da EMEI JP Meu Amiguinho, da Secretaria de Educação de Porto Alegre.

Letícia Marlise Petry é pedagoga e mestre em Educação pela UFRGS. Atua na Vice-direção da EMEM Emílio Meyer, da Secretaria de Educação de Porto Alegre.

Débora Gonçalves Fagundes é pedagoga e especialista em Psicomotricidade Relacional pela Unilasalle. Atua na EMEI JP Cantinho Amigo, da Secretaria de Educação de Porto Alegre.

Redação Pátio
A redação da Pátio – Revista Pedagógica é formada por jornalistas do portal Desafios da Educação e educadores das áreas de ensino infantil, fundamental e médio.

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