Capacitação Docente

Os desafios dos cursos de licenciatura no Brasil

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O ministro da Educação (MEC), Camilo Santana, anunciou recentemente que todos os cursos de licenciatura serão avaliados anualmente, a partir de 2024, pelo Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).

Hoje, esses cursos são analisados a cada três anos, conforme o ciclo avaliativo. “A partir do ano que vem, as licenciaturas serão anualizadas, pela importância que temos de ter para a formação dos professores”, disse Santana.

A decisão do MEC foi motivada pelo mau desempenho dos alunos dos cursos de licenciatura em avaliações do Enade, inferior às outras graduações — todas as notas foram abaixo de 5, em uma escala de 0 a 10. “Para nós, a formação do professor é fundamental para garantir a qualidade da aprendizagem das crianças e jovens da educação básica”, disse o ministro.

Dados do último Censo da Educação Superior mostram que desde 2014 a quantidade de ingressantes em cursos de licenciaturas está caindo. Crédito: Divulgação/Anhembi Morumbi

O cenário da docência

Existe uma exceção que já virou regra nas escolas públicas e privadas de todo o país: muitos estudantes não têm aulas com professores formados na disciplina que ensinam. Diante da ausência de candidatos para ocupar as docências, as escolas improvisam e colocam profissionais formados em outras áreas para suprir lacunas no ensino fundamental II e no ensino médio.

Em 2023, por exemplo, muitos alunos vão concluir o ano letivo sem ter tido aulas de Física ou Sociologia com professores habilitados para ministrar essas disciplinas. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostram que em Pernambuco apenas 32,4% das aulas de Física no ensino médio são ministradas por professores da disciplina.

O fenômeno se repete em diferentes estados e municípios brasileiros há muito tempo. E deve ficar pior nos próximos anos. O último Censo da Educação Superior mostra que desde 2014 a quantidade de ingressantes em licenciaturas está caindo, o que indica uma falta de interesse dos jovens em seguir carreira no magistério.

“Nós temos um problema histórico na formação de professores que é a baixa atratividade da carreira, baixos salários e fragmentação de contratos”, afirma a presidente do Instituto Singularidades e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Costin.


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Licenciatura EaD

Em 2022, foram registrados 789,1 mil ingressantes em cursos de licenciatura. Desses, 81% foram na educação a distância (EaD). Nas instituições privadas, 93,7% dos egressos desse tipo de graduação foram no formato EaD, enquanto na rede pública são 22,2%. Ou seja, a cada 100 alunos de cursos de licenciatura, 64 estudam a distância.

Os dados mostram que essas graduações necessitam de atenção. “Temos muitos professores formados pela educação a distância e de uma forma bastante precária”, diz a presidente do Instituto Singularidades ao Desafios da Educação. “Mas a EaD em si não é ruim, desde que se invista em recursos”, complementa.

Costin lembra que existe educação a distância de qualidade e boa parte delas tem algum grau de presencialidade — “é necessário muito mais contato humano, não só síncrono pelas telas, mas presencial” — e de mão na massa — “temos um problema grave, que é a falta de diálogo entre teoria e prática”.

Os próximos passos das licenciaturas

Segundo o ministro da Educação, a pasta está estudando a adoção de uma reserva de 40% das vagas remanescentes do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para alunos de licenciatura.

Há também a proposta de condições diferenciadas de pagamento do financiamento para quem ingressar nesses cursos, especialmente em áreas como Português, Matemática e Física. “Precisamos estimular nas áreas específicas, onde estamos precisando de professor”, afirmou Camilo Santana.

Mais prática e mais valorização

Para reverter o cenário atual das licenciaturas, pesquisadores defendem a urgência da criação de políticas de valorização da carreira docente e a adoção de reformulações curriculares. Para Claudia Costin, a prática tem que estar na formação de professores desde o primeiro dia. “Se eu quero formar para uma profissão que é bastante complexa, eu não posso formar só com teoria”, defende.

A professora explica que se as IES formassem outras profissões como formam os professores, os futuros médicos, por exemplo, só estariam aprendendo a teoria da Medicina. Para ela, as universidades estão formando teóricos da educação – o que é importante, mas não atende à demanda pedagógica das escolas. “Nós precisamos de profissionais que trabalhem com as crianças”, afirma.

A Universidade Diego Portales, no Chile, é um grande exemplo quando o assunto é formação de professores com prática. Desde o primeiro semestre, os alunos estudam em uma escola pública e observam como as aulas são dadas com roteiro de observação.

Tudo isso com um professor na faculdade, que analisa o estágio, e outro na escola, que é o mentor daquele trabalho que o aluno está fazendo. Não por acaso, o Chile tem o melhor resultado no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) entre os países da América Latina.

Uma realidade bem diferente da brasileira, em que a prática docente ainda é pouco valorizada. Para Costin, a opinião pública trata o professor como alguém que merece piedade e compaixão, mas não respeito. “Isso precisa mudar, porque quando você trata alguém como profissional, acaba desenvolvendo naquele profissional o desejo de ser admirado e de ter orgulho das suas práticas”, conclui.


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