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O que Luísa Sonza, Gloria Groove e Ludmilla têm a ver com o ingresso de estudantes no ensino superior? Para a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), tudo. A instituição utilizou ingressos para o Planeta Atlântida, maior festival de música do Sul do País, realizado em fevereiro deste ano, como moeda de troca: ao garantir a matrícula na instituição, os calouros ganhavam pulseiras de acesso aos dois dias de evento.

A estratégia diz muito sobre os desafios das instituições de ensino superior (IES) na hora de captar novos clientes. Em 2022, quase 7 milhões de estudantes se matricularam em universidades particulares. Segundo a empresa especialista em pesquisa de mercado Educa Insights, a tendência é que em 2023 o número suba cerca de 4%. Em um mercado com ampla oferta e uma demanda formada por uma geração cada vez mais conectada e disruptiva, buscar um diferencial virou item de sobrevivência básica.

Em busca de transformação

Os brindes, ainda mais os conectados com a realidade dos jovens, são, sim, um atrativo inegável. Mas, mais do que isso, para os integrantes da geração Z, gerar impacto positivo na sociedade é um fator decisivo na hora de realizar escolhas, inclusive comerciais.

De acordo com uma pesquisa da consultoria Millennial Branding, 76% das pessoas nessa faixa etária gostariam de contribuir ativamente em alguma organização não governamental e se preocupam com a mudança climática.

Um exemplo disso pode ser percebido em um estudo da agência de comunicação Edelman. Segundo o levantamento, os consumidores jovens são capazes de alterar seu padrão de compras dependendo de como uma marca se posiciona a partir de determinados assuntos – entre eles, justiça racial, relação com empregados, mudanças climáticas e desigualdade econômica.

O mesmo acontece na hora de escolher onde realizar um curso superior – e algumas instituições de ensino, como a Fundação de Comércio Álvares Penteado (Fecap), em São Paulo, perceberam isso. “Um posicionamento influencia muito, assim como a inclusão em determinados grupos. Por isso, organizamos diferentes coletivos. Tem o de mulheres, o de LGBTQIA+… Sabemos que realizar uma escolha profissional é difícil e ser acolhido faz a diferença”, avalia a analista de marketing da Fecap Juliana dos Santos Dias, que atua na captação de alunos.

Uma das estudantes que escolheu a Unisinos – mas não por causa do festival de música – foi Maria Elisa Vilande, de 20 anos. Embora tenha achado bacana a iniciativa do passaporte, ela já estava motivada a estudar na instituição por motivos mais nobres: a escolha de um curso que lhe proporcionasse trabalhar com acessibilidade textual.

Quando ainda estava no ensino médio, no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, participou de um projeto de pesquisa sobre o tema. “Isso fez com que eu me apaixonasse pela área e quisesse trabalhar com isso futuramente. Foi assim que optei por cursar Letras, com ênfase em Língua Inglesa”, explica.

A pandemia acelerou o uso de tecnologias no ensino. Com o isolamento social, foi necessário adaptar as metodologias para que as aulas continuassem acontecendo. Preferencialmente, de forma síncrona e virtual. Nesse processo, instituições que já tinham experiências com as chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)levaram vantagem.

Como a geração Z é nativa digital, tem facilidade com tecnologias. Elas são parte importante da realidade dessa parcela da população, estando presentes em seu cotidiano praticamente desde que nasceram. Se, para Paulo Freire, aproximar o ensino da realidade dos estudantes é uma maneira de aprimorá-lo, é natural que essa transição para um mundo cada vez mais conectado seja realizada pelas IES.


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Quem são os calouros de hoje?

COMO SÃO OS JOVENS INGRESSANTES NO ENSINO SUPERIOR HOJE?

  • Nativos digitais: são pessoas que tiveram acesso à internet e às tecnologias desde cedo. Por isso, têm uma maneira diferente de consumir informações;
  • Preocupação com a saúde: principalmente no pós-pandemia, esses jovens privilegiam a saúde física e mental, o bem-estar, a socialização e o equilíbrio entre trabalho e não trabalho;
  • Estruturas de trabalho mais enxutas: essa geração conheceu um modelo de trabalho em que são necessários menos degraus para progredir na carreira. À primeira impressão, pode parecer que são apressados e não têm paciência para entender e esperar o tempo de desenvolvimento. No entanto, eles apenas enxergam o tempo de uma perspectiva diferente baseada numa estrutura de trabalho diferente da que pessoas mais velhas que eles conheceram;
  • Causas sociais: eles têm questionado ideias extremamente difundidas e conceitos normalizados no passado e obrigado quem já está no mercado a pelo menos olhar para algumas;
  • Contato com o mundo: com a globalização, questões locais passaram a ser compartilhadas com pessoas do mundo inteiro. Com isso, os jovens passaram a ter mais contato com diferentes realidades e a refletir sobre isso.

Fonte: professora Manoela Ziebell/PUCRS

Entrando no mundinho da geração Z

Se os estudantes estão imersos no mundo digital, uma boa ideia para engajar esses jovens é focar na realidade virtual. Ela já está, inclusive, sendo utilizada em alguns cursos, como o de Medicina. A Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, por exemplo, usa óculos de realidade virtual que auxiliam seus alunos a conhecerem as estruturas do corpo nas aulas de anatomia e morfologia.

“Dado o dinamismo e a interatividade dos jovens, é possível que eles tenham dificuldade em se interessar ou acompanhar as aulas tradicionais, com trajetórias predefinidas, rígidas e padronizadas. Também, dada a relação deles com o consumo de informações, é possível que demonstrem mais autonomia e responsabilidade para buscar informação, mas menos paciência para informações para as quais não percebem aplicabilidade”, analisa a professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialista em orientação de carreiras Manoela Ziebell.

No caso da Unisinos, a distribuição de ingressos para o Planeta Atlântida foi uma maneira de se aproximar dos jovens a partir de seus interesses: “Nós procuramos fazer parte da vida deles para além dos ambientes acadêmicos, além de nos importarmos com a presença da universidade em eventos culturais”, justifica a gerente de marketing da IES, Débora Borges.


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Quem paga a conta

Apesar de serem bem decididos, os jovens que estão ingressando no ensino superior são, muitas vezes, sustentados pelos pais. Ou, ao menos, contam com o auxílio deles no pagamento das mensalidades. Conquistá-los também é importante, pois pode influenciar na escolha por uma ou outra instituição.

No caso da Fecap, é realizada uma reunião com os pais antes mesmo de a matrícula ser efetuada. “Isso funciona muito. Nós mostramos a eles o ambiente onde os filhos estarão inseridos, porque essa é uma preocupação muito grande, ainda mais quando existem valores envolvidos”, lembra Juliana.

É importante levar em consideração, também, que, de acordo com a pesquisa “O que os alunos realmente pensam sobre o ensino superior”, realizada pelo Instituto Semesp e pela Workalove, menos de 30% dos jovens pretendem pagar integralmente as mensalidades.

Afinal, o que conta mais?

É difícil ter certeza de que uma ação será determinante para a escolha por uma ou outra instituição de ensino. Principalmente, levando em consideração a diversidade de públicos que compõem uma instituição de ensino superior. A geração Z, assim como as demais, é plural. Apesar das tendências apresentadas – e que podem funcionar –, é necessário estudar o perfil dos alunos da IES e, principalmente, escutá-los.

“As experiências que as pessoas vivem dependem muito do que elas podem acessar e onde se inserem. Pessoas mais marginalizadas ou menos conectadas vão ter experiências muito diferentes de pessoas brancas, de classe média em grandes centros urbanos, por exemplo”, comenta a especialista em orientação de carreiras Manoela Ziebell.


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*Colaborou Renata Cardoso

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