Metodologias de Ensino

O ChatGPT fará com que os alunos desaprendam a escrever?

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Desde que foi lançado para o público, em novembro de 2022, o ChatGPT tem despertado muitas discussões, especialmente entre quem trabalha com educação e escrita.

Isso tem ocorrido porque a ferramenta é uma inteligência artificial (IA) que gera textos que simulam a linguagem humana, funcionando em formato de chat, para a qual o usuário faz perguntas e obtém respostas.

Alimentado com uma quantidade enorme de informações, o ChatGPT pode fornecer explicações para quase todas as perguntas, mas suas funcionalidades vão para muito além disso. Através dessa inteligência artificial, ainda é possível gerar textos específicos, como artigos, resenhas de livros, poemas, trechos de histórias de ficção e até redações para o Enem.

Em janeiro deste ano, por exemplo, o G1 pediu que o ChatGPT escrevesse uma redação usando o tema da edição de 2022 do Enem — “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.

Depois de pronto, o material produzido pela IA foi submetido à correção de dois professores especializados, e o resultado foi que o ChatGPT tiraria 680 pontos, uma nota mediana na redação.

Diante dessas novas possibilidades, educadores e pesquisadores têm refletido sobre o impacto de tecnologias como o ChatGPT no futuro da educação e da escrita.

Será que o uso do ChatGPT e ferramentas similares de geração de textos pode mudar as atividades de produção textual e dissertativas nas escolas?

E para além disso, será que vamos acabar desaprendendo a escrever por termos uma ferramenta que faz isso por nós?

Qual será o impacto dessa terceirização da escrita no desenvolvimento do aluno e do ser humano?

São essas questões que o portal Desafios da Educação discute hoje.

O papel da escrita para o desenvolvimento humano

A escrita pode ser definida como um sistema de comunicação que utiliza símbolos gráficos para representar ideias e informações.

É com ela que nos comunicamos de forma física, através do papel e de documentos digitais. Foi pela escrita, também, que nos tornamos capazes de registrar e transmitir informações através dos séculos, construindo uma memória coletiva.

Pode a tecnologia causar impactos prejudiciais à educação? Crédito: Shutterstock.

Mas, para além da comunicação e do registro, a escrita também tem um papel essencial no desenvolvimento de uma pessoa. Isso porque é através dela que aprendemos a nos expressar, e essa expressão passa por processos como a organização de ideias, o pensamento crítico, a criatividade e o entendimento de sentimentos e emoções.

Ou seja, o papel da escrita no desenvolvimento humano está em ajudar a entender quem somos, organizar esse entendimento e comunicá-lo para o mundo.

Por isso, atividades relacionadas à escrita, como resenhas de livros e respostas dissertativas em avaliações, são tão comuns desde os primeiros anos escolares. O aluno não está apenas dando a resposta certa, ele está entendendo o que leu, relacionando com outras informações e transmitindo tudo isso através da escrita.

“Crianças e adolescentes mobilizam uma série de competências (através da escrita), como a pesquisa e recuperação de informações, uso básico da linguagem digital, domínio de recursos tecnológicos e organização e planejamento de um texto. No processo de escrita coletiva digital, feita no Google Docs, por exemplo, também são trabalhadas as competências de autoria, comunicação, trabalho em equipe e colaboração e cooperação virtuais”, explica Patrícia Behar, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora associada da Rede Nacional de Ciência para Educação.

Sendo assim, o exercício da escrita tem um papel importante na formação dos estudantes, e o surgimento de tecnologias que intermedeiem esse processo ainda traz muitas dúvidas para os educadores e a sociedade como um todo.


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Como o ChatGPT pode impactar o processo de escrita e a educação

O exercício da escrita na educação é atravessado por uma série de fatores, como a didática do professor, a disponibilidade do aluno e a disciplina ensinada. Se um desses agentes estiver fora de sintonia, o aluno acaba buscando uma terceirização.

Essa terceirização pode acontecer de diversas formas: procurar por outra pessoa para fazer a atividade, copiar do colega e apenas mudar algumas palavras ou, como na situação atual, recorrer à tecnologia.

Nesse sentido, o ChatGPT entraria como uma das alternativas para os estudantes terceirizarem o processo de escrita – seja para responder as perguntas nos exercícios diários de aula ou fazer uma redação.

Contudo, o que ainda não é consenso entre os especialistas da área é o impacto que o uso dessa tecnologia pode trazer para a formação das crianças e jovens. Não é à toa que, movidas por essas incertezas, muitas instituições de ensino chegaram a proibir o uso da ferramenta dentro de seus espaços.

Para o jornalista e escritor Evan Puschak , o ChatGPT vai mudar o processo de escrita, transformando os estudantes mais em editores do que escritores. É o que ele explica em um vídeo-ensaio no YouTube. Assista:

Para o estudioso, ao receber a tarefa de escrever uma redação sobre um tema específico, por exemplo, o aluno, a princípio, não iria seguir as etapas de pesquisar sobre o assunto, organizar seus pensamentos, estruturar um texto e escrever a versão final. Ou seja, o estudante não estaria mais exercitando a escrita, mas, sim, a edição ao recorrer à inteligência artificial.

Nesse cenário, Puschak acredita que estaríamos formando editores, e não escritores, perdendo pelo caminho todas as competências que a escrita ajuda a desenvolver.

A professora Patrícia Behar, contudo, discorda dessa visão. “O estudante pode pegar um texto pronto do ChatGPT, mas ele terá que refletir sobre o conteúdo e reconstruí-lo. Haverá um trabalho sobre o que foi entregue pela ferramenta, ou seja, haverá uma nova produção textual. O aluno passa a ser um reescritor desse conteúdo, unindo os papéis de editor e escritor”, reflete.

Para Behar, o ChatGPT precisa de um cérebro humano por trás para chegar e refinar o texto/resposta final. Sendo assim, segundo a pesquisadora, por meio da IA “o aluno pode desenvolver textos de alta qualidade e que exigem uma capacidade de análise mais aprofundada, além de expressar o seu raciocínio. O processo ainda será realizado por seres humanos e não por uma inteligência artificial”.

Igor Sales, gerente de inovação na +A Educação, maior plataforma de educação do Brasil, também traz outro ponto importante para essa discussão: a possibilidade de a ferramenta passar informações incorretas. “O ChatGPT é um modelo de linguagem preditiva, que ‘sabe falar’ com uma linguagem natural, o que é espantoso. Mas ele costura conceitos para trazer uma resposta que atenda às expectativas do usuário, o que é tão assustador quanto perigoso, pois a chance de ele errar é gigantesca”, alerta.

O ChatGPT é a calculadora das letras?

Por mais que todo esse debate em torno de novas tecnologias e seus impactos pareça atual, é possível encontrar outras discussões similares no universo da educação, como o uso da calculadora.

Assim como ChatGPT, a utilização da calculadora em sala de aula é um tema que ainda divide opiniões. De um lado, existem profissionais da educação argumentando que o aluno precisa resolver os problemas usando lápis e caderno para entender o processo que leva até o resultado. Do outro, estão aqueles que argumentam a favor da calculadora, afirmando que é mais importante compreender o cálculo e resolvê-lo usando as ferramentas disponíveis.

Atualmente, caminhamos para uma direção similar à da calculadora com o ChatGPT. Ao mesmo tempo em que existem instituições banindo o uso dessa inteligência artificial, há aquelas que já estão incorporando a ferramenta ao dia a dia dos estudantes.

No Brasil, por exemplo, já existem escolas e universidades utilizando o ChatGPT dentro de sala de aula. E é possível que até os professores se beneficiem do uso dessa ferramenta, incorporando-a nos planos de aulas.

Além disso, diversos profissionais da educação e estudantes já estão encontrando outras formas de utilizar a IA para além do temido “copia e cola”, como para estudar uma disciplina específica, criar cronogramas de estudo, treinar redação e explorar assuntos adjacentes para uma matéria foco.

Para aqueles que vão na direção de conciliação com o ChatGPT, o principal ponto está em ensinar a utilizar a ferramenta da maneira mais eficiente, ajudando o aluno a desenvolver todas as competências relacionadas ao processo de escrita com auxílio da tecnologia.

“Também é possível combinar o ChatGPT com outros mecanismos de IA que ajudem a identificar os pares complementares e sinérgicos dentro da turma. A ideia é desdobrar isso para propor atividades que permitam os colegas impulsionarem uns aos outros e, assim, quebrar aquela competição comum, de quem é o melhor ou pior aluno”, sugere Igor Sales.

Contudo, é preciso cautela e atenção ao integrar essa ferramenta no dia a dia de sala de aula. “Como em qualquer tecnologia que foi incluída na vida em geral, e na escola, especificamente, é preciso ter seus cuidados. Os professores vão ter que encontrar estratégias de como utilizar de uma forma positiva esta ferramenta nova, dentro de uma estratégia pedagógica que faça os estudantes refletirem e tomarem consciência”, pondera a professora Patrícia Behar.

E a tendência é de que não apenas o ChatGPT, mas outros modelos de inteligência artificial, passem por um processo de massificação na educação e em outras áreas, no Brasil e no mundo.

Nas instituições de ensino, será cada vez mais comum a presença da IA no treinamento dos professores, na geração de atividades e de provas, no aperfeiçoamento de conteúdo, na personificação da experiência de aprendizagem, nos sistemas de gestão e na montagem das grades curriculares, citando apenas alguns exemplos.

Para Igor Sales, em pouco tempo não poderemos mais falar em computação ou digitalização sem pensar em algum modelo de inteligência artificial por trás. “Hoje o ChatGPT funciona em um modelo isolado, mas ele poderia ser agregado a outros, como os de reconhecimento de voz ou de geração de imagens. Aí, sim, haveria uma construção de soluções. É preciso parar de falar em inteligência artificial e focar em resolver problemas, entendendo o potencial dos recursos que temos em mãos”, avalia.


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