SÃO PAULO (SP) — Os educadores brasileiros reconhecem os desafios que os cercam. Ter uma instituição de ensino em sintonia com o que há de mais novo no campo tecnológico é indispensável. Ainda mais diante de um novo comportamento dos estudantes e da valorização das competências pelo mercado de trabalho. O setor está em constante transformação, exigindo reflexão e debate.
Imbuídos dessas ideias, mais de 700 mantenedores, gestores e especialistas participaram na semana passada, em São Paulo (SP), do 20º Fórum Nacional do Ensino Superior (Fnesp). O encontro, considerado o maior do setor privado na América Latina, voltou-se justamente aos novos paradigmas da educação.
Ao longo de dois dias, o público foi brindado com sete palestras – acompanhadas pelo portal Desafios da Educação (confira a cobertura no Instagram). Entre os conferencistas, destaque para a cientista política Tábata Amaral, o diretor de estudos de ciência e tecnologia do Fórum Econômico Mundial, Thomas Philbeck, e a vice-reitora da Arizona State University, Stefanie Lindquist.
Como nas edições anteriores, o Fnesp foi além das conferências. “Temos as palestras para melhorar o debate, mas também é fundamental o networking, ver o que outro está fazendo, saber das dificuldades, as tendências. Isso é essencial em um evento dessa magnitude”, afirmou Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que organiza o evento.
A seguir, o portal Desafios da Educação reproduz os insights de cada palestrante.
José Pastore, pesquisador e sociólogo da Universidade de São Paulo (USP)
Ensinar o aluno a pensar: eis um movimento substancial para que a sociedade acompanhe o avanço das tecnologias e faça os ajustes necessários para o trabalho do futuro. “O processo de inovação é irreversível, mas os seres humanos são capazes de se ajustar às transformações, ainda que o processo seja lento, difícil, caro e penoso”, disse José Pastore. O pesquisador destacou que as novas tecnologias obrigam os recém-formados a buscarem conhecimento pela própria curiosidade – mas eles também devem contar com o suporte de empresas.
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Thomas Philbeck, diretor no Fórum Econômico Mundial
Especialista em ciência e tecnologia, Thomas Philbeck falou do impacto da 4ª revolução industrial. Para ele, é preciso uma preocupação especial sobre a maneira com que entendemos as novas tecnologias e nos relacionamos com elas. “A tecnologia é metade de um relacionamento que define o futuro. Somos os condutores desse trem”, comparou. Em seguida, afirmou que as instituições de ensino superior (IES) terão um papel importante frente às transformações. “Elas deixarão de ser unicamente um local de reposição de conhecimento para se tornarem um espaço onde as transformações serão discutidas e vivenciadas. As IES mudarão junto com as tecnologias.” Segundo Philbeck, será preciso reformar disciplinas para áreas de pesquisa emergentes e oportunidades de emprego, focar em governança tecnológica e trabalhar com o governo no desenvolvimento de políticas específicas para o novo mercado de trabalho.
Rodolfo Bertolini, CEO do Centro Universitário Celso Lisboa
O desenho da nova IES foi o tema central da palestra de Rodolfo Bertolini no Fnesp 2018. “Nosso processo envolve um tripé que engloba conteúdo, incentivo e interação”, explicou. Nos últimos anos, a instituição fluminense se reinventou: criou o próprio sistema virtual de aprendizagem, adotou o ensino por competências e, numa medida ousada, transformou todas as salas de aula em laboratório. “As universidades vão ter que mudar a forma como elas lidam com o processo de aprendizagem”, defendeu. E acrescentou: “A principal competência a ser aprendida hoje é a capacidade de adquirir novas competências”.
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Stefanie Lindquist, vice-reitora da Arizona State University
A Arizona State University é, pelo quarto ano consecutivo, a IES mais inovadora dos Estados Unidos. Embora estadual, tem apenas 10% de orçamento oriundo do governo. “Tivemos que diversificar nossas fontes de receita e nos tornarmos empreendedores”, disse Stefanie Lindquist. O pulo do gato, segundo ela, está na aprendizagem baseada em experiência, por meio de estágios e estudos no exterior – e também na construção de currículos em que os alunos aplicam soluções em colaboração com organizações privadas. A tecnologia, afirma, tem papel relevante nisso. “Nossa plataforma online é baseada em aprendizado contínuo e garante que o aluno acesse as informações que eventualmente possa ter perdido ao longo do curso”, disse. O sistema de aprendizagem da IES usa tecnologias como blockchain e inteligência artificial entre suas inovações.
Liz McMillen, editora do The Chronicle of Higher Education
A forma como as IES irão preparar os estudantes para trabalhos que sequer existem hoje costuma ser um dos temas mais preocupantes para o ensino superior. “Será que as instituições estão fazendo o suficiente enfrentar essa nova realidade e entregar alunos preparados para o futuro?”, perguntou a editora Liz McMillen. Ela propôs como soluções o aumento do número de cursos a distância, a configuração de novos tipos de metodologias e certificações acadêmicas, o surgimento de cursos voltados para a população adulta, o fortalecimento de parcerias entre faculdades e empregadores e uma educação cuja base é a competência – e não a carga horária. “Para enfrentar esse cenário de mudanças, a educação precisa ser pensada como um processo contínuo”, disse. McMillen vem dos Estados Unidos, onde a imagem das faculdades está arranhada por conta dos custos elevados, do endividamento dos alunos e do nível de desemprego e subemprego entre estudantes ou recém-formados.
Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp
Durante o evento, o Semesp lançou o Mapa do Ensino Superior. O documento analisa os indicadores nacionais sobre migração de cursos, valores de mensalidades, evolução dos polos EAD e empregabilidade. Isso inclui a previsão de algumas profissões do futuro. Entre elas: agricultor urbano, defensor da ética tecnológico, mentor para desenvolvimento do conhecimento, curador de memória pessoal e conservacionista de identidade nacional. “Parece coisa de ficção-científica, que estamos muito longe disso?”, provocou Rodrigo Capelato. “Não, essas mudanças já estão acontecendo. É uma oportunidade enorme que temos de correr atrás.”
Guilherme Pereira, diretor de inovação corporativa da Faculdade de Tecnologia (Fiap)
A forma como a inteligência artificial vai revolucionar a educação foi o tema central da apresentação de Guilherme Pereira no Fnesp. Segundo ele, a velocidade das mudanças exige que as IES revejam suas metodologias de ensino, sob pena de reproduzir conteúdos obsoletos nos cursos. “É aí que a inteligência artificial surge para auxiliar as IES. Ela será utilizada para criar formas de aprendizado e estabelecer novos modos de pensar nas salas de aula”, disse. Pereira destacou os aplicativos e ferramentas que avaliam a aceitação e o comportamento dos alunos em relação aos conteúdos. “Será possível customizar o conhecimento e definir estratégias de aprendizado em nível individual, aprimorando a eficiência das abordagens didáticas”, afirmou.
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Joanna Bryson, pesquisadora transdisciplinar da Bath University
Joanna Bryson mergulhou na história da inteligência humana para refletir sobre a inteligência artificial. Ela lembrou que a evolução humana foi lenta, demandando tempo, energia, espaço e interesse. Também ressaltou que a tecnologia é um desdobramento da inteligência humana. “A inteligência artificial faz exatamente o que os humanos fazem e está aprendendo o que nós já aprendemos. Ela carrega nossos problemas e soluções e nada mais é do que o conhecimento humano aplicado nas máquinas”, afirmou. “Isso não implica dizer que as máquinas estão obtendo consciência.”
Maurício Garcia, vice-presidente de inovação e ensino da Adtalem Brasil
O conceito de sala de aula como entendemos hoje vai está com os dias contados. E a expansão do EAD, segundo Garcia, é um dos muitos exemplos mais claros desse movimento. Nesse sentido, o VP de inovação e ensino da Adtalem Brasil defendeu que as salas de aula e o ensino precisam incorporar inovações como computação gráfica, programas que corrigem questões dissertativas e sistemas de portabilidade de crédito. “E qual o papel das IES nessa nova era? Elas precisam aprender a produzir, coletar e analisar dados e fragmentar as grades curriculares para construir mapas de tags a partir de aulas, disciplinas, avaliações, conteúdos, comportamento dos alunos”, listou. Para Garcia, embora se discuta que o mundo está mudando, essa transformação, na prática, já aconteceu: basta observar o impacto dos smartphones e da Internet das Coisas no cotidiano.
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Pedro Dória, jornalista e escritor
“Conheço professor que dá a mesma aula há 15 anos, da mesma maneira”, criticou Pedro Dória na palestra onde a comunicação digital e a geração millennials esteve em pauta. “Não estamos mais na linha de montagem, em que tudo funcionava assim.” O jornalista lembrou que as inovações sempre provocam transformações radicais na sociedade. E que, por isso, a educação precisa parar de reproduzir os modelos ultrapassados. Dória compartilhou a experiência de estudar em Stanford, EUA, por meio de uma bolsa da John S. Knight Journalism Fellowships. “Gostaria que os alunos das instituições brasileiras tivessem a mesma oportunidade.” No programa, segundo ele, o currículo não é engessado como no ensino convencional brasileiro. Independentemente do fellowship, os estudantes podem escolher as matérias que quiserem.
Sidnei Oliveira, escritor e especialista em Conflitos de Gerações
A mudança de mindset no currículo escolar também foi defendida por Sidnei Oliveira. “As instituições de ensino são conservadoras por natureza, mesmo com mudanças. Precisamos rever os modelos. O mundo está em constante evolução, com ou sem a nossa interação”, disse. Para ele, os professores devem ensinar o aluno a aprender, tendo a matéria como pretexto do encontro. O escritor ainda acredita que a profissão do futuro é a de freelancer, com pequenas certificações, mas sem padronização.
Monica Iozzi, apresentadora e atriz
Em um evento voltado ao ensino superior, Monica Iozzi reafirmou a importância da boa educação de base. Para ela, que é formada em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as escolas de ensino médio têm papel preponderante na decisão dos estudantes sobre a graduação superior. Iozzi encerrou sua fala apresentando a cientista política Tábata Amaral. Com apenas 22 anos, a moradora da periferia de São Paulo se formou na Universidade de Harvard. “É injusto falar sobre educação pensando nos nossos jovens apenas seguindo a lógica da meritocracia. Quantas Tábatas estão perdidas por aí?”.
Tábata Amaral, cientista política
“Não tem como olhar para o futuro sem olhar para a educação básica.” Essa foi a principal lição compartilhada pela cientista política Tábata Amaral. Em seu discurso, ela pediu união das IES para transformar a educação brasileira – para se ter ideia, nem metade da população brasileira completa o ensino médio. A cientista política destacou a educação como forma de engajamento social para diminuir a desigualdade. “Os empregos que estão desaparecendo são aqueles que exigem menor qualificação, e isso pode aumentar ainda mais as desigualdades sociais”, disse. Para ela, a preocupação com a educação precisa sair do campo do discurso – e ser pensada a partir da prática.
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