Gestão educacional

A interiorização dos cursos de Medicina

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No dia 20 de março, o governo federal anunciou a volta do Programa Mais Médicos. Em um discurso emocionado, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que a iniciativa vinha para “responder ao desafio da presença de médicos nos municípios mais distantes dos grandes centros e nas periferias das cidades”.

A desigualdade na distribuição dos 562 mil profissionais inscritos nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) é um dos problemas da saúde no Brasil. De acordo com a pesquisa Demografia Médica 2023, as capitais, somadas, apresentam uma taxa de 6,13 médicos para cada mil habitantes, enquanto as regiões metropolitanas contam com 1,14 e as cidades do interior, 1,84.

Nesse contexto, a missão de governos, órgãos educacionais e de saúde é encontrar as melhores soluções para reduzir esse desequilíbrio.

Um fenômeno recente

O estímulo à interiorização de cursos de Medicina por parte do governo federal é um fenômeno que se intensificou apenas nos anos 2000. Medidas como o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e a primeira edição do Mais Médicos, em 2013, são alguns exemplos de inciativas que tinham, entre outros objetivos, a proposta de ampliar a oferta de cursos longe dos grandes centros.

Esses esforços resultaram na descentralização do ensino médico. Ainda de acordo com a Demografia Médica 2023, em 2022 a maioria das vagas de graduação em Medicina estava localizada em cidades no interior. São quase 53%, enquanto as capitais contam com 36%, e as regiões metropolitanas, com 10%.

Já quando o recorte é o porte populacional, as cidades com menos de 100 mil habitantes registraram um aumento significativo de vagas nas últimas décadas. Em 2002, esses municípios registravam apenas 5% do total, e agora são 14%.

Entretanto, esse movimento de interiorização dos cursos de Medicina não resultou em uma melhor distribuição dos profissionais. Isso ocorre por conta da migração interna de médicos, que se formam em cidades pequenas, mas preferem se estabelecer em grandes centros.


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Outro tópico que gera discussão é a qualidade das graduações e o papel da iniciativa privada nesse processo. Nesse sentido, Representantes de grupos educacionais afirmam que a abertura de novos cursos não piora a qualidade do ensino e atrai um grande desenvolvimento para as cidades que sediam essas graduações.

“Eu vejo a transformação que esses cursos causam nas regiões onde são instalados, atraindo muito desenvolvimento, não somente nas áreas de saúde e educação, mas para a economia das cidades que sediam estes projetos.  A estrutura necessária para implantar um curso de Medicina e a presença dos alunos e seus preceptores na rede de saúde por si só já melhoram a capacidade de assistência local”, disse o diretor executivo de Medicina do Instituto de Educação Médica da YDUQS, o médico neurologista Silvio Pessanha Neto, em entrevista ao Desafios da Educação.

Cursos suspensos

Em 2018, o então presidente Michel Temer assinou uma portaria que proibia a criação de novos cursos de Medicina no País (mesmo assim, alguns grupos conseguiram autorização nos anos seguintes, como no caso da YDUQS). A decisão visava controlar a qualidade da formação de profissionais da saúde após um crescimento exponencial no número de instituições privadas que ofereciam a graduação.

A portaria deixou de valer na quarta-feira passada, 5 de abril. No dia seguinte, o governo publicou a portaria 650, estabelecendo o prazo de 120 dias para que o Ministério da Educação defina como serão os chamamentos públicos para abertura de novos cursos e aumento de vagas em Medicina.

Segundo o documento, os chamamentos seguirão dois caminhos: um centrado na relevância e necessidade social e outro ligado à estrutura de serviços conexos à saúde e à formação médica.

De acordo com o ministro da Educação, Camilo Santana, a proibição vigente desde 2018 não teve o efeito esperado. Isso porque o número de vagas continuou aumentando por conta de uma enxurrada de decisões judiciais.

Apenas 10% das vagas criadas para cursos de Medicina na última década foram em instituições públicas. Consequentemente, o ensino médico público atingiu seu menor patamar histórico em 2022, contando com menos de um quarto das vagas.

“Nós vamos voltar a ter editais para a criação de vagas focadas no Programa Mais Médicos para garantir que os novos cursos estejam mais próximos de onde há uma necessidade de médicos”, relatou Santana em entrevista ao programa Bom Dia Ceará, da TV Verdes Mares.

Mais Médicos

Reunião de profissionais sobre o programa Mais Médicos. Crédito: Agência Brasil.

Até o momento, existem 225 processos pedindo a abertura de novos cursos de Medicina no MEC, o que poderia gerar um aumento de 20 mil vagas.

Apesar dos avanços nas últimas décadas, a democratização do acesso a saúde ainda é algo a ser alcançado. Por isso, a interiorização dos cursos para formação novos médicos – assim como encontrar maneiras de manter os profissionais nas cidades pequenas – deve ser um tema constante nos debates sobre educação e saúde nos próximos anos.


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