Como executar o ensino híbrido – do planejamento à prática – foi o tema do último webinar promovido pelo portal Desafios da Educação. A condução do encontro foi de Fernando de Mello Trevisani, professor de matemática do Colégio Sidarta e coordenador do Grupo de Experimentações em Ensino Híbrido, organizado pelo Instituto Península e a Fundação Lemann.
“Discutir os modelos, falar sobre práticas e sobre como dar o primeiro para a execução de aulas nesses modelos é fundamental para caminharmos em direção a um cenário de mudança na educação brasileira – o que é fundamental, urgente e necessário”, diz Trevisani.
Além de falar a educadores de todo o Brasil pelo webinar, o professor conversou com o Desafios da Educação sobre planejamento e prática de ensino híbrido. Ele segue à disposição dos leitores para auxiliar e esclarecer dúvidas através do e-mail: fernando-mt@hotmail.com.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
O que é ensino híbrido? O ensino híbrido pode ser considerado um programa de educação formal no qual o aluno aprende por meio do ensino online – com algum elemento de controle sobre o tempo, lugar, ritmo e (ou) modo de estudo – e por meio do ensino presencial, na escola.
E como executar o ensino híbrido? Quais são os modelos? O ensino híbrido é dividido em dois tipos: sustentados e disruptivos.
Os modelos sustentados conservam algumas características da instituição escolar como a conhecemos e, no geral, o ensino online e o presencial são feitos em sua maioria na escola, presencialmente. Ou seja, em uma mesma aula o aluno tem um momento de aprendizagem presencial e em outro pode aprender com o uso de uma tecnologia digital que preferencialmente coleta seus dados para o professor utilizar na personalização do ensino ao final do processo.
Porém, ao considerarmos os modelos disruptivos de ensino híbrido, essa ampliação aumenta o leque de possibilidades de trabalho para as instituições. Alguns modelos os estudos online ganham força, como:
- à la carte (estudante é responsável pela organização de seus estudos em parceria com um professor, personalizando a aprendizagem; pelo menos um dos cursos é feito inteiramente online, porém com um acompanhamento feito com um professor; a parte online pode ocorrer na escola, em casa ou em outros locais);
- e virtual enriquecido (estudantes se apresentam presencialmente na escola apenas uma vez por semana, a aprendizagem online ganha destaque nesse sentido).
É importante e fundamental que, independente do modelo escolhido, a proposta seja consistente com o objetivo formativo que se pretende atingir.
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O ensino híbrido ainda não é reconhecido como norma no Brasil – o que existe é combinação de ensino presencial e a distância. Você acha que isso impede o avanço do modelo no país? Acredito que não. O que chamo de ensino híbrido, a mistura entre um ensino presencial que usa tecnologias educacionais para ser potencializado, engloba vários modelos de aula. Em alguns deles o ensino presencial e o ensino a distância se combinam, podendo proporcionar uma educação mais interessante e personalizada, trazendo recursos e possibilidades diferentes do ensino presencial e sem o uso das tecnologias digitais.
O principal disso tudo é pensar nessas possibilidades do ponto de vista formativo, em como proporcionar uma formação sólida, consistente, que faça sentido para quem estudará por esses modelos. Não é ofertar possibilidades somente do ponto de vista econômico, por exemplo.
Em um quadro geral, não temos uma cultura forte de educação a distância, apesar de isso estar crescendo no Brasil. Portanto, formar os estudantes para se beneficiarem e construírem uma postura de sucesso em um curso desse tipo é fundamental, caso contrário, dependendo do acompanhamento realizado, a formação pode ficar deficitária, assim como também pode ocorrer no ensino presencial.
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Como ofertar cursos nesses modelos? O segredo é composto por formação de professores, que devem saber acompanhar, interagir e se beneficiar de dados gerados pelo uso das tecnologias digitais para analisarem a aprendizagem dos alunos.
Também inclui a formação dos estudantes, que devem adquirir e construir uma outra postura frente ao aprendizado, se responsabilizando pelos momentos em que deverão ser mais autônomos na construção do conhecimento.
Além desse dois pontos é preciso uma grade formativa que faça sentido, construída a partir de um outro olhar formativo, que contemplará novas formas de se ensinar e se aprender.
Existe um modelo ideal para executar o ensino híbrido? Não considero que exista um modelo ideal. Acho que o ensino híbrido deve ser pensado pela estrutura do curso que será oferecido, pela equipe de professores e gestores que irá se responsabilizar pela qualidade do curso proposto e pelo objetivo da formação.
De certa forma, isso foi considerado na portaria de 2018 que ampliou para 40% a carga horária a distância de cursos presenciais de ensino superior, pois ela não foi considerada para cursos da área da Saúde nem Engenharias, que precisam atender a outros critérios de qualidade nos indicadores do MEC (Ministério da Educação).
Isso faz sentido, pois acredito ser incoerente formar profissionais da área da Saúde, por exemplo, totalmente a distância.
Porém, algumas universidades que formam profissionais nessa área no Brasil adotam alguns modelos diferentes na formação de seus estudantes, o que torna possível, viável e até pode enriquecer a formação ofertada.
Sei que a prática e a realidade estão de certa forma longe desse ideal, mas ao meu ver é fundamental pensar primeiro no objetivo do curso como um tudo, para quem ele será oferecido, qual será a formação que se pretende dar ao cursista, o que é esperado desenvolver em quem cursá-lo, dentre outras coisas, para depois decidir sobre a porcentagem EAD do curso.
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O que é preciso considerar na hora de planejar currículos e grades com base no ensino híbrido? É necessário considerar alguns pontos, como a formação dos professores, os espaços de aprendizagens que serão criados (tanto os presenciais quanto os espaços virtuais à EAD) e as formas de construção, produção e transmissão (no sentido remoto) dos conhecimentos curriculares.
A ideia é investir em formação de pessoas e de equipes, além da garantia de uma infraestrutura adequada às novas relações de aprendizagem. Por isso, os modelos sustentados são os mais indicados para começar a mudança, já que não causarão grandes impactos na transição. Instituições que possuem condições melhores podem ousar em experimentar modelos disruptivos.
Quais os cuidados que os gestores, professores e tutores devem ter na prática, ao executar o ensino híbrido? É imprescindível refletir constantemente sobre as práticas ofertadas na instituição, olhando para o seu projeto pedagógico, para a equipe, as possibilidades e necessidades de formação pedagógica para os professores, a infraestrutura disponível na instituição e para os alunos.
Para estes, a instituição deve pensar em como orientá-los a assumir uma postura ativa, responsável, de comprometimento com a própria construção dos conceitos, tanto nos momentos de estudo individuais quanto nos momentos coletivos (virtuais ou presenciais).
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Não é suficiente ofertar cursos nesses modelos sem acompanhar o estudante, sem considerar uma orientação para a construção de uma postura adequada e desejada para o melhor aproveitamento do curso oferecido.
Do ponto de vista dos professores e tutores, o planejamento com relação às experiências educacionais que são oferecidas aos alunos é, na minha opinião, o principal ponto.
Por quê? Porque a motivação dos estudantes em um curso com essas características e as possibilidades de maximização do aprendizado proporcionadas pela personalização do ensino devem ser observadas e consideradas pelos professores no momento do planejamento, assim como a possibilidade de os alunos terem controle sobre o ritmo, o modo, o tempo e o local onde irão aprender, principalmente com o uso das tecnologias digitais.
O professor deve resgatar sua autoria na elaboração de aulas que mostrem para os alunos que existem diferentes formas e meios de construir conhecimento. As tecnologias digitais poderão ser utilizadas para estimular e facilitar o processo de aprendizagem, mas cabe aos professores ensinarem os alunos como utilizá-las de forma crítica e produtiva.
Os gestores devem acompanhar todo esse processo, realizando avaliações e intervenções junto aos professores e alunos para construir uma cultura positiva de ensino e de aprendizagem nesse processo.
Quando a inovação passa a ser um projeto da instituição de ensino, os alunos, professores e gestores devem ser parceiros nesse processo. A equipe de gestão deve identificar as principais ações que promoverão mudanças significativas no ensino e na escola.
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