O processo de ensino e aprendizagem está sempre em movimento. As mudanças advindas da pandemia evidenciaram a importância da inovação em diversas áreas, e no ensino superior não foi diferente.
Vale lembrar que inovação não tem necessariamente a ver com tecnologia, embora ela seja uma importante propulsora das transformações. Hoje, além de formar profissionais para lidar com as ferramentas e sistemas tecnológicos que serão exigidos pelo mercado de trabalho, as instituições de ensino superior (IES) precisam entender como formar cidadãos que de fato atendam às demandas da sociedade atual e do futuro. E, para promover uma formação o mais completa possível, os currículos dos cursos são peças fundamentais.
Quais as novidades nos currículos?
As grades curriculares são formadas por disciplinas obrigatórias e eletivas ou optativas. Também contam com estágios obrigatórios e atividades complementares. Sua formulação é realizada pela IES, que tem autonomia para alterá-la, sendo necessário passar pela aprovação do seu colegiado.
Dentre os requisitos exigidos pelo Ministério da Educação (MEC) está o de que sejam seguidas as orientações das diretrizes curriculares (determinações sobre componentes básicos para que todos os cursos mantenham a qualidade, independentemente da IES que os oferece).
É preciso ter em mente que as grades curriculares de uma instituição superior de ensino não são estáticas. Elas se transmutam conforme a necessidade. Isso pode ser visto na própria legislação, como as Diretrizes Curriculares Nacionais. A partir de 2019, o texto da norma foi alterado para alguns cursos de graduação – como Direito, que ampliou a oferta de disciplinas na área de tecnologia, e Medicina, que aumentou o enfoque em cuidados paliativos.
O foco agora se divide entre a transmissão de conhecimentos atrelados à área de formação e a promoção de valores e habilidades socioemocionais, como resiliência, criatividade e pensamento crítico. Saber compor currículos com esses fatores, de forma harmônica, é essencial para atrair alunos e gerar profissionais capacitados.
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O currículo tradicional
O chamado currículo tradicional é, basicamente, a enumeração de conteúdos e tópicos a serem trabalhados durante os semestres do curso.
Esse sistema educacional data do início do século XX, quando os debates relacionados a currículos escolares ganharam força, sobretudo com o educador e escritor norte-americano John Franklin Bobbitt. Desde então, o método se tornou um padrão nas IES.
Para ele, o currículo precisava ter como foco a preparação dos estudantes para os papéis que ocupariam futuramente na sociedade industrial. Não deveriam ser ensinadas coisas que não fossem utilizadas na prática profissional.
Na sua teoria, a organização curricular é feita por cinco passos:
- Análise das experiências humanas;
- Análise dos trabalhos;
- Mapeamento de objetivos;
- Seleção de objetivos;
- Planejamento detalhado.
A elaboração do currículo tradicional é centrada na figura do professor. As aulas expositivas estão intrinsecamente atreladas a esse formato, pois o formato pressupõe que o docente é o único detentor e transmissor de conhecimento. Nessa perspectiva, os estudantes são meros observadores.
Dessa forma, as disciplinas são ensinadas separadamente – sem qualquer integração entre elas. As que são consideradas mais importantes têm uma carga horária maior em detrimento das demais. Por exemplo, em um curso de Medicina, é comum encontrar disciplinas como Anatomia e Fisiologia com carga horária maior que outras cadeiras mais teóricas, como Ética.
Currículo por competências
O método de separar o currículo por competências é uma escolha bastante comum em instituições internacionais de prestígio, como a Universidade de Harvard e a Universidade do Porto. No Brasil, ele está presente em algumas instituições regionais, como a Unijuí, no Rio Grande do Sul, e em grandes grupos, como a Ânima Educação.
Em artigo publicado no site da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a professora Marise Nogueira Ramos, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), entende competências como o “conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam o sujeito para a discussão, a consulta, a decisão de tudo o que concerne a um ofício, supondo conhecimentos teóricos fundamentados, acompanhados das qualidades e da capacidade que permitem executar as decisões sugeridas”.
Conhecidas no mercado de trabalho como soft skills, essas habilidades estão sendo cada vez mais valorizadas na hora de realizar uma contratação. E é justamente essa união entre competências pessoais e profissionais o objetivo desse modelo curricular.
O currículo por competências é estruturado por unidades focadas no desenvolvimento de competências intelectuais e atitudinais. Esses conceitos são integrados às próprias disciplinas.
“Em vez de partir de um corpo de conteúdos disciplinares existentes, com base no qual se efetuam escolhas para cobrir os conhecimentos considerados mais importantes, a elaboração do ‘currículo por competências’ parte da análise de situações concretas e da definição de competências requeridas por essas situações, recorrendo às disciplinas somente na medida das necessidades exigidas pelo desenvolvimento dessas competências”, explica Marise.
A ideia é que não exista uma “hierarquização” de disciplinas, considerando algumas mais ou menos importantes, mas a compreensão de que todas devem auxiliar na união entre teoria e prática profissional. Por isso, uma das vantagens desse tipo de currículo está justamente no auxílio inter e transdisciplinar.
Currículo por projetos
A proposta do currículo por projetos é trazer as atividades práticas com mais ênfase para a formação dos estudantes. Com isso, as disciplinas passam a ser menos conteudistas para oferecer uma formação mais “mão na massa”.
Essa organização de currículo conta com uma formulação baseada nas ideias de teóricos progressistas como os norte-americanos John Dewey e William Kilpatrick. Professor e aluno, respectivamente, eles defendiam uma educação democrática e a organização das atividades curriculares na sala de aula em volta de um tema central ou objetivo pedagógico, de maneira a integrar diferentes disciplinas.
Trata-se de uma mudança profunda no currículo dos cursos de graduação. Sendo assim, é necessário investir em capacitação do corpo docente, recursos tecnológicos, aspectos metodológicos, entre outras adaptações.
Um estudo realizado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) considera que “liberar as disciplinas e organizar o processo ensino-aprendizagem em torno dos projetos é o processo de mudança mais difícil na ressignificação curricular, sendo que muitas instituições jamais alcançarão esse nível”.
Para isso, são propostas algumas etapas para a efetiva formulação pedagógica:
- Uso do projeto enquanto metodologia: as aulas na graduação devem ser pensadas com o uso de metodologias ativas, em especial a Aprendizagem Baseada em Projetos;
- Integração de disciplinas: mantendo o uso da metodologia, duas ou mais disciplinas semelhantes se unem em torno de um objetivo em comum;
- Constituição de um componente curricular: é uma mudança simples no currículo em que determinada carga horária é destinada à realização de projetos;
- Determinação de um foco: o currículo passa a priorizar o projeto e os conteúdos são vistos de maneira a beneficiá-los;
- Fim das disciplinas: os conteúdos devem ser trabalhados por eixos, compostos pelos projetos desenvolvidos;
- O currículo é inteiramente reestruturado.
Ao estruturar um currículo por projetos, a IES deve pensar em estratégias pedagógicas que gerem autonomia e poder de escolha aos estudantes.
Outro ponto a ser revisto é o formato das avaliações. O ensino por projetos não combina com as provas tradicionais. É indispensável, portanto, adotar mecanismos de feedback e o uso de rubricas para avaliar o engajamento dos alunos.
Com uma análise qualitativa da experiência de currículo por projetos aplicada no campus litoral da Universidade Federal do Paraná.
Os pesquisadores puderam perceber alguns benefícios dessa metodologia, incluindo:
- Relação entre teoria e prática;
- Múltiplos domínios de espaços, tempos e tecnologias;
- Relação de parceria entre professor e aluno;
- Referenciais epistemológicos que valorizam a construção do conhecimento a partir de problematizações sociais concretas e abertura para a comunidade/sociedade como ambiente de problematização e aprendizagem.
A Aprendizagem Baseada em Projetos tem relação estreita com a curricularização da extensão, estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). A norma busca proporcionar aos estudantes uma maior aproximação com o mercado de trabalho e com as demandas das comunidades ao entrono das IES, ao determinar que pelo menos 10% da carga horária total do curso seja de práticas extensionistas.
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