Ensino Básico

Novo Ensino Médio: impasses e propostas

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Desde 2017, quando foi aprovada a Lei nº 13.415, o ensino médio se tornou um dos principais focos do debate educacional no País. Isso porque a proposta, aprovada no governo de Michel Temer, tem uma série de aspectos considerados controversos.

Além disso, sua implementação foi feita em meio à pandemia e, segundo especialistas, apesar da percepção geral sobre a necessidade de atualizações nessa etapa do ensino, o texto aprovado não contou com amplo debate público. Tampouco levou em consideração as diferenças entre os estados – responsáveis por 84,2% das matrículas do ensino médio.

E.E. Ministro Costa Manso, em São Paulo. Crédito: Rafael Lasci/A2 Fotografia/Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

O que diz a lei

A lei promove diversas alterações na estrutura do ensino médio. Ela altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a lei que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

A nova diretriz estabelece no mínimo 3.000 horas de aulas ao longo dos três anos da etapa, sendo 60% da carga horária comum a todos com as disciplinas regulares. Os outros 40% são formados por disciplinas optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos. Pela lei, toda escola deve ofertar no mínimo duas opções de itinerários aos alunos.

Os principais pontos da medida são:

  • Aumento da carga horária de 2.400 horas para 3.000 horas. No entanto, limitou a parte das disciplinas comuns a 1.800 horas, para que o restante seja complementado com disciplinas eletivas;
  • Restringe a obrigatoriedade do ensino de Artes e Educação Física à educação infantil e ao ensino fundamental;
  • Determina que o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e por itinerários formativos específicos definidos em cada sistema de ensino e com ênfase nas áreas de Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas;
  • autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC;
  • A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a 1.800 horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino;
  • O ensino de Língua Portuguesa e Matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, sendo assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas;
  • Determina que a União, em colaboração com os estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio nos processos de avaliação da educação, considerada a BNCC;
  • Insere entre os profissionais da educação escolar básica aqueles com notório saber nas suas áreas de formação, para atender à formação técnica e profissional.

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Implementação

O calendário de implementação do Novo Ensino Médio, instituído em 2021, previa que até 2024 o modelo deveria estar em funcionamento do 1º ao 3º ano e que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seria adequado ao novo currículo, organizado em um bloco de conhecimentos gerais e em itinerários formativos.

Porém, após anos de pandemia e de falta de coordenação nacional para sua implementação, o projeto chegou a 2023 com muitas discrepâncias entre os estados, além de reclamações, especialmente por parte de alunos e professores.

Um dos problemas é a diversidade de disciplinas ofertadas. Como não houve um direcionamento sobre os itinerários, cada secretaria estadual escolheu como colocar o Novo Ensino Médio em prática. Em alguns casos, cada escola tinha a liberdade de definir quais disciplinas seriam ofertadas.

Segundo um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, existiam mais de 1.500 disciplinas diferentes pelo País – o que levanta questões sobre como garantir uma formação que não acentue as desigualdades já presentes no sistema nacional de ensino.

Diante de tantos desafios, em março o Ministério da Educação (MEC) anunciou a suspensão do calendário de implementação do Novo Ensino Médio. Também foi aberta uma consulta pública – que se encerrou na última sexta-feira (14) e que deve ajudar a guiar os próximos passos da pasta sobre o tema.

Com o fim da consulta pública, um relatório será elaborado pela Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino e funcionará como subsídio para uma proposta de reestruturação e melhorias no ensino médio. Não há um prazo para a apresentação da proposta. Uma vez concluído o relatório, será formado um grupo de trabalho para elaborá-la.

Argumentos a favor da revogação da proposta

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) é a favor da revogação do modelo. Em documento encaminhado ao MEC, a entidade detalha como a continuidade da mudança prejudicará a formação, principalmente dos jovens das escolas públicas.

A liberdade de escolha proposta pelo Novo Ensino Médio é um dos pontos questionados. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, há 2.661 municípios no Brasil com apenas uma escola de ensino médio. Na Paraíba, por exemplo, há 46 instituições com no máximo 10 professores, o que inviabiliza oferecer os itinerários propostos pela reforma.

“É importante lembrar que estamos tratando de um ensino médio, de maneira geral, que já apresenta indicadores graves de distorção idade-série, estado-região, gênero-raça-classe, insuficiente quantitativo de professores para atender às demandas dos itinerários”, pontuaram os pesquisadores no documento.

Em entrevista à Folha, o professor da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, corrobora essa visão. “É uma grande falácia dizer que os alunos estão escolhendo estudar o que os interessa. Eles estão tendo que aceitar o que as escolas conseguem oferecer”.

Um aspecto relevante, abordado pela pesquisadora Lady Dayana Oliveira da Silva em um dos seminários realizados pela ANPEd (cujos resultados embasaram o documento enviado ao MEC) é a desigualdade de oferta entre as redes públicas e privadas. Na Bahia, há escolas privadas que oferecem itinerários no contraturno escolar mediante pagamento. Isso acarretaria, de acordo com os pesquisadores, em mais um diferencial na disputa pelas vagas na educação superior.

No documento, o pesquisador Dante Henrique Moura explica que existem, sim, motivos para propor mudanças na política para o ensino médio, porém, estas devem considerar:

  • Melhoria da estrutura física das escolas (laboratórios, bibliotecas, acesso à internet, parque esportivo, espaços para atividades artístico-culturais etc.);
  • Carreira e remuneração dignas para os trabalhadores da educação (dedicação exclusiva);
  • Incentivo à formação inicial e continuada dos trabalhadores em consonância com a carreira;
  • Necessidade de a escola/professores conhecerem as diferentes juventudes e com elas dialogar;
  • Democratização da gestão das escolas;
  • Garantia da permanência com aprendizagem;
  • Políticas efetivas de assistência estudantil para a garantia de permanência e êxito;
  • Professores para atuar em todas as disciplinas e adequadamente formados.

Argumentos a favor da manutenção da proposta

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) também se manifestou no início de julho. O documento traz o entendimento de que o Novo Ensino Médio é uma construção coletiva, “cuja implementação tem sido liderada pelas redes estaduais de ensino […] com atuação marcante das equipes técnicas das secretarias, em colaboração com as equipes das escolas, especialistas de entidades parceiras públicas e privadas e sindicatos”.

O documento do Consed destaca as formações para os professores e o desenvolvimento dos itinerários formativos disponibilizados para escolha dos estudantes, além dos investimentos financeiros e de tempo das equipes, bem como a contratação de professores e/ou extensão de carga horária.

Diante dos esforços empreendidos, não seria razoável, segundo o Consed, descartar os esforços já realizados. “Além de inviável, essa opção, em nenhum momento, foi considerada pelos gestores estaduais, que são os responsáveis pela etapa de ensino na rede pública”, aponta o relatório.

O Conselho concorda que os desafios encontrados são relevantes, mas assegura que eles são superáveis – e que para isso é necessário contar com o apoio técnico e financeiro do MEC, assim como um robusto monitoramento e coordenação nacional.

A USP também enviou um relatório ao MEC com contribuições para a Política Nacional do Ensino Médio. Professor da Faculdade de Educação, pró-reitor adjunto de Graduação e coordenador do grupo de trabalho para o Novo Ensino Médio da universidade, Marcos Garcia Neira explica em entrevista que a ideia não é derrubar o que já foi feito até o momento, mas sugerir mudanças.

“Observe que a proposta da USP não defende a revogação da Lei nº 13.415, mas sugere uma recomposição dos conhecimentos e dos tempos dedicados à formação básica geral e aos itinerários formativos”, argumenta Neira.

O documento elaborado pelo grupo de trabalho da USP defende que ao menos 2.600 horas sejam dedicadas ao aprofundamento em matérias como Artes, Geografia, História, Física, Química, Sociologia, Língua Portuguesa e Matemática. Outras 600 horas também deveriam ser dedicadas aos itinerários formativos.

Apesar do impasse, há pontos em comum no discurso tanto de quem é contra como de quem é a favor da proposta. A necessidade de diálogo com as comunidades para a definição dos itinerários, uma coordenação organizada pelo MEC e a criação de uma estrutura que possibilite de fato a liberdade de escolha pelos estudantes são alguns deles.


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