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EaD nas universidades públicas: como superar os obstáculos

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Enquanto as instituições de ensino superior (IES) privadas adaptavam as aulas presenciais para o modelo virtual, por causa da pandemia no fim de março de 2020, a maioria das universidades federais tinha suspendido as atividades. Foi assim por meses – até que os gestores das instituições públicas reconheceram que a pandemia seria mais longa do que o desejado.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) alegou que a lenta adaptação ao ensino virtual decorreu principalmente da falta de acesso dos alunos à internet e computadores. Pesquisa da entidade aponta que 70% dos estudantes da rede federal advém de famílias com renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo – boa parte sem equipamentos, conexão e espaços adequados para estudar em casa.

“A complexidade em suprir todas as particularidades do corpo docente e discente é compreensível”, diz a professora Patrícia Behar, coordenadora do Núcleo de Tecnologia Digital aplicada à Educação da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). “Mas a demora para aderir EaD nas universidades públicas foi exagerada.”

Resistência histórica

A verdade é que há anos as universidades públicas resistem à EaD. “Nos últimos anos, criou-se uma ideia de que a educação a distância é de má qualidade. Consequentemente, houve poucas discussões sobre como dar mais robustez à modalidade”, a vice-presidente da Andifes, Joana Angélica Guimarães da Luz, afirmou ao Desafios da Educação.

O presidente da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) acrescenta que, de forma geral, o uso da tecnologia ainda é tabu nas IES públicas – inclusive nas faculdades de educação. “Elas têm olhado para o EaD com o nariz para cima, com esnobismo”, reclama Fredric Litto.

Leia mais: Ronaldo Mota: “Brasil precisa superar a dicotomia entre ensino presencial e EaD”

Para Maria José Costa dos Santos, que é professora do Programa Apoio e Acompanhamento Pedagógico (PAAP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), existe uma visão de que a EaD tem o propósito de substituir o ensino presencial e precarizar a profissão docente – o que contribui para a resistência ao ensino on-line.

“As tecnologias só eram aceitas nas universidades públicas com a finalidade de automatizar os processos administrativos, mas jamais como ferramenta de uso pedagógico. Essa barreira conceitual e procedimental persistiu por décadas”, afirma Santos.

Não é por acaso que a oferta de cursos a distância é tímida no ensino superior público. A iniciativa mais ousada foi a Universidade Aberta do Brasil (UAB). Criada em 2006, a UAB tem o objetivo de ampliar e interiorizar o ensino superior através de cursos EaD desenvolvidos por 118 instituições públicas de ensino.

Segundo Litto, apesar de ter atingido a marca de 100 mil alunos, a UAB ficou longe de alcançar o sucesso esperado. Justamente por causa da resistência das IES públicas. “Nesse caso, o problema é que as universidades públicas não absorveram a educação a distância dentro dos seus currículos e atividades oficiais”, analisa.

Leia mais: O que o futuro reserva para a educação, segundo Frederic Litto, da Abed

Os entraves para a EaD

Maria José Costa dos Santos, da UFC, diz que a adesão ao ensino remoto durante a pandemia aconteceu sem transformações profundas.  “A adesão foi das ferramentas, das técnicas, dos equipamentos. E não das concepções, do conceito de inovação e de inclusão curricular.”

Foi então que as consequências da resistência histórica à EaD vieram à tona. “As universidades demonstraram fragilidades quando tiveram de admitir que não haviam preparado seus professores para o uso de tecnologia digitais como suporte educacional e elemento didático de engajamento dos alunos”, completa a professora Santos.

Ou seja, aqui aparecem dois entraves cruciais para a EaD no ensino superior público:

  1. A falta de capacitação dos professores;
  2. E a inexistência de projetos pedagógicos voltados ao ensino a distância.

“As universidades públicas estão estruturadas, e seus cursos desenhados, para funcionar exclusivamente no presencial”, explica Joana Luz, da Andifes.

Leia mais: Ilka Serra: “Universidades públicas precisarão aderir à EaD”

Soma-se a isso o fato da política de ensino superior dar mais prestígio à pesquisa, diminuindo o foco dado ao ensino. “É mais fácil medir o número de publicações do que a qualidade do aprendizado em sala de aula”, diz o professor Litto, da Abed.

O alcance insuficiente da rede de internet no Brasil, evidentemente, está fora da alçada das universidades. Mas o problema não pode ser ignorado. Um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Paliativamente, durante a pandemia, mais de 150 mil chips foram entregues aos estudantes, conforme o Ministério da Educação (MEC).

Para completar, ainda há a dificuldade de investimento financeiro em tecnologias de suporte ao EaD. Em 2021, as universidades federais sofreram um corte de R$ 1 bilhão. O orçamento aprovado para este ano é 18% menor do que o de 2020 e pode levar a um apagão se não houver liberação de verbas pelo Congresso, segundo reportagem do UOL.

Leia mais: A EaD na UEMA: desafios e processos inovadores para uma educação mediada por tecnologias

Caminhos para as universidades públicas

Autora de livros como “Modelos Pedagógicos em Educação a Distância”, a professora Patrícia Behar, da Ufrgs, destaca ao menos cinco frentes de trabalho para desenvolver nas universidades públicas um programa EaD com qualidade:

  1. Realizar a capacitação contínua de professores, usando diferentes tecnologias e ferramentas de aprendizagem a distância;
  2. Construir estratégias pedagógicas sustentadas para a aprendizagem no EaD;
  3. Investir em tecnologia, suporte e acesso à internet;
  4. Promover a inclusão digital dos alunos;
  5. Dar valor ao aspecto sócio afetivo dos estudantes, acompanhando suas trajetórias e personalizando o ensino.

“Ainda está muito longe do ensino remoto se tornar uma educação a distância organizada, planejada e de qualidade no ensino superior público”, lamenta Behar. Entretanto, ela considera a adesão um caminho sem volta. “Teremos uma era pós-pandemia do hibridismo, em que vamos revezar aulas presenciais e a distância. E a tecnologia será indispensável, não há outra saída.”

Tecnologias educacionais nas instituições públicas

Com a evolução das tecnologias educacionais nos últimos anos, atividades práticas que antes eram feitas de forma presencial em um laboratório agora podem ser simuladas em ambiente virtual de aprendizagem (AVA ou LMS, na sigla em inglês). Isso acontece, por exemplo, através de laboratórios virtuais, que replicam com alto grau de fidelidade práticas realizadas em diversas áreas do conhecimento – como Saúde, Engenharia e Humanidades.

Alguns passos tímidos já estão sendo dados rumo à inovação no ensino superior público. A UFC, por exemplo, tem uma unidade acadêmica dedicada à EAD, com oito cursos e 28 polos em funcionamento. “A educação mediada pelas tecnologias digitais cria condições para a efetiva redução de distâncias e aumento do engajamento de uma geração de alunos que se desenvolve no contexto da educação 4.0”, afirma a professora Santos.

Na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), onde a vice-presidente da Andifes atua como reitora, todas as salas contam com câmeras e equipamentos de transmissão de aulas. Fundada em 2014, a UFSB já trabalhava com o ensino remoto para evitar que alunos de outros municípios tenham que se deslocar diariamente aos campi.

Joana Luz defende a importância da presencialidade. Mas afirma que é preciso pensar em alternativas para flexibilizar e democratizar o acesso à educação, especialmente para trabalhadores de baixa renda. “Muitas resistências foram quebradas, mostrando que é possível utilizar a tecnologia para dar aulas interativas e de qualidade”, completa.

Leia mais: Educação superior: regulação do ensino híbrido pode estar próxima

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