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Como a internet mexeu com a distribuição da pesquisa acadêmica

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A chegada da internet mudou a forma de distribuição e compartilhamento de conteúdo acadêmico.

A chegada da internet mudou a forma de distribuição e compartilhamento de conteúdo acadêmico. Crédito: Léo Ramos Chavez/ Revista Fapesp.

Até por volta dos anos 1960, a produção acadêmica dos cientistas era compartilhada exclusivamente em congressos. Era uma papelada sem fim. Cópias impressas de revistas, artigos e livros circulavam para lá e para cá. E a responsabilidade pela checagem e publicação desses textos sempre esteve nas mãos das editoras.

É assim até hoje. Segundo reportagem da revista Galileu, cerca de 10 mil editoras movimentam US$ 25 bilhões ao ano somente com assinaturas e vendas de periódicos.

Mas a chegada da internet e, na sequência, dos sites especializados, mudou a forma de distribuição e compartilhamento de conteúdo – levantando uma série de questões em torno da pirataria, da atuação das editoras e do modus operandi do universo acadêmico.

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As plataformas piratas

Muitos sites atuam de maneira ilegal, burlando os sistemas de acesso das editoras e passando por cima de direitos autorais. Um dos mais famosos chegou a ser conhecido como “Pirate Bay da ciência”, em referência ao portal que fornecia gratuitamente vídeos, filmes, músicas e outras mídias piratas.

Outro biblioteca digital colaborativa, criada na Rússia, conta com um acervo de milhões de livros científicos e acadêmicos em diversos idiomas. A iniciativa também viola leis de direitos autorais.

A Elsevier, considerada a maior editora científica do mundo, não deixou por menos e processou os dois sites por danos à propriedade intelectual. Em 2016, ambos foram condenados a pagar uma indenização de US$ 15 milhões à Elsevier.

No Brasil, o desrespeito aos direitos autorais é punido duplamente pela legislação: no âmbito civil e no âmbito criminal. A multa pode chegar a 3 mil vezes o valor de cada obra reproduzida ou disponibilizada mediante fraude.

O marco civil da internet, de 2014, estabelece que a lei se aplica também aos provedores de serviço na internet. Ou seja, sites que permitirem o compartilhamento de conteúdo, anúncios e links de obras pirateadas estão passíveis de punição.

Sites que permitirem o compartilhamento de conteúdo, anúncios e links de obras pirateadas estão passíveis de punição.

Sites que permitirem o compartilhamento de conteúdo, anúncios e links de obras pirateadas estão passíveis de punição. Crédito: Freepik.

Para o diretor jurídico, administrativo e de relações institucionais da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Morato, o Brasil precisa desenvolver campanhas de conscientização de que a pirataria online é ainda mais prejudicial devido ao potencial de alcance.

Quando buscam conteúdo livremente em um site pirata, as pessoas ainda têm a falsa impressão de que a conduta não é tão errada quanto na pirataria física, como ao comprar um DVD falsificado na rua.

Dalton Morato, diretor da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR).

As plataformas de acesso aberto

Mas a internet não é só pirataria, claro. O Brasil, inclusive, foi pioneiro no desenvolvimento de plataformas de acesso aberto ao conteúdo acadêmico. A SciELO (do inglês, Scientific Electronic Library Online) foi criada em 1997 e já está em 16 países.

A biblioteca digital conta com 290 periódicos nacionais e 1250 internacionais, com mais de 700 mil artigos disponíveis sem custos. No começo do ano, o número de downloads diários chegava a ultrapassar 1,5 milhão, sendo metade proveniente do Brasil.

A SciELO é uma entidade sem fins lucrativos. Os recursos que garantem a sua operação vêm, principalmente, de revistas e agências de fomento – a maior parte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Na Europa, o incentivo ao modelo aberto cresceu recentemente. Doze agências e o principal órgão de fomento de pesquisa da União Europeia querem obrigar os pesquisadores financiados com dinheiro público a publicar seus resultados em revistas de acesso gratuito. A medida deveria começar a valer em 1º de janeiro de 2020, mas foi postergada para 2021.

As entidades europeias por trás da iniciativa somam 20 bilhões de euros anuais em financiamento científico. O objetivo é usar esse poder para pressionar as editoras a mudarem o seu sistema de publicação, considerado caro para pesquisadores e universidades.

A pressão da comunidade acadêmica e de movimentos pelo acesso aberto ao conhecimento tem funcionado, ainda que timidamente. Editoras começaram a liberar parte dos seus artigos, embora eles ainda sejam a minoria na comparação com os pagos.

Já revistas como a Nature e a Science oferecem a opção de os pesquisadores pagarem pelos custos de publicação, o que permite fornecer o conteúdo gratuitamente. Por outro lado, esse movimento acabou criando um mercado de revistas que, por receberem dinheiro, não fazem curadoria de qualidade.

Aqui entra outro ponto destacado por Morato, da ABDR. Para ele, há uma confusão entre a atividade editorial e a gráfica. “O trabalho da editora não é apenas imprimir livros ou revistas. Envolve a sugestão de temas aos autores, a edição de textos e capítulos, revisão do conteúdo, organização e a divulgação da obra, entre outros pontos”, explica.

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As redes sociais dos cientistas

Uma terceira saída encontrada pelos pesquisadores para compartilhar conteúdo são as redes sociais acadêmicas. Em plataformas como o ResearchGate e o Academia.edu, os usuários montam seus perfis com portfólios de trabalhos publicados, divulgam projetos de pesquisa e fazem contato com outros pesquisadores.

O brasileiro Passeidireto opera de maneira parecida, embora seja voltado a todos os níveis de ensino. A plataforma permite a distribuição de livros, provas, exercícios, aulas, resumos e trabalhos.

Como não fazem avaliações do que é publicado, esses sites colocam a responsabilidade sobre o que é compartilhado nos usuários. Após sofrer com processos por infração de direitos autorais, o ResearchGate, por exemplo, criou canais para solicitar a remoção de conteúdo protegido.

Utilizar os termos de uso para culpabilizar o usuário por possíveis infrações, entretanto, não isenta o site. Nesse caso, ele pode ser obrigado a excluir o conteúdo ilegal ou até ser responsabilizado por omissão.

Em alguns casos, essas plataformas também criaram a opção de o usuário obter uma conta premium. As versões pagas oferecem de maneira legal livros protegidos por direitos autorais por meio de parcerias com editoras, além de métricas sobre leituras e citações.

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O que dizem os envolvidos

A principal motivação da neurocientista Alexandra Elbakyan para criar uma plataforma de conteúdo pirata inclui os altos custos para acessar pesquisas. O valor para ler um artigo em revistas como a Nature e a Science gira em torno de US$ 30 (cerca de R$ 165, em agosto de 2020). Também é possível pagar US$ 254 (R$ 1.400) por assinatura anuais.

“O conhecimento científico deveria estar disponível para todo mundo, independentemente de sua renda, classe social ou localização geográfica”, afirma um trecho do manifesto do site pirata.

A mesma razão levou as agências europeias a exigir a publicação em plataformas e revistas abertas. As iniciativas têm como objetivo comum denunciar os preços cobrados pelas editoras científicas para assinatura dos periódicos, considerados “impraticáveis” e capazes de fragilizar o orçamento de pesquisadores e universidades.

Para se ter ideia, a Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) gastou R$ 402 milhões em assinaturas em 2017. Tudo para manter o acesso a mais de 40 mil títulos para alunos de 414 instituições de ensino superior (IES) do Brasil.

Outro problema é que os cientistas não recebem para ter os seus artigos publicados nas revistas. E, de forma contraditória, universidades, agências de fomento e centros de pesquisa que bancam seus trabalhos acabam tendo de pagar para ter acesso às publicações mais relevantes.

Em entrevista à Galileu, o vice-presidente de relações acadêmicas da Elsevier na América Latina, Dante Cid, disse que conteúdos piratas diminuem a confiabilidade e a capacidade de contabilizar citações – índice que mede a relevância dos trabalhos acadêmicos –, o que diminui o incentivo à criação.

Cid lembrou que o material dos principais periódicos está disponível de maneira legal em universidades públicas por meio de subsídios governamentais. Ele destaca, ainda, que as editoras costumam liberar o acesso a países com baixa renda per capita e em momentos de emergência, como durante as epidemias de zika e ebola.

São as revistas e as editoras que fazem o crivo entre o que vale a pena ou não ser publicado. E esse trabalho custa caro, o que justificaria a cobrança de acesso e os preços dos livros didáticos. Uma perda de receitas causadas pela pirataria poderia torná-las insustentáveis financeiramente, prejudicando a qualidade dos artigos científicos.

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“Na era digital, a figura da editora científica é ainda mais importante. Ela inibe a disseminação de informações equivocadas e colabora com a distribuição da pesquisa de qualidade”, afirma Cid em outra entrevista à revista Superinteressante.

Morato, da ABDR, pondera que se a pirataria fosse menor, os custos de acesso também diminuiriam. Afinal, o conteúdo ilegal força as editoras a reduzirem o número de exemplares impressos. Com mais compras de livros e assinaturas legais, também seria maior a possibilidade de baixar os preços.

Ao não pagar direitos autorais, o usuário obtém uma vantagem pessoal de curto prazo. A médio e longo prazo, entretanto, a bibliodiversidade vai ficar menor e quem vai suportar o ônus são estudantes e pesquisadores com menos opções livros disponíveis.

Dalton Morato, diretor da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR).

O movimento Open Access (Acesso Aberto) defende que a retirada das barreiras aos artigos seja feita exclusivamente por vias legais, ao contrário do que promove os sites piratas. É o que explicam dois professores da Universidade de São Paulo em artigo sobre o tema publicado no fim de 2019.

“Se o [site pirata] obtiver sucesso e se revelar permanente, os incentivos aos pesquisadores para abandonar os periódicos comerciais tendem a desaparecer – afinal, os artigos estariam disponíveis livremente por meio do [do site pirata], de qualquer forma – e qualquer pressão para mudar para acesso nascido-aberto diminuiria”, afirmam.

Além da pirataria, o avanço do acesso aberto é dificultado pelo modus operandi da academia. Afinal, a publicação e a citação em determinados periódicos – especialmente, nos comerciais – são mais valorizados pelos pares e agências de fomento, o que aumenta a visibilidade e facilita o acesso ao financiamento das pesquisas.

Abel Packer, um dos criadores e diretor da SciELO, defendeu em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo a existência de uma política de bonificação pelas agências de fomento como um caminho para que os pesquisadores brasileiros publiquem em revistas de acesso aberto.

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