Na abordagem tradicional de ensino, o professor assume a responsabilidade de transmitir o conteúdo de maneira expositiva, enquanto os alunos devem absorver o conhecimento de forma passiva.
No entanto, com o avanço da tecnologia e as mudanças na forma como os indivíduos se relacionam com o conhecimento, torna-se necessário buscar estratégias que abracem as novas necessidades dos estudantes.
Nesse contexto, a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) surge como uma metodologia que se destaca ao proporcionar um ambiente de aprendizado dinâmico e estimulante.
O que é a Aprendizagem Baseada em Problemas?
De acordo com o artigo “Aprendizagem Baseada em Problemas: um método de ensino-aprendizagem e suas práticas educativas”, escrito pelos professores Eli Borochovicius e Jussara Tortella, da PUC- Campinas, um dos principais pilares da ABP é a organização da proposta pedagógica em torno da resolução de problemas, rompendo com a tradicional separação disciplinar.
A abordagem tradicional de ensino fragmenta o conhecimento em disciplinas separadas, o que pode limitar a compreensão dos estudantes. A ABP rompe com essa separação ao reconhecer que os desafios da vida real não estão restritos a uma única área do saber. Uma metodologia multidisciplinar e integrada permite que os alunos abordem os problemas de forma mais abrangente, estabelecendo conexões entre diferentes campos de estudo e aplicando as informações de maneira contextualizada.
Ao longo do processo de aprendizado, os estudantes se engajam ativa e colaborativamente na busca por soluções para problemas propostos pelo professor. Dessa forma, os alunos se transformam em protagonistas na sua busca pelo conhecimento.
É importante destacar que o objetivo principal dessa metodologia não se resume à resolução de problemas em si, mas ao uso desses problemas como base para identificar os temas de aprendizagem que serão abordados pelos discentes, seja individualmente ou em grupos.
O método se baseia em cinco pilares essenciais. São eles:
- Organização por temas em torno de problemas, em vez de seguir a divisão tradicional por disciplinas;
- Integração interdisciplinar, buscando relacionar diferentes áreas do conhecimento;
- Combinação entre teoria e prática, com a aplicação do conhecimento para a solução de problemas reais;
- Ênfase no desenvolvimento cognitivo, estimulando o pensamento crítico e a resolução de problemas complexos;
- Abordagem centrada no aluno, em que ele é protagonista do próprio processo de aprendizagem, adquirindo autonomia e responsabilidade em sua jornada educacional.
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Como esse método surgiu
A metodologia se baseou nos conceitos de dois norte-americanos, o psicólogo Jerome Seymour Bruner e o filósofo John Dewey. Bruner afirmava que a educação deveria colocar os estudantes em contato com os problemas, de modo a incentivar a discussão de temas e a busca de soluções. Essa proposta foi chamada de Learning by Discovery ou Aprendizagem pela Descoberta.
Dewey, por sua vez, defendia a ideia de que a educação precisava se basear na reconstrução da experiência. Ou seja, é essa ponte com a realidade que produz o crescimento e a motivação para a aprendizagem.
O método começou a ser posto em prática na Harvard Business School, nos Estados Unidos, e, em seguida foi recriado na escola médica de McMaster, no Canadá. Assim, a proposta foi disseminada em outras universidades e desenvolvida de forma mais significativa pela Universidade de Maastricht, na Holanda. A experiência realizada na instituição contribuiu bastante para a formação da base empírica dos princípios defendidos pela Aprendizagem Baseada em Problemas.
No Brasil, a ABP faz parte de propostas e debates pedagógicos há pouco tempo. Alguns de seus conceitos já permeavam os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados em 1997 e também foram utilizados para nortear exames oficiais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Contudo, a introdução dessa abordagem no País aconteceu por meio de algumas instituições de ensino superior.
Primeiramente, a ABP foi adotada na Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Depois outras IES adotaram a metodologia, inclusive em áreas diferentes da saúde. Isso aconteceu porque a abordagem foi bem vista quanto à formação profissional, uma vez que ela dá ênfase em como os estudantes podem aplicar os conhecimentos disponíveis para a solução de situações que acontecem no exercício da profissão.
O papel do professor
Nesse método, o professor desempenha o papel de facilitador e orientador dos alunos, promovendo a interação entre teoria e prática. Ele também tem a responsabilidade de estimular a aplicação imediata do conhecimento adquirido para resolver os problemas propostos. Esse enfoque auxilia na fixação do aprendizado e exploração dos conceitos de forma mais profunda.
Como colocar em prática
As professoras Laurinda Leite e Ana Sofia Afonso, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, em Portugal, foram pioneiras no estudo da metodologia ABP. Na revista Boletín das Ciencias, publicada pela Associação de Professores de Ciências Galegos, elas explicam como funciona a metodologia.
ABP funciona em quatro etapas:
- No primeiro momento, o professor escolhe um tema do contexto real da vida dos alunos para a criação de um problema. Depois, prepara os materiais necessários à investigação;
- Os alunos recebem o problema e iniciam o processo de elaboração das questões-problemas e se repartem entre grupos para começarem a discutir o tema;
- Começa a investigação por meio dos materiais disponibilizados. Os estudantes também devem realizar a leitura e uma análise crítica desses materiais;
- Os grupos fazem uma síntese das discussões e reflexões, sistematizam as soluções encontradas, preparam uma apresentação e, por fim, promovem uma autoavaliação.
Para compreender melhor, vamos considerar um exemplo de atividade utilizando a ABP no curso de Engenharia Civil. O professor primeiro escolhe um tema relevante para a turma, como a construção de moradia sustentável em áreas urbanas. Depois os alunos, divididos em grupos, começam a elaborar questões relacionadas ao problema (como quais materiais usar), realizando pesquisas e discutindo possíveis soluções.
Os grupos sintetizam suas soluções em um projeto abrangente, que inclui estratégias de construção sustentável, planejamento urbano e medidas para mitigar os impactos ambientais. O processo é finalizado com uma apresentação para compartilhar suas propostas com a turma e os professores.
A avaliação considera não apenas a solução proposta, mas também a participação ativa dos alunos, a qualidade da pesquisa, a argumentação e a colaboração em grupo. A autoavaliação também é incentivada, permitindo que os alunos reflitam sobre seu próprio desempenho e aprendizado durante o processo.
Vantagens e desafios
Entre as principais vantagens da ABP, está o aumento da motivação dos alunos, do engajamento com a disciplina e da participação em relação ao seu aprendizado. A metodologia valoriza o trabalho em grupo, fortalecendo o espírito colaborativo e a formação social e pessoal dos estudantes.
A ABP ainda desenvolve habilidades interpessoais essenciais, como a comunicação, o trabalho em equipe e a resolução de conflitos. Outra vantagem é a integração de diversas áreas do conhecimento e a promoção do pensamento crítico.
Embora apresente inúmeras vantagens, a ABP também traz alguns desafios. A falta de tempo, os recursos financeiros escassos e o treinamento inadequado dos professores são obstáculos que podem dificultar sua implementação. Além do mais, a adaptação do currículo e a reformulação dos processos de avaliação demandam uma mudança de concepção e práticas avaliativas.
No entanto, os defensores dessa metodologia argumentam que os benefícios superam as dificuldades, destacando a formação de indivíduos autônomos, o desenvolvimento cognitivo avançado e o aumento da responsabilidade dos estudantes.
De qualquer forma, a Aprendizagem Baseada em Problemas emerge como uma estratégia educacional promissora. Seja preparando os estudantes para os desafios do mercado de trabalho, seja para a solução de problemas diversos ao longo da vida.
É encorajador considerar a sua implementação nas escolas, proporcionando aos estudantes uma educação mais envolvente, significativa e alinhada às demandas do mundo contemporâneo.
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