Ensino SuperiorEventos

Desafios da Educação Talks: marco regulatório da EaD é um atraso, dizem especialistas 

0

Em parceria com o portal Desafios da Educação, a Plataforma A está realizando mais uma edição do Dia do EaD: Desafios da Educação Talks. Em 2024, o evento ganhou uma “versão expandida”, com três dias de painéis transmitidos pelo YouTube sendo o último exclusivo para parceiros da edtech. 

O tema da abertura, ocorrida nesta terça-feira, 26/11, não poderia ser mais pertinente. Intitulado “Panorama do EaD no Brasil em tempos de nova regulação”, o painel promoveu uma discussão sobre as mudanças com as quais as instituições de ensino superior (IES) tiveram que lidar durante o ano: as novas diretrizes de qualidade para a educação a distância e o marco regulatório que entrarão em vigor em 2025.

O debate teve a participação de João Vianney, sócio-consultor da Hoper Educação e ex-diretor da Unisul Virtual e do Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, e Rita Borges, diretora de Relações Nacionais da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), consultora e avaliadora institucional e de cursos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e supervisora da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres). A mediação ficou por conta de Gustavo Hoffmann, consultor da Plataforma A e especialista em metodologias ativas de aprendizagem e ensino híbrido. 

EaD no Brasil: ascensão ameaçada? 

Na abertura do painel, Hoffmann destacou a importância de avaliar as medidas tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) ao apertar o cerco contra a educação a distância. Para contextualizar o tema, ele apresentou dados atualizados do Censo da Educação Superior, como a evolução na quantidade de ingressantes na modalidade de 2014 para cá só em 2023, foram 3,3 milhões de novas matrículas, contra 1,6 mi no ensino presencial. Ou seja, a cada três alunos ingressando na universidade, dois entram via EaD. 

“A educação a distância teve um crescimento expressivo nos últimos anos, e não apenas por causa da pandemia”, disse ele, elencando uma série de fatores que justificam essa ascensão: a crise econômica no País dez anos atrás, o declínio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), a expansão dos polos EaD e do portfólio dos cursos e o aumento de IES credenciadas.  

O consultor lembrou que, a partir do Decreto nº 9.057/2017, as instituições passaram a ter maior autonomia para abrir polos, simplificando os processos burocráticos e permitindo uma expansão mais ágil das ofertas de cursos. Entretanto, o novo marco regulatório, que deve ser divulgado em março, deve mudar isso completamente. 

“Essa expansão, sobretudo nas licenciaturas, incomodou muita gente, principalmente o MEC”, afirmou, referindo-se à Resolução nº 4/2024 do Conselho Nacional de Educação (CNE).  

Em relação à Portaria nº 528/2024, sobre o novo marco regulatório, Hoffmann entende que é preciso aguardar a oficialização de uma nova normativa, em março de 2025. Entretanto, adiantou trechos de um documento divulgado recentemente pela Seres em reunião com a Comissão de Coordenação dos Cursos de Educação a Distância (CC-Pares), que indicam como serão as mudanças. 

Confira os principais pontos previstos na revisão do marco regulatório da EaD

Gustavo Hoffmann apresenta pontos do marco regulatório (Crédito: Reprodução/YouTube)

  1. Três formas de entrega: presencial, semipresencial e a distância o credenciamento deverá ser único, e não mais por modalidade; 
  2. Exigência de 75% de frequência em atividades presenciais e síncronas inclusive remotas;
  3. Grupos de no máximo 50 alunos nas atividades síncronas;
  4. Impossibilidade de compartilhamento de um mesmo endereço para sedes ou polos;
  5. Avaliações in loco nos polos o MEC poderá fazer visitas surpresa para verificar as condições de cada unidade;
  6. Pelo menos uma avaliação presencial nos polos a cada 10 semanas;
  7. Tutores terão um papel exclusivamente administrativo a tutoria online deixa de existir do ponto de vista pedagógico;
  8. Entram em cena quatro categorias de professores: conteudista, regente, mediador online e mediador presencial. 

Após Hoffmann apresentar esses pontos, João Vianney foi direto ao ponto em relação ao que pensava sobre o marco regulatório. “Se tudo isso for colocado em prática, vai ser impossível fazer EaD no Brasil”, disparou.

Rita Borges complementou dizendo que a medida era discriminatória. “Sabemos que o crescimento da educação a distância precisa ser acompanhado de uma oferta de ensino de qualidade, mas o que estamos vendo é um processo que a trata como uma modalidade de segunda categoria”, lamentou a educadora. 

Como representante da Abed, ela defende que o marco não deve ter como objeto o já mencionado Decreto nº 9.057, mas um conjunto de regras direcionadas para a educação superior como um todo. “Sabemos que o ensino presencial também precisa de normativas atualizadas. Se há uma real preocupação com educação de qualidade, o MEC precisa rever o que efetivamente quer publicar.” 

Marco vai contra os pilares da educação a distância, diz Vianney 

Para João Vianney, embora o MEC tenha alegado que as mudanças visam melhorar a qualidade da EaD, sua única consequência é torná-la proibitiva para algumas camadas da população. “É declaradamente um marco censório, que gera aumento de custos e reduz a abrangência da modalidade. Não tem uma linha associada à qualidade”, criticou.

O consultor da Hoper Educação fez uma apresentação em que comparou a EaD a um carrinho de montanha-russa. Esse trajeto começa com a subida, de 1995 a 2007, quando o Ministério da Educação faz um “trancamento” da modalidade que dura até 2013 no que ele chama de “ciclo das trevas”. A retomada só ocorre em 2017, com as IES  ganhando autonomia para criar novos polos, mas sofre novo revés a partir de 2023.

Vianney fala sobre a montanha-russa da educação a distância no Brasil (Crédito: Reprodução/YouTube)

“O MEC caiu no discurso de que o crescimento da EaD poderia colocar em risco a qualidade da formação de professores e, por consequência, da educação básica. Isso gerou uma ameaça fantasma, com relatórios tendenciosos contrários à modalidade”, argumentou. 

O especialista voltou a citar os tópicos mencionados por Hoffmann no início da apresentação, aos quais chamou de “a morte da EaD”. “Temos que nos preparar para dias difíceis, mas precisamos tomar algumas atitudes. A primeira delas é não concordar com o que o MEC está colocando. Se o foco é qualidade, deveriam ser colocados indicadores de aferição em ambas as modalidades, e isso não está acontecendo.” 

Encerrando sua apresentação, Vianney apontou que, com as mudanças trazidas pelo marco regulatório, o Ministério da Educação ameaça os quatro pilares da EaD:

  • Capilaridade: “a educação a distância chega onde o ensino presencial não chega”; 
  • Catálogo: “o MEC quer retirar cursos da área da Saúde, licenciaturas, engenharias e ensino religioso da EaD” 
  • Flexibilidade: “colocar presença obrigatória no polo de ensino ou impedir que o aluno assista a uma transmissão online de forma assíncrona tira essa vantagem”; 
  • Preço: “se for implementada a estrutura docente exigida pelo MEC, o custo vai aumentar, e consequência disso será a exclusão”. 

Vianney observou que a qualidade também deve ser avaliada pelas entregas que a EaD traz. “Corremos o risco de atrasar o ciclo de inovação. Vivemos a era de inteligência artificial, com maior personalização do ensino. E o MEC está colocando o Brasil em um neoludismo digital, que é a negação da tecnologia como apoio para aprendizagem.” 

Afinal, presencialidade é sinônimo de qualidade? 

Hoffmann perguntou aos convidados se algum deles tinha evidências de uma eventual correlação entre presencialidade e qualidade do ensino. Rita Borges negou, alegando que essa lógica é ultrapassada e reducionista.

“Já vi e participei de inúmeros projetos em que aulas síncronas e assíncronas, com bons materiais e um ótimo desenho pedagógico e tecnológico, surtem muito efeito, inclusive nas licenciaturas”, justificou.

Vianney citou diversos exemplos de cursos EaD com nota máxima no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) inclusive em Letras e Pedagogia. E chegou a dizer “o grande erro” foi não ter sido criada uma  universidade federal EaD, para que o MEC tivesse uma compreensão melhor sobre o assunto. 

“O que temos hoje são universidades federais recebendo financiamento temporário para programas EaD. A Espanha conta com duas universidades federais nessa modalidade, Portugal também tem, assim como Inglaterra, Alemanha, Equador… Esse déficit gerou uma mentalidade equivocada dentro do ministério. O pessoal quer impor na educação de adultos fundamentos de pedagogia infantil e letramento”, ironizou. 

Rita Borges emendou dizendo que o MEC não tem levando em conta as considerações apresentadas pela Abed e outras entidades até agora: “Temos diversas experiências e vivências relacionadas à EaD, mas sequer fomos ouvidos”. 

No encerramento, os educadores lembraram que diversas personalidades só conseguiram concluir o ensino superior por meio de graduações EaD inclusive a atual ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. E, encerrando o painel com bom humor, Vianney citou uma letra de música que criou e postou no Instagram para criticar a situação da EaD no Brasil, cujo desfecho publicamos aqui: 

“Encontrei o passado no MEC/E se passando por futuro/Cantando um réquiem para a EaD”. 

Você pode assistir ao painel na íntegra aqui ou no player abaixo. 

Confira os próximos painéis do Desafios da Educação Talks 

O Desafios da Educação Talks continua nesta quarta-feira, 27/11 Dia do EaD , com o painel Estratégias adaptáveis: EaD para IES de todos os portes”. Participam da live o diretor de Negócios do Grupo Integrado, Rafael Zampar, e a Diretora de EaD dos cursos de graduação da PUCPR, Manoela Pierina Tagliaferro. A mediação é de Rodrigo Severo, diretor de Negócios e Operação da Plataforma A 

O evento termina na quinta-feira, 28/11, com um painel exclusivo para parceiros da Plataforma A: “EaD em diferentes países: cases Monterrey e UCPel”. Os convidados são Luis Fernando Morán Mirabal, líder do Living Lab, do Institute for the Future of Education, no Tecnológico de Monterrey (México); Patrícia Giusti, diretora de Educação a Distância na UCPel; e Hector Escobar, diretor acadêmico regional para América Latina e Espanha da Plataforma A. Vinicius Dias CEO e sócio da Algetec Soluções Tecnológicas em Educação é o mediador. 

Os painéis começam a ser transmitidos às 16h. Para assistir às apresentações, é preciso preencher o formulário de inscrição.

Leia também:

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

    You may also like

    Comments

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.