O acesso à educação no Quênia não é fácil. Em muitos casos, as crianças percorrem longas distâncias entre seus lares e a escola. Fazem o trajeto famintas. E, chegando lá, estudam não em um ambiente acolhedor, mas de estrutura precária.
Este cenário é típico em instituições como a Escola Secundária Keriko, na Vila de Pwani, uma área remota do Quênia. E, ainda assim, o professor Peter Tabichi não desanimou. Em 2019, seus esforços foram reconhecidos e ele foi considerado o melhor professor do mundo no Global Teacher Prize 2019, prêmio oferecido pela Fundação Varkey, de Dubai, e frequentemente comparado a um “Nobel” da educação.
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Aos 37 anos, Peter Tabichi é um franciscano que leciona disciplinas de ciências, matemática e física para crianças e adolescentes. “Eu ingressei na vida religiosa para conseguir me dedicar totalmente a ajudar pessoas. Se importar com os outros está no meu coração”, disse ele em um vídeo de divulgação do Global Teacher Prize.
Tabichi vem de uma família de professores. Até por isso, soube desde cedo das dificuldades do ensino e da aprendizagem no Quênia.
Mas ele vê os problemas como oportunidades. Desde que fez uma série de cursos online de programação, tornou-se mentor no clube de ciências e busca repassar seus conhecimentos aos alunos utilizando seu notebook pessoal, o único computador da escola.
O impacto de sua iniciativa é perceptível. Cerca de 60% dos seus alunos estão qualificados para competições nacionais. Muitos, inclusive, competiram e conquistaram prêmios. Em 2017, duas alunas foram premiadas na Kenya Science and Engineering Fair devido a um projeto de geração de eletricidade a partir de extratos vegetais.
Ensino de competências
O desenvolvimento de competências socioemocionais – também chamadas de soft skills – está no centro das preocupações de Peter Tabichi. A empatia e o trabalho em grupo são abordados no dia a dia das turmas, em todos os ambientes.
Um desses ambientes é o clube da paz, criado após conflitos entre alunos das sete tribos representadas na escola – cada uma com sua própria cultura, origem e religião.
As atividades físicas e ações conjuntas, como debates e plantio de árvores, uniram a comunidade escolar e ainda ajudaram a promover o respeito mútuo, aproximando lados opostos.
“Fico muito satisfeito quando eles [os alunos] se tornam resilientes, criativos e produtivos para a sociedade, pois isso mostra que fui capaz de incentivar o potencial deles da forma mais interessante”, afirmou Tabichi.
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Educação contra a fome
Cerca de 95% dos estudantes da Escola Secundária Keriko advém de famílias que nem sequer conseguem oferecer a primeira refeição do dia. Para solucionar esse problema, Tabichi ensina as comunidades a cultivarem plantações resistentes à seca.
A experiência prova a necessidade de prestar atenção no que ocorre na vida pessoal dos alunos e o compromisso com a educação.
Por meio do trabalho de Peter Tabichi, a Keriko alcançou desempenho superior às escolas vizinhas nos estudos e na disciplina. Também diminuiu a taxa de evasão ao aumentar a confiança e a autoestima dos alunos, após fazê-los acreditar em seu potencial.
Mesmo após o Global Teacher Prize, Tabichi seguirá lecionando e doando 80% de seu salário a projetos da comunidade (o que já fazia). Ele planeja usar o valor de 1 milhão de dólares, recebido como prêmio, para investir na educação local.
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Já vi professores comentando sobre as dificuldades de se aplicar os princípios construtivistas, mas este africano prova que é possível, e nos dá um grande exemplo de vocação e solidariedade.