Por Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso*
Quem educa está pelo menos uma geração à frente. Como fazer para que essa diferença geracional não seja um empecilho ao ensino e sim uma alavanca? No passado recente, falava-se do conflito de gerações, que impedia a comunicação de pais e filhos, professor e aluno — uma guerra não declarada que iniciaria e teria seu auge na adolescência.
Embora a comunicação entre adultos e adolescentes não tenha propriamente melhorado, hoje não se vê mais um conflito aberto. O anterior confronto de valores deu lugar a adultos confusos, por vezes omissos e, principalmente, queixosos do cansaço que lhes dá conviver com seus filhos e alunos.
Muitas vezes classificam seus jovens de hedonistas, preguiçosos, desconectados, mimados. Com discurso renovado, os mais velhos ainda acreditam que o melhor da humanidade ficou para trás, no “seu” tempo.
A novidade talvez seja que, ao contrário dos adultos do passado, que desprezavam seus descendentes vangloriando-se de seus próprios feitos, seguros da sabedoria que essa vivência lhes outorgava, os atuais vacilam sobre seu próprio valor. Não raramente se omitem, desistem de comportar-se como adultos e fundem-se aos mais jovens, no desejo de usufruir dessa suposta vida mais agradável, irresponsável e cheia de promessas que atribuem a eles.
Lembrar de ser adulto
O primeiro ponto para conseguir conviver, cuidar e educar adolescentes é não se confundir com eles. O professor tenta sintonizar-se com seus alunos, o que é recomendável para possibilitar o tipo de aprendizagem interativa que a cognição adolescente requer. É necessário decodificar os temas que eles estão vivendo, saber-lhes os gostos, os interesses, o vocabulário.
Essa aproximação é uma estratégia bem-vinda, desde que eles não se esqueçam que são estrangeiros na cultura de seus discípulos. Na prática, devemos falar a respeito, mas de fora dos temas que ocupam a mente dos adolescentes — afinal, não se é um deles.
A aceleração do tempo em nossa época faz com que até dentro de uma mesma geração haja culturas diferentes. Imagine, então, a diversidade de referências que há quando se trata de gente nascida em épocas distintas. É impossível estar a par de tudo. Tampouco seria necessário. O importante é que o professor esteja atento ao presente, que tenha vivido o seu tempo e continue receptivo às novidades, mas sem negar sua própria trajetória.
É a partir dessa experiência que ele vai interpretar a realidade e desenvolver uma condição crítica para avaliar o que está ocorrendo. Essa postura difere da posição nostálgica ou defensiva, como ocorria com nossos antepassados, da época do abismo entre gerações.
Mesmo conectado, o adulto atual nunca se inserirá no novo como aqueles que já nasceram na cultura daquele momento — os nativos das tecnologias e comportamentos recém-inventados —, mas poderá movimentar-se com empatia e curiosidade. É possível compreender como andam e o que têm a dizer as gerações e as culturas respectivas que lhe chegam, mas apenas se ele estiver com os pés bem plantados na sua própria geração.
É da elaboração das próprias experiências, da sinceridade requerida para dissecar-lhes os erros e os acertos, que provém a permeabilidade para compreender o novo. O que aprendemos, não importa a idade que tenhamos, é resultado do encontro do que nos desafia com o conhecimento previamente adquirido, de onde provêm as chaves para decodificar.
É mais seguro que os adolescentes respeitem o adulto que se apresente com uma identidade assumida, coesa. Afinal, ele é alguém crescido, tem experiência e está em outra fase. Já passou, a seu modo, por aquilo que os seus alunos estão passando.
Cada geração pensa-se como a última realmente importante. Caso contrário, se tivermos sido apenas mais uma safra, na cíclica e infinita colheita da vida, percebemo-nos insignificantes. Quem não gostaria de sentir-se o produto final, mais bem-acabado, da humanidade?
A chegada de cada nova leva de jovens, que nos consideram superados e vão adiante sem aparente admiração pela nossa experiência, exacerba essa sensação de irrelevância. Essa afronta à importância dos mais velhos é uma atitude tão típica quanto necessária da operação adolescente, que nos faz sentir um resto fugaz da caminhada humana.
Na defesa contra esse “ataque” ao valor dos que já estavam aqui, surge como uma espécie de antídoto a inflação de valor da própria geração, o “nosso tempo” de que falávamos acima. Para evitar tal mágoa, que em nada nos ajuda no convívio com os adolescentes, nada como lembrar que já fizemos, sentimos e pensamos coisas muito parecidas ao que agora percebemos como incômodo e prepotência.
Memórias sinceras
Lembrar a própria adolescência não é fácil, por isso guardamos dela uma versão fantasiosa. Quando tentamos entrar em contato com aqueles que fomos, é o mesmo que levar essa criatura desrespeitosa e crítica para dentro de nós.
Voltamos a dialogar com os jovens petulantes que fomos e, pode ter certeza, eles não ficariam satisfeitos com o adulto que nos tornamos. Simplesmente porque ficar adulto é abrir mão das onipotências e prepotências juvenis, assim como esquecer das impotências paralisantes dessa época de contradições
e extremos.
Portanto, para estar à frente de adolescentes, é preciso tentar ficar em paz com a própria adolescência. Como ela é feita de inúmeras batalhas, quem quer e precisa conviver com eles terá que se lembrar de como lidou com tudo isso. Evidentemente, parte das charadas que se colocam antes da vida adulta continuam sem solução, mas podemos, pelo menos, ter presente que a esfinge não nos devorou, mesmo que tenhamos seguido adiante sem decifrá-la.
Quando a travessia adolescente é incompleta, deixando seu sujeito com traumas ou medos, ou com inexperiências em certas áreas, isso acaba criando pontos cegos no adulto. Este poderá viver assim até o resto da vida, e até bem, mas ser-lhe-á difícil entender os adolescentes com quem conviver. Isso no melhor dos casos, pois pode também invejá-los, temê-los, ver neles fantasmas de seu passado e até responder aos seus questionamentos com agressividade e atitudes de retaliação.
A adolescência é momento de sair de casa e provar ao mundo que se é digno de admiração e respeito. Conquistar seus pares, elaborar um lugar para si frente aos desafios da sexuação, fazer valer sua imparidade, encontrar um lugar de inserção social. Se um adulto ainda não tiver dialogado consigo mesmo, pensado em como lidou com essas questões, lembrado dos seus temores e esperanças, melhor ficar de fora dos desafios da transmissão.
As missões (quase) impossíveis dos adultos
No convívio com os adolescentes, “adultos maduros precisam acreditar em sua maturidade”, observa o psicanalista inglês Winnicott, e acrescenta que “o melhor que têm a fazer é sobreviver intatos, sem mudar de cor, sem negar princípios importantes, mas também crescer” (Winnicott, 1989, p. 124-125). Vale a pena esmiuçar essas indicações aparentemente banais, já que, se forem maduros, por que não acreditariam nisso? Por que é preciso lembrá-los de sobreviver?
A primeira indicação deve-se ao fato de que a juventude é um canto de sereia, ao qual correm enfeitiçados os adultos amnésicos dos sofrimentos juvenis pelos quais passaram. A tendência desses é fundir-se com os jovens, como um camaleão, fingindo ser um deles. Camuflar-se é um recurso defensivo; no caso dos adultos, trata-se de uma tentativa de negar a própria finitude.
Dos jovens, cujo tempo é de obrigação e medo de fazer escolhas, cobram-se decisões, posicionamentos. Inexperientes e ignorantes dos próprios desejos e capacidades, devem dar conta de um modo de amar, escolher ofícios, aderir ou não a credos, demonstrar estilos.
De si mesmos, não sabem além da urgência para delinear uma identidade diferente da familiar e do que eles acham que se espera deles. Vazios de certezas, prenhes de dúvidas, sentem-se irritados, e tudo que escutam dos mais velhos os enerva. Quando conseguem expressar-se, o que têm a dizer muitas vezes não parece consistente nem a eles próprios, por isso defendem-se aos gritos, ou por meio do silêncio e do distanciamento.
Os adultos, sintomaticamente esquecidos disso tudo pelo qual eles mesmos já passaram, confundem todas essas indefinições com potenciais. Acreditam que um jovem tem todas as escolhas pela frente, que pode amar e fazer o que desejar. Viveria um tempo de ouro, quando todas as portas da vida estariam ao seu dispor.
Crescer é bancar as consequências de algumas escolhas. Ninguém pôde ser nem fazer tudo, embora imaginemos que infinitas vidas estavam à nossa disposição. É perceber que o leque dos recursos e caminhos que tivemos para seguir era limitado.
Guinadas e mudanças ao longo da vida são possíveis, mas, na realidade, revelam-se processos dolorosos, trabalhosos e com passagens de tristeza pelo que deixamos para trás. Isso é distante da fantasia que temos sobre os adolescentes, a quem gostamos de imaginar em uma terra de prazeres e possibilidades quase mágicas.
Na versão dos adultos iludidos, é como se na juventude se pudesse fazer turismo em várias vidas alternadamente, escolhendo à vontade onde e quanto tempo ficar e descartando tudo o que for trabalhoso. É nessa versão delirante da adolescência que está a dificuldade em reconhecer-se adulto a que se referia Winnicott.
Amadurecer é admitir que chegamos até aqui aprendendo com nossos erros e sofrimentos, ou seja, vendo a prepotência e a onipotência serem ceifadas. Como acreditar em nossa maturidade se pensamos ter feito e aprendido tão pouco? E mais, a maturidade é feita de dúvidas, de ponderações, de que nem tudo tem resposta, ou as respostas são provisórias.
Passar uma visão de sabedoria falando desde a incerteza é um dos desafios do professor. Ainda mais que crianças pedem e adolescentes precisam de algo seguro onde possam pisar firme. Eles demandam essa convicção justamente dos que, quanto mais sábios forem, mais consciência terão de que pisamos em terreno pantanoso.
As missões impossíveis dos adolescentes
Desde o fim dos anos 1950, época de início da adolescência como a compreendemos hoje, consolida-se a revolução de costumes — a única bem-sucedida do século XX. Os adultos de hoje são marcados por essa herança, o que os deixou com a ideia de que os jovens podem viver mais coisas do que seus pais. Isso é um fato histórico, assim como o são também as resistências a essas mudanças que desbancam velhos sistemas de poder.
Porém, se derrubar a ditadura patriarcal que subjugava mulheres e filhos foi libertador, as promessas de gozo sexual, de leveza nas relações amorosas, de diluição dos vínculos familiares opressivos não se cumpriram. Apesar disso, os jovens ainda são depositários do sonho de amar e desejar sem o empecilho dos preconceitos na hora de inventar caminhos para sua vida.
Essa adolescência totalmente livre nunca existiu, a não ser na fantasia que envolve a idealização dessa época por parte da sociedade, a nossa, que a implementou. De acordo com esse acervo de crenças, a maturidade fica equivalendo à derrota de constatar que isso não se realizou, que talvez não fosse factível daquele jeito. Envergonhamo-nos frente aos ideais da adolescência que criamos como um paraíso e confundimos maturidade com resignação.
Não há melhor metáfora para a entrada na vida do que o poço pelo qual Alice ingressa no País das Maravilhas. O abismo, a perda de referências, aquelas paredes com objetos que passam por nós, mas que não conseguimos agarrar. Assim é a família para o adolescente: está lá, como antes, mas já não o segura, mesmo que ele queira.
O ponto de chegada é uma encruzilhada de portas, entre as quais é preciso escolher um caminho sem saber o que elas guardam em seu interior. Além disso, nunca estamos do tamanho certo e, mesmo depois de conseguir acertar a estatura, seguiremos mudando de tamanho. Porém, é bom lembrar que o desafio do tamanho e da escolha de portas segue pelo resto da vida.
Quanto às portas, vamos ter que acabar escolhendo, não adianta acampar na encruzilhada. No caminho, encontraremos outros cruzamentos parecidos com esse, assim como nosso corpo também insistirá em mudar, deixando-nos confusos sobre nossa identidade. Seremos o resultado das alternativas, que são os destinos que esperam atrás das portas escolhidas.
Enfim, o que nos tornamos resulta de tudo isso, do vivido, do ressentimento pelo não empreendido e, principalmente, da capacidade de seguir adiante a partir de qualquer uma dessas premissas. É dessa história, das Alices que todos somos, que vai resultar nossa relação com os adolescentes que convivem com o adulto que acabamos sendo. É evidente que parece tolo ficar invejando a posição dos que ainda estão caindo no buraco, ou confusos no apertado recinto das portas onde se aterrissou. No entanto, surpreendentemente, esse momento acabou sendo considerado o ápice da vida, e essa ilusão dificulta muito nosso vínculo com os mais jovens.
*Escrito por Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso, o artigo “O professor, sua geração e a adolescência” está na edição n° 36 da Revista Pátio Ensino Médio, Profissional e Tecnológico. Para assinar a revista, CLIQUE AQUI.
Sobre os autores
Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso são psicanalistas membros da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). E-mails: dianamcorso@gmail.com e mariofcorso@gmail.com.
Referências
WINNICOTT, D. W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Saiba mais
CORSO, M.; CORSO, D. L. Adolescência em cartaz: filmes e psicanálise para entendê-la. Porto Alegre: Artmed, 2018 (disponível aqui).
Comments