Por Evandro Luís Ribeiro e Rodrigo Ferreira Daverni*
Novos costumes, novas formas de se relacionar, novos hábitos de consumo e, principalmente, uma nova forma de ensinar e aprender. São esses alguns dos impactos da pandemia da covid-19 que tem colocado todo o sistema global à prova.
A necessidade do isolamento social imposta pela pandemia lançou maior evidência ao uso das tecnologias em diferentes contextos sociais, ampliando a reflexão sobre a “virtualização das coisas”.
Nesse cenário de grande complexidade, as organizações procuram se reinventar, a fim de sobreviver à eminente crise econômica e social. Isso em um momento que agir remotamente (se virtualizar) se tornou uma imposição da pandemia – e não uma decisão voluntária. Afetando assim todo o posicionamento estratégico de uma organização.
A conhecida e popular expressão “se a vida te der limões, faça deles uma limonada” nunca se mostrou tão apropriada quanto nos dias atuais e, na educação, a limonada da vez é a EAD.
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Em um passado próximo, essa modalidade de ensino, por vezes criticada por grande parte da sociedade, obteve significativas conquistas. Dentre elas estão a abertura da legislação educacional brasileira, que, por décadas, não apenas enrijeceu a modalidade no país, como também inflexibilizou a expansão e o crescimento em número de matrículas nos cursos.
Como consequência dessas conquistas, ampliou-se o desenvolvimento de inúmeros serviços e ferramentas tecnológicas responsáveis por agregar valor à cadeia que movimenta a EAD.
Dados do censo divulgado em 2019 pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) demonstram que a EAD obteve um crescimento de 17% em número de matrículas nos anos de 2017 e 2018, o que representa o universo de cerca de 9 milhões de estudantes.
Apesar de todo esse vertiginoso crescimento e da expansão dos serviços educacionais, o lócus da modalidade no contexto da educação básica e até mesmo do ensino superior presencial é ainda pequeno. Portanto, com a chegada da pandemia, os reflexos dessa inexpressiva representatividade vieram à tona nos dias atuais. E é aí que mora o perigo.
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Ao incorporar, por força da crise sanitária, tecnologias nos processos pedagógicos nos níveis básico e superior, criou-se em toda a sociedade a equivocada sensação de que as iniciativas de ensino remoto podem ser traduzidas como educação a distância.
Ensino remoto não é EAD
Todavia, em nossa ótica, classificar essas ações emergenciais de virtualização como EAD é um equívoco que pode custar caro à modalidade.
Não por acaso, muitos têm utilizado a expressão “ensino remoto” como forma de fazer a distinção entre cursos presenciais – que agora se valem em maior grau da mediação por tecnologias – e cursos genuinamente oferecidos a distância. Isso no sentido inclusive de preservar as distintas particularidades de cada modalidade de ensino.
É preciso, pois, dar a devida identidade a cada um dos contextos educacionais que hoje se valem da tecnologia para ensinar. A razão é simples: no futuro, quando forem mensurados os resultados dessa condição remota, as eventuais consequências devem ser atribuídas à sua causa raiz, e não à EAD.
A educação a distância seguirá seu caminho como uma modalidade de ensino que possui uma regulação própria e que, nos últimos anos, muito tem contribuído com a democratização do acesso ao ensino superior. Mostrando-se, portanto, como elemento imprescindível ao cumprimento do ambicioso Plano Nacional da Educação.
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Mas qual o sentido de colocar em debate os impactos de uma eventual queda no desempenho dos estudantes da educação básica e superior e os reflexos que isso pode ter na EAD?
Em pesquisa no Google Trends – considerando o período da pandemia – é possível observar um crescimento de 400% em buscas realizadas a partir do termo “educação a distância”. Ainda nesse contexto, observa-se igualmente o crescimento do número de notícias geradas pela mídia associando as ações emergenciais da pandemia à EAD.
Na contramão de todas as iniciativas que emergiram a partir do isolamento social, quando a “digitalização do ensino” passou a predominar na vida das pessoas. Os problemas históricos e sociais que atingem consideravelmente o atual cenário educacional brasileiro se mostram mais evidentes.
Segundo dados da ctic.br, cerca de 70 milhões de brasileiros possuem acesso precário à internet e mais de 42 milhões de pessoas sequer tiveram acesso à conectividade nos últimos meses.
Isso nos coloca diante de um espectro que precisa ser efetivamente pensado, uma vez que não basta às instituições de ensino planejar e promover iniciativas exitosas, se as condições mínimas de acesso à internet ainda é um fator limitante a ser transposto no país.
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Logo, a dependência eminente das tecnologias na educação – atrelada à não democratização do acesso – pode resultar na exclusão acadêmica de grande parte da população, seja ela por inabilidade digital ou pelas limitações tecnológicas.
Como provável reflexo dessa realidade, tende-se a ocorrer uma queda no desempenho acadêmico a ser observado nos processos internos e externos de avaliação dos estudantes, nos níveis básico e superior, a considerar, por exemplo, o Enem e o Enade.
Caso de fato essa hipótese se confirme, naturalmente surgirão questionamentos sobre suas causas. Como a limonada da vez é a EAD, restará a preocupação quanto a imagem e a reputação desta que é, sem sombra de dúvidas, a principal via de sustentação de um novo modelo de educação.
Aos entusiastas, pesquisadores, gestores, entidades, instituições, docentes e discentes fica o desafio de desconstruir essa equivocada e infundada associação de métodos e estratégias de ensino, preservando a real identidade e os valores da EAD. Sob o risco de, após a pandemia, esta modalidade injustamente assumir uma fatura pela qual deve responder a histórica ineficiência brasileira em democratizar as condições para o pleno desenvolvimento humano. Isso somado aos impactos da pandemia.
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Sobre os autores
Evandro Luís Ribeiro é graduado em Pedagogia e em Educação Física, mestre em Engenharia de Produção, especialista em Gestão e Liderança Universitária pela Organização Universitária Internacional (OUI Canadá/UFSC), MBA em Gestão Acadêmica e Universitária, especialista em Gestão Educacional. Atualmente é coordenador geral de educação a
distância, gerente de educação e docente do Claretiano – Centro Universitário. é membro do GT-EAD da Associação Nacional de Escolas Católicas (Anec) e do Banco de Avaliadores do SINAES.
Rodrigo Ferreira Daverni é graduado em Licenciatura em Letras – Português/Espanhol, especialista em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa e em Crítica Literária e Ensino de Literatura. Também é mestre em Estudos Literários e possui MBA em Administração Acadêmica e Universitária. Atualmente, é professor de cursos de graduação e pós-graduação e gerente de material didático no Claretiano – Centro Universitário.
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