*Por Luciano Sathler
Os países ricos têm empreendido grandes esforços para garantir que os cidadãos participem e se beneficiem da economia digital. O objetivo é torná-los aptos a ocupar profissões inesperadas, com ênfase na formação para competências genéricas, especializadas e complementares relacionadas às tecnologias de informação e comunicação (TIC).
As competências genéricas TIC são aquelas necessárias no cotidiano do trabalho, na escola e na vida em geral, tais como acessar informações online ou usar softwares.
Já a programação e o desenvolvimento de recursos e serviços como softwares, páginas da web, comércio eletrônico, armazenamento em nuvem e big data requerem competências especializadas TIC.
Por fim, a convergência digital tem mudado a forma como o trabalho é realizado e como as pessoas se relacionam entre si, requerendo competências complementares TIC como a capacidade de processar informações, comunicar-se com outros, resolver problemas, planejar e ajustar-se rapidamente.
As bases para essas competências são conhecidas: educação matemática, compreensão e produção de textos, alfabetização científica, alfabetização digital, pensamento crítico e competências socioemocionais. Todas essas áreas podem ter maior abrangência e velocidade para melhorias com a utilização criativa e crítica das TIC.
Leia mais: O modelo híbrido e a utilização das TICs no ensino superior
No Brasil, chegamos ao ponto em que nossas deficiências no campo da educação estão razoavelmente diagnosticadas. Estamos “adoecidos” e identificamos as causas do que nos acomete enquanto nação. Confirma-se, por dados estatísticos e pesquisas, a visão de grandes educadores, tal como expresso no Manifesto da Educação Nova, de 1932, que se mantém atual na sua maior parte.
Parte do desafio urgente e para os próximos anos é definir planos de ação com objetivos educacionais claros, metas por nível dos sistemas de ensino e garantir sua boa execução, com fiscalização e participação democrática da sociedade. As tecnologias digitais abrem novas oportunidades para permitir maior velocidade e acuidade na implementação de políticas públicas para a educação, que ajudem a enfrentar a tragédia hoje verificada no país.
No sentido de definir seus objetivos estratégicos nessa área, a União Europeia definiu uma matriz de competências digitais para cidadãos:
Matriz de Competências Digitais Para Cidadãos | |
Área da Competência | Competências |
1. Alfabetização Digital | 1.1. Navegar, pesquisar, filtrar dados, informações e conteúdo digital: Articular as necessidades de informação, buscar dados, informações e conteúdos em ambientes digitais, acessá-los e navegar entre eles. Criar e atualizar estratégias de pesquisa pessoal.
1.2. Avaliar dados, informações e conteúdo digital: Analisar, comparar e avaliar criticamente a credibilidade e confiabilidade das fontes de dados, informações e conteúdos digitais. Analisar, interpretar e avaliar criticamente os dados, informações e conteúdos digitais. 1.3. Gerenciar dados, informações e conteúdo digital: Organizar, armazenar e recuperar dados, informações e conteúdos em ambientes digitais. Organizá-los e processá-los em um ambiente estruturado. |
2. Comunicação e Colaboração | 2.1. Interagir por meio de tecnologias digitais: Utilizar uma variedade de tecnologias digitais para se relacionar e compreender os meios de comunicação digital apropriados para um determinado contexto.
2.2. Compartilhar por meio de tecnologias digitais: Compartilhar dados, informações e conteúdo digital com outras pessoas por meio de tecnologias digitais apropriadas. Atuar como intermediário, conhecer as práticas de referência e atribuição. 2.3. Engajar-se na cidadania por meio de tecnologias digitais: Participar da sociedade por meio do uso de serviços digitais públicos e privados. Buscar oportunidades de autocapacitação e de cidadania participativa por meio de tecnologias digitais apropriadas. 2.4. Colaborar por meio de tecnologias digitais: Utilizar ferramentas e tecnologias digitais para processos colaborativos e para cocriação de recursos e conhecimento. 2.5. Etiqueta: Estar atento às normas comportamentais e sobre como usar tecnologias digitais e interagir em ambientes digitais. Adaptar as estratégias de comunicação ao público específico e estar atento à diversidade cultural e geracional nos ambientes digitais. 2.6. Gerenciar a identidade digital: Criar e gerenciar uma ou várias identidades digitais, para proteger a própria reputação, lidar com os dados que produz por meio de várias ferramentas, ambientes e serviços digitais. |
3. Criação de Conteúdo Digital | 3.1. Desenvolvimento de conteúdo digital: Criar e editar conteúdos digitais em diferentes formatos, expressar-se por meios digitais.
3.2. Integração e reelaboração de conteúdo digital: Modificar, refinar, melhorar, integrar informações e conteúdo em um corpo de conhecimento existente para criar conteúdo e conhecimento novos, originais e relevantes. 3.3. Direitos autorais e licenças: Entender como os direitos autorais e as licenças se aplicam a dados, informações e conteúdo digital. 3.4. Programação: Planejar e desenvolver uma sequência de instruções compreensíveis em sistemas de computação para resolver um determinado problema ou executar uma tarefa específica. |
4. Segurança | 4.1. Dispositivos de proteção. Proteger dispositivos e conteúdo digital, entender os riscos e ameaças em ambientes digitais. Conhecer as medidas de proteção e segurança e ter a devida atenção à confiabilidade e privacidade.
4.2. Proteger dados pessoais e privacidade em ambientes digitais. Entender como usar e compartilhar informações pessoalmente identificáveis, protegendo a si e aos outros contra danos. Entender que os serviços digitais usam uma “política de privacidade” para informar como os dados pessoais são usados. 4.3. Proteger a saúde e o bem-estar. Ser capaz de evitar riscos à saúde e ameaças ao bem-estar físico e psicológico durante o uso de tecnologias digitais. Ser capaz de proteger a si e aos outros contra possíveis perigos em ambientes digitais – por exemplo, cyberbullying. Estar atento às tecnologias digitais para o bem-estar social e a inclusão social. 4.4. Proteger o meio ambiente. Estar ciente do impacto ambiental das tecnologias digitais e seu uso para reduzi-los, evitá-los ou compensá-los. |
5. Resolução de Problemas | 5.1. Resolver problemas técnicos. Identificar e resolver problemas técnicos ao operar dispositivos e usar ambientes digitais.
5.2. Identificar necessidades e orientações tecnológicas. Reconhecer as necessidades, identificar, avaliar, selecionar e utilizar ferramentas digitais e possíveis respostas tecnológicas para resolvê-las. Ajustar e personalizar ambientes digitais para necessidades pessoais – por exemplo, acessibilidade. 5.3. Ser criativo no uso de tecnologias digitais. Utilizar tecnologias digitais para criar conhecimento e inovar em processos e produtos. Engajar-se individual e coletivamente no encadeamento cognitivo para entender e resolver problemas conceituais e situações problemáticas em ambientes digitais. 5.4. Aprender competências digitais. Entender no que a própria competência digital precisa ser aprimorada ou atualizada. Ser capaz de apoiar os outros com o desenvolvimento de competências digitais. Buscar oportunidades de autodesenvolvimento e manter-se atualizado com a evolução digital. |
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) faz avançar essa temática ao definir como uma das competências gerais a serem desenvolvidas nos sistemas de ensino a Cultura Digital, definida como compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética para comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria. As dimensões a serem trabalhadas, de acordo com a BNCC, são: computação e programação, pensamento computacional, cultura e mundo digital.
Uma parte do proposto pela União Europeia aos seus cidadãos está contemplada na BNCC. Será importante ampliar essa discussão para buscar a maior inclusão socioeconômica, a justiça social e o combate à desigualdade pelo desenvolvimento dessas novas competências para a cidadania.
Sobre o autor
Luciano Sathler é PhD em Administração pela FEA/USP, reitor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), além de curador do site Inovação Educacional.
Comments