Enquanto a gestão tradicional opera o presente, o design projeta o futuro. Tal como as empresas do mundo corporativo, Instituições de Ensino Superior (IES) não foram feitas para inovar, mas sim para funcionar.
Por mais que um dos principais papeis de uma IES seja produzir conhecimento, a verdade é que toda a sua lógica de operação é baseada na clássica cadeia de comando e controle, o que torna o desafio de estabelecer uma cultura de inovação uma barreira quase intransponível.
O que se percebe na maior parte das vezes, são movimentos que denomino de espasmos de inovação, normalmente protagonizados por um novo colaborador, ou uma nova metodologia que gerou entusiasmo em algum tomador de decisão, mas que logo encontra seu fim no potente sistema imunológico organizacional. Esse mecanismo de defesa combate tudo que aquilo que é novo, pois entende que a territorialidade humana pode estar sob ameaça.
Portanto, é essencial que as IES não apenas se adaptem a novos modelos de gestão, mas que incorporem a inovação pelo design como parte fundamental do processo. A integração do design permite que vençam as resistências internas e transformem a inovação em uma prática contínua, essencial para sua relevância no mercado.
De nada adianta uma IES operar sob os mais modernos preceitos de gestão, governança, tecnologia e eficiência, se estiver produzindo cursos de datilografia. Existem ferramentas ausentes na gestão tradicional, mas presentes no design. A verdade é que não há como inovar sem design.
Em tempos de inovação perpétua, ou sua IES está inovando ou fazendo mais do mesmo. E digo mais, se não está crescendo, está caminhando a passos largos para ser adquirida ou fechar as portas. Lembre-se: uma IES não falha apenas por fazer algo errado, mas também por fazer bem as mesmas coisas durante tempo demais.
Design é agente da mudança, produz ativos intangíveis e cria valores inéditos para injetar diferenciação direto no DNA institucional. A definição de diferencial competitivo passa por atributos que tornam uma IES única, difícil de ser copiada e superior aos seus concorrentes.
Mas afinal, o que é design nos negócios?
A Organização Mundial de Design (WDO) definiu design como um processo estratégico de resolução de problemas que impulsiona a inovação, constrói o sucesso do negócio por meio de produtos originais, sistemas, serviços e experiências.
Ou seja, sim, existe um processo estratégico capaz de ajudar sua IES a inovar na forma como cria, organiza e comunica seus sistemas, serviços, experiências até mesmo seu modelo de negócio.
O Instituto de Design de Interação de Copenhagen, por exemplo, defende que o design de serviços é uma área emergente focada na criação de experiências bem projetadas, usando uma combinação de meios tangíveis e intangíveis. Como prática, resulta no design de sistemas e processos que objetivam fornecer um serviço holístico para o usuário. Em outras palavras, trata-se da mesma técnica de gestão da experiência do cliente utilizada pela Disney, pelos grandes hotéis de luxo e empresas como Zappos.
Herbert Simon, respeitado teórico de design e pai da Inteligência Artificial (IA), ao lado de Allen Newell, disse que todo aquele que se lança ao design está transformando situações existentes em situações preferidas. Juntos, eles criaram o Logic Theorist, considerado por muitos o primeiro programa de IA.
Francesco Zurlo, membro do comitê científico do Observatório de Design Thinking for Business da School of Management de Politecnico di Milano, definiu o design estratégico como um agente de transformação organizacional, pois atua diretamente na imagem corporativa, no reposicionamento e ressignificação de uma empresa, tornando-a única e difícil de ser copiada.
Em seu livro, “A empresa orientada pelo design”, Marty Neumeier faz uma declaração contundente de que o Design está alinhando as finanças à criatividade com força o bastante para mudar as regras dos investimentos. Para o consultor, o Design motiva a inovação, a inovação dá poder à marca, a marca constrói a fidelidade e a fidelidade sustenta os lucros. Ele alerta que uma das maiores gafes no mundo dos negócios e pensar tecnologia antes de pensar em design. Design precede tecnologia.
Inovação guiada pelo design
No ambiente corporativo, CEOs frequentemente mencionam a preocupação com o valor das ações como uma das principais razões para perderem o sono. Quando indagados sobre o que influencia o preço dessas ações, a resposta mais comum aponta para o crescimento das receitas. Seguindo essa linha, quando questionados sobre o motor desse crescimento, a inovação surge como chave, pois capacita a empresa a desenvolver novas habilidades e recursos, essenciais para criar vantagem competitiva.
Uma forma pragmática de evidenciar a relação entre design e inovação é entender que o design não é apenas o resultado da inovação, mas sim o seu processo, fornecendo o arcabouço técnico e metodológico necessário para a sua implementação. Essa perspectiva se reflete diretamente no sucesso de IES, onde a inovação guiada pelo design pode gerar lucros significativos ao criar produtos e serviços com personalidades fortes e marcantes que se destacam frente aos concorrentes.
A Arizona State University (ASU), reconhecida repetidamente como a instituição de ensino superior mais inovadora dos EUA pela revista US NEWS, exemplifica a integração do design em sua estrutura. Desde que o Reitor Michael Crow assumiu em 2002, a ASU cresceu de 50 mil para mais de 100 mil estudantes.
Tratando a universidade como uma startup, Crow criou um setor de inteligência dedicado a viabilizar e desenvolver ideias e projetos inovadores. Complementarmente, o Instituto de Design de Universidades arquiteta as mudanças institucionais, atuando como catalisador da criatividade e inovação na ASU.
Recentemente, a ASU ganhou destaque junto a instituições como a Universidade de Oxford, Wharton School da Universidade da Pensilvânia, Universidade do Texas em Austin e a Universidade de Columbia, por sua aliança com a OpenAI. Kyle Bowen, vice-CIO da ASU, afirmou que a integração da tecnologia OpenAI nas estruturas educacionais e operacionais está acelerando a transformação da universidade.
A colaboração com toda a comunidade visa aproveitar essas ferramentas de maneira escalável, servindo como modelo para outras instituições. Essa abordagem exemplifica o potencial da tecnologia quando integrada a um modelo acadêmico que inovou pelo design. Quando a tecnologia é incorporada a um modelo maduro, aumenta consideravelmente seu potencial de transformação. Isso explica por qual razão muitas IES ainda estão atordoadas sem saber como utilizar a IA generativa de forma eficaz.
Exemplos notáveis incluem a professora Nabila El-Bassel da Universidade de Columbia, que utiliza IA para analisar dados e informar intervenções contra overdoses; alunos da Wharton que utilizam GPTs para reflexões de curso; e a professora assistente Christiane Reves da ASU, que desenvolve um GPT personalizado para melhorar as habilidades de comunicação em alemão dos alunos.
Sugiro as seguintes leituras sobre o assunto:
O que o ChatGPT significa para a educação
O que vai diferenciar o ser humano da inteligência artificial
Se salvou a Apple, pode salvar sua IES
Se a estratégia de redução e aprimoramento do portfólio de produtos foi determinante para salvar a Apple, também pode ajudar sua IES. A Apple, ao simplificar drasticamente sua linha de produtos, não só aumentou o valor agregado como também reduziu custos, demonstrando o poder de um portfólio focado. Sua instituição pode se beneficiar de uma abordagem semelhante ao repensar e gerenciar seu portfólio de soluções educacionais.
Para expandir essa perspectiva, explore os modelos de negócios de empresas como Natura, Randon ou Gerdau, que revitalizaram seus ecossistemas de inovação através da inovação aberta. Além disso, inspire-se no método H.E.A.R.D da Disney, conhecido por seu compromisso excepcional com a satisfação do cliente, ou investigue o papel do design de processos explorando práticas da Amazon e do Sistema Toyota de Produção.
As melhores e mais valiosas empresas do mundo, além de levarem a gestão do design tão a sério quanto suas planilhas financeiras, possuem clareza sobre os dois ativos mais importantes em suas estratégias: marca e entrega.
Todo o resto, finanças, marketing, vendas, tecnologia, relacionamentos com investidores, são subsistemas da marca e sua entrega. Sem uma marca forte e uma entrega consistente, todo o resto desmorona.
Você terá muita dificuldade em encontrar uma IES que não integra grandes grupos de educação e que evidencia crescimento orgânico sem um posicionamento de marca muito forte e uma entrega com alto teor de diferenciação em termos de modelo acadêmico, tecnologia e experiência do estudante.
Mas até que ponto o design realmente potencializa a diferenciação?
Temos evidências incontestáveis no Brasil com as aquisições envolvendo a FIAP pela Alura e a UniAmérica pelo Descomplica. A escolha da FIAP pela Alura foi motivada por seu robusto posicionamento estratégico no mercado tecnológico, enquanto a UniAmérica foi selecionada pelo Descomplica devido ao seu capital metodológico inovador. Ambas as IES criaram modelos acadêmicos autorais e inovadores, além de uma conexão radical (e verdadeira) com o mercado.
Veja esse exemplo: Influenciadores digitais: um caminho para o marketing das IES
Muito embora as aquisições sejam capazes de trazer uma melhoria temporária na rentabilidade, o crescimento orgânico é a base da geração de receitas. Quando chega o momento em que não é mais possível aumentar riquezas, será preciso gerá-las e nessa hora o design sempre é mandatório.
E se eu dissesse que existe uma estratégia comprovada que foi a responsável por dobrar as receitas e os retornos dos investimentos aos acionistas em diferentes setores da economia? A inovação pelo design pode melhorar significativamente a experiência do estudante e fortalecer a marca da instituição, transformando o envolvimento e o sucesso acadêmico em diferenciais competitivos reais no âmbito educacional.
O retorno do investimento em design
Infelizmente, enfrentamos diariamente exemplos de design ruim que dificultam atividades corriqueiras, como achar informações em manuais ou bulas, navegar saídas de estacionamentos, localizar produtos em supermercados, ou até mesmo encaixar um plugue USB na segunda tentativa. A lista de inconveniências é extensa.
Por outro lado, existem também os designs icônicos que marcaram nossa experiência, como o multifuncional canivete suíço, os intuitivos smartphones, a simplista página inicial do Google, a elegante embalagem da Apple, as interfaces amigáveis do Uber e do iFood, e as envolventes experiências na Disney.
Neste contexto, destacar-se torna-se um desafio crescente, especialmente em um mercado onde as expectativas dos consumidores são continuamente elevadas por serviços como Amazon, Netflix e Apple. Estes padrões são definidos não apenas por engenheiros focados na funcionalidade, mas por designers dedicados a criar experiências fluidas e encantadoras para os usuários.
Mas o que está por trás do desempenho das empresas citadas e tantas outras que acumulam sucesso após sucesso em seus produtos e serviços?
É possível avaliar o real valor do design em estratégias e posicionamentos? A resposta é afirmativa, conforme indicado pela pesquisa mais extensa e rigorosa sobre ações de design que líderes podem executar para gerar valor comercial. Essa pesquisa foi desenvolvida pelo McKinsey Design Index (MDI) da McKinsey & Company, que analisou práticas de design em 300 empresas de capital aberto ao longo de cinco anos, envolvendo múltiplos países e setores. Mais de dois milhões de dados financeiros foram mapeados, e mais de 100.000 ações de design foram registradas, onde uma análise de regressão identificou 12 ações de design que têm forte correlação com melhorias no desempenho financeiro.
Os resultados mostraram que, ao longo de cinco anos, empresas focadas em design superaram outras, inclusive o índice S&P 500, por 219%. Foi observado que o mercado premiou especialmente aquelas empresas que se destacaram ao integrar design tanto em produtos e experiências físicas quanto digitais, com aumento de receita e retornos substanciais para os acionistas.
O estudo também enfatiza a importância de práticas como Human Centered Design, que coloca o usuário no centro do processo de design, e Real-time Reviews, que baseia decisões em métricas de dados atualizadas, destacando a necessidade de avaliações em tempo real em todos os pontos de contato.
Diante desses insights, surge uma questão fundamental: será que as IES estão maduras para incorporar princípios de design estratégico em sua gestão universitária?
Considerações finais
É essencial reconhecer que o design vai além da estética de produtos e serviços, representando um elemento estratégico fundamental para a gestão e inovação nas IES. Compreender as características que distinguem organizações de alto desempenho em design é crucial para gestores e dirigentes universitários que buscam impulsionar a inovação eficaz e obter resultados robustos.
Vivemos um período marcado por instabilidade, imprevisibilidade e complexidade nas relações entre os diferentes atores sociais e econômicos. O mundo, antes caracterizado como VUCA, agora é descrito como BANI. Diante dessas mudanças, não podemos mais resolver desafios complexos com abordagens tradicionais que ajudaram a criá-los.
Para as IES, o design deve envolver a criação contínua de soluções que sejam ao mesmo tempo desejáveis, atendendo às necessidades de alunos e professores; praticáveis, alinhadas às novas tecnologias e processos; e viáveis, sustentáveis do ponto de vista econômico.
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