O texto abaixo faz parte do especial “Tendências para a educação em 2021“, publicado pelo portal Desafios da Educação. No artigo, Lourdes Atié diz que a produção acadêmica brasileira é fundamental para o país avançar rumo a uma educação mais plural, ética e igualitária – e que esses são os seus votos para o ano que se aproxima.
Fui desafiada a escrever sobre os desejos e tendências da educação para 2021. Depois de estudar Zygmunt Bauman, Yuval Harari e viver tempos pandêmicos, aprendi que o futuro está cada vez mais imprevisível. A urgência está em entender o presente, na perspectiva esperançosa que combate o otimismo alienado; na espera por boas notícias, para “esperançar” na ação, na busca daquilo que acredito.
Nesta perspectiva, posso afirmar que neste estranho ano de 2020, no campo da educação, tivemos duas tendências predominantes:
- De um lado, uma abordagem tecnológica, dominada pelas produções acadêmicas norte-americanas que apontavam as inovações de ponta e no fluxo, nossas faltas, indicando o quanto precisamos urgentemente avançar.
- De outro lado, uma tendência mais orgânica, humanista que nos reconectou com aquilo que é mais essencial para a educação e, em especial para a escola, para que de fato faça sentido para todos os estudantes e professores.
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Para mim, mais importante que descrever tendências de futuro, prefiro focar nos desejos, defendendo o valor do conhecimento plural.
Considero que no Brasil, no campo da produção acadêmica voltada para área da educação, estamos hoje em pleno “samba de uma nota só”. Os autores europeus e latino-americanos são cada vez mais raros nos catálogos editoriais. Pouquíssimos são traduzidos e publicados no país. Predominam obras de núcleos acadêmicos norte-americanos mais bem avaliados internacionalmente. Obras que sempre apontam caminhos que os educadores brasileiros necessitam seguir, praticamente como uma nova religião.
Eu desejo que este ciclo se equilibre e que as editoras traduzam e publiquem mais autores europeus e latino-americanos acadêmicos ou não, que estão produzindo pesquisas, estudos e projetos que ajudariam muitíssimo os educadores brasileiros a assumirem uma postura mais reflexiva e autônoma, combatendo o consumismo intelectual.
Considero que, no isolamento que a pandemia nos obrigou a viver, possibilitou o acesso a outras vozes, diferentes das mesmas que estávamos familiarizados no campo da educação, proporcionando uma ampliação e diversificação de olhares. Desta forma, se contribuiu para esta outra tendência que chamei de orgânica, na ausência de um nome mais inspirador.
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Pudemos ter acesso aos pensamentos de historiadores, sociólogos, filósofos, ambientalistas, neurocientistas e psicanalistas que apresentaram novos caminhos reflexivos, que se articularam de forma globalizada, rompendo o modelo compartimentado do conhecimento que tanto conhecemos na área. Uma perspectiva que se fortaleceu e que é muito necessária, pois rompe com modelo “dos que sabem que dão luzes para aqueles que nada sabem”. Para mim, esta tendência me encheu de esperança! Espero que cresça e se fortaleça.
É por este caminho que tenho estudado, refletido e dialogado com educadores de todo Brasil, agora viajando pelo computador, acessando obras importantíssimas que não foram traduzidas por aqui. Porém, o mais importante a ser destacado e que eu acredito que é por aqui poderemos deixar de ser o quintal da “casa grande”, para avançarmos rumo a uma educação mais plural, ética e política.
Desejo que seja este um caminho que mobilize os profissionais da educação para estudarem, dialogarem em diversos espaços e produzirem conhecimentos, para que possam romper com os modelos de receitas, passo a passo ou fórmulas salvadoras, que não reconhecem os professores como intelectuais do conhecimento que são, assim como desconsideram as múltiplas realidades brasileiras.
Precisamos aprender a valorizar nossa diversidade e com a mesma força, combater a desigualdade, pois só assim seremos capazes de atingir uma emancipação intelectual tão necessária para a educação brasileira.
Precisamos aprender a educar para a liberdade, solidariedade e justiça social, o que não exclui as inovações tecnológicas, mas também não inverte seu lugar – a tecnologia está a serviço do ser humano… por enquanto. Do contrário, nossas escolas empobrecerão gravemente e os profissionais da educação adoecerão ainda mais.
Que venha o Ano Novo!
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