*Por Ricardo Fragelli
Aulas enfadonhas e sem significado. Conteudista, muito do ensino tradicional resulta em (des)encontros presenciais ou online desmotivadores para o estudante e, em muitos casos, para o professor também.
Os sujeitos estão imersos em uma contemporaneidade viva, que respira criatividade e dinamismo, alegria e liberdade, mas que possui pausas para transmissão de conteúdo em tempo e local determinados. Transmissão quase sempre estéril, que falece logo após a aplicação de uma prova. Decorar e esquecer. Decorar para esquecer. E assim, esquecem-se a si mesmos.
É claro que esse processo não acontece sempre, mesmo no tradicional. Há momentos preciosos em que o conteúdo se associa à estrutura cognitiva do educando, em um esforço espontâneo e sincero, fornecendo significado e aprendizado.
Entretanto, esses momentos parecem cada vez mais raros no tradicional, haja vista que a motivação, segundo Ausubel, é condição mínima para que aconteça a transformação de um conteúdo lógico em psicológico – único para cada pessoa – e temos visto estudantes cada vez menos inspirados em sala de aula.
De forma livre, arrisco definir o engajamento como a motivação que encontrou atitude. Pelo engajamento, a motivação se torna visível e pode ser facilmente verificada, independente da modalidade ou nível educacional.
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As metodologias ativas colocam o educando no centro do processo educativo e faz com que o engajamento seja potencializado. Nesse sentido, há diversas estratégias que logram êxito, contudo, o engajamento é apenas a condição mínima para se atingir um aprendizado significativo.
Afinal, com técnicas de gamificação, por exemplo, é possível estimular um estudante a investir horas ao lado de um material com conteúdos potencialmente significativos sem que aquela experiência tenha propósito com relação à descoberta de seu próprio eu, ponto fundamental da educação, como apregoa Rogers.
Nesse contexto, estamos convictos que o engajamento é condição necessária, mas não suficiente.
Neste artigo são apresentados os pontos principais da metodologia Eight, idealizada para promover engajamento, mas que também faz refletir sobre o propósito das atividades realizadas e como as mesmas se relacionam com a própria história de vida dos educandos.
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Conhecendo o Eight
O Eight é uma metodologia criada no início de 2018 para motivar o estudante, ao mesmo tempo em que oferece aprendizado também ao professor. A metodologia tira o docente da situação cômoda da ilusão de controle para aulas que serão construídas com grande influência dos próprios estudantes.
A metodologia propõe o desenvolvimento de projetos de intervenção na comunidade e na instituição de ensino (figura 1), além de talkshows, visitas técnicas, produção de vídeos.
Para pelo menos 30% dos encontros presenciais, outras estratégias de aprendizagem ativa são flexibilizadas de acordo com as especificidades de cada disciplina (figura 2).
Ao final, é realizado um evento com o mesmo nome da metodologia, Eight, no qual os estudantes realizam uma atividade de metacognição e de síntese em uma apresentação no estilo TED. Cada apresentação tem um prazo delimitado de oito minutos, daí a origem do nome.
Sugerimos iniciar o planejamento dessa metodologia considerando a seguinte questão: quantos talkshows serão realizados na disciplina e quais os respectivos temas? O talkshow (TS) do Eight é uma mesa de conversa mediada pelo professor e formada por dois estudantes veteranos e dois especialistas sobre o tema. O debate é provocado com vídeos e interação com público.
É possível realizar apenas um TS para atender aos requisitos da metodologia, mas o tema escolhido deve estar em sintonia com os objetivos de aprendizagem da disciplina. Nossas pesquisas mostram que o TS é a atividade do Eight mais bem avaliada pelos estudantes (Figura 3).
Para cada TS, é planejada uma visita técnica com a mesma temática e que terá como resultado a produção de um vídeo em primeira pessoa com duração máxima de um minuto. O vídeo será um dos provocadores dos debates do TS, combinado a outros três com perguntas da comunidade. A organização e registro do TS, a visita técnica e os vídeos são produzidos pelos estudantes.
Para aplicar o Eight, a turma será dividida em, pelo menos, 5 grupos, não havendo limite superior. Para a opção de se realizar apenas um TS, temos a seguinte configuração mínima:
- Grupo 1: organização do TS
- Grupo 2: visita técnica, vídeos e registro do TS
- Grupo 3: projeto para a instituição
- Grupo 4: projeto para a comunidade
- Grupo 5: organização e registro do evento final do Eight
Sugere-se que cada grupo seja formado por 4 a 6 estudantes, mas também é possível trabalhar com um número maior de integrantes desde que se ofereça um acompanhamento próximo de modo que todos possam contribuir efetivamente com o desenvolvimento das atividades. O grupo que organiza e registra o evento final do Eight pode ter um número maior de integrantes, haja vista que possuem mais atribuições.
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Caso a turma tenha um número superior a 30 estudantes, podem ser planejados novos TS e mais projetos específicos para a instituição e comunidade, podendo haver também projetos induzidos, elaborados pelo professor e executados pelos estudantes. Para turmas grandes (>100), pode-se utilizar uma configuração de grupos semelhante a esta:
- Grupo 1: organização do TS 1
- Grupo 2: organização do TS 2
- Grupo 3: organização do TS 3
- Grupo 4: visita técnica, vídeos e registro do TS 1
- Grupo 5: visita técnica, vídeos e registro do TS 2
- Grupo 6: visita técnica, vídeos e registro do TS 3
- Grupo 7: projeto induzido
- Grupo 8: organização e registro do evento final do Eight
- Grupos 9, 11, 13, …: projeto para a instituição
- Grupos 10, 12, 14, …: projeto para a comunidade
Durante o processo de organização do evento final do Eight, o grupo responsável se especializa em apresentações no formato talk (palestra curta) e lidera uma fase de ensaios junto aos palestrantes escolhidos pelos grupos.
Nessa etapa, os estudantes são convidados a realizar uma reflexão sobre o que aprenderam ao longo da disciplina e, em especial, no desenvolvimento de seus projetos. Além disso, devem trazer significado humanista, correlacionando o aprendizado com sua própria história de vida (Figura 4). Os talks são gravados no evento final e aqueles que atenderem um certo nível de qualidade são disponibilizados no canal do Eight no Youtube.
Existem definições cuidadosamente planejadas para cada uma das etapas da metodologia e que podem ser acessadas aqui. Para aplicar a metodologia é necessário realizar um curso e atender aos requisitos disponibilizados também no mesmo endereço.
No segundo semestre de 2018, os professores Saleh Khalil e Thaís Fragelli, da Engenharia, e Symone Jardim, do Design, todos da Universidade de Brasília, foram convidados a realizar um piloto com a metodologia e os resultados mostraram um alto envolvimento dos estudantes. Thaís Fragelli agregou bastante ao entendimento do impacto da metodologia ao realizar uma pesquisa sobre as competências empresariais que eram desenvolvidas com a metodologia, sendo finalista de um prêmio na área de educação empresarial em 2019.
Em 2019, foram realizadas duas formações online sobre o Eight de modo a verificar o potencial de replicabilidade da metodologia. Para isso, foi feita uma seleção de docentes com experiência em metodologias ativas e escolhidos 40 professores de diferentes regiões do país e de áreas distintas. Desses, 16 foram escolhidos para aplicação do Eight de modo a ter um acompanhamento próximo. Com isso, foi possível desenvolver um curso online que será disponibilizado gratuitamente para todos os interessados a partir de 2020 em fantasticalizando.com/eight.
Para quem quer conhecer mais sobre a metodologia Eight, assista ao vídeo em que explico como ela foi criada.
Sobre o autor
Ricardo Fragelli é professor dos cursos de Engenharia da Faculdade UnB Gama e do Programa de Pós-graduação em Design, onde orienta trabalhos na área de design educacional. É autor do livro Método Trezentos (Penso, 2019). E-mail: fragelli@hotmail.com.
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