Por Targino de Araújo Filho*
Dois artigos recentes sobre o Ensino Superior brasileiro na International Higher Education voltaram-se para o Ensino Superior privado: um apresentando preocupações sobre o crescimento do segmento com fins lucrativos do setor privado e o outro classificando este setor como o combustível do crescimento econômico brasileiro. Embora o setor privado seja responsável por 76% de mais de 8 milhões de matrículas em cursos de graduação – colocando o Brasil entre os países com a maior proporção de matrículas privadas em todo o mundo – esta consideração merece uma melhor análise.
De fato, a expansão do Ensino Superior no Brasil sempre ocorreu com a participação do setor privado, composto majoritariamente por Instituições de Ensino Superior (IES) comunitárias, religiosas e filantrópicas, e desempenhando um papel complementar ao setor público. Com o tempo, a situação progrediu e, em 1997, o setor privado foi responsável por 61% das matrículas. Com a legalização de instituições com fins lucrativos, o sistema ganhou uma nova dinâmica, resultando em 2.364 IES em 2015, entre as quais 2.069 eram privadas, com IES com fins lucrativos respondendo por cerca de 50% das matrículas.
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A adoção de uma lógica comercial
Com o apoio de fundos de investimento – em sua maioria estrangeiros –, uma subseção das IES com fins lucrativos começou a adquirir instituições menores, fundindo-se a outras, lançando suas ações na bolsa de valores e transformando-se em grandes grupos comerciais. Onze desses grupos detêm cerca de 40% das matrículas, com um deles detendo quase a metade desse percentual. Apenas quatro desses principais grupos de IES não lançaram suas ações, enquanto outros três são empresas norte-americanas. Os outros quatro dos principais grupos de IES, incluindo os dois maiores, são empresas brasileiras de capital aberto que, tendo fundos de investimentos internacionais como principais acionistas, constituem um dos segmentos mais lucrativos da bolsa de valores brasileira (BM&FBovespa).
De fato, esses dois grupos tentaram fazer uma fusão em 2016, mas isso foi impedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Inquestionavelmente, o que se observa é uma oligopolização do setor de educação privada com todas as implicações arriscadas a ela associadas.
Observando os nichos de mercado dentro do setor de IES, o maior investimento é em programas de baixo custo que não requerem laboratórios ou professores altamente remunerados, como nas Ciências Sociais, Administração e Direito. Esses programas absorvem 38% do total de matrículas no país, sendo o setor privado responsável por 86,8% dessa participação.
A maioria desses programas é oferecida à noite e tem como grupo-alvo uma proporção considerável da população acima da idade escolar esperada (estudantes não tradicionais). Além disso, em relação aos programas de graduação online, a hegemonia do setor privado é notável, com cerca de 91% das matrículas. Aqui, novamente, a maior concentração de admissões é na área de Ciências Sociais, Administração e Direito (44%), seguida por Educação (38%).
Ao olhar para os programas de pós-graduação, a situação é completamente inversa por causa dos custos envolvidos com laboratórios, bibliotecas e salários acadêmicos. Neste nível, a participação do setor privado atinge apenas 19% das matrículas. De fato, o sistema de pós-graduação brasileiro, essencialmente público, coloca o país no centro das atenções tanto no contexto latino-americano quanto no global, com o país ocupando a 14ª posição em termos de produção científica.
Implicações para a qualidade das admissões
Enquanto o setor privado responde por 76% de todas as matrículas, o percentual de acadêmicos em instituições privadas é de apenas 57% do total instrucional, o que aponta para uma provável precariedade das condições de trabalho. Além disso, enquanto no setor público 56,5% do pessoal acadêmico tem doutorado e 29,6% mestrado, no setor privado esses percentuais são 20,7% e 48,1%, respectivamente.
Em termos de política de contratação, estima-se que no setor público 84% dos acadêmicos são contratados em tempo integral, enquanto no setor privado o percentual é 37%. Como resultado, uma avaliação da qualidade das IES apresenta grandes contrastes. As notas variam de 1 a 5, sendo 3 o mínimo aceitável, e, enquanto nas instituições públicas 32,8% tem nota mínima de 4, essa porcentagem é de 15,5% entre as instituições privadas. Considerando apenas universidades, as porcentagens são 59% e 20%, respectivamente.
Além dos elementos já apresentados – especialmente a alta concentração de matrículas em certos programas –, esses indicadores revelam que obter um diploma geralmente torna-se um fim em si mesmo.
Ou seja, é provável que os estudantes procurem qualquer diploma, independentemente da qualidade do treinamento, considerando que a sua escolha de programa é frequentemente determinada pela facilidade de acesso ou pela falta de opções alternativas. Além disso, eles também revelam que a expansão das matrículas no setor privado não implica democratização de acesso, uma vez que as opções disponíveis são bastante restritas.
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Implicações
Embora o processo de massificação do Ensino Superior no Brasil tenha apenas começado, uma vez que a taxa líquida de matrículas é de apenas 18%, um novo Plano Nacional de Educação foi aprovado em 2014. Esse plano estabelece metas como a porcentagem do PIB a ser aplicada em educação – que deve chegar a 10% em 10 anos – e a taxa líquida de matrícula, que deve chegar a 33% no mesmo período, com 40% das novas admissões no setor público.
Este é, de fato, um grande desafio, mas não inviável, considerando os importantes processos de expansão e capilarização que ocorreram no setor público federal em 2013–2014. Esses processos dobraram o número de matrículas no setor, tanto nos níveis de graduação quanto de pós-graduação, e criaram 173 novos câmpus e 15 novas universidades. Isso também teve uma dimensão social significativa, uma vez que, por meio da “lei de cotas”, as universidades federais alcançaram em 2016 a meta esperada de reservar 50% de suas matrículas para alunos de escolas públicas.
Embora no Brasil um histórico escolar público indique que os alunos são de famílias de baixa renda, a lei estipula adicionalmente que metade dos lugares reservados deve ser para estudantes de famílias com uma renda per capita inferior a 1,5 salário mínimo. Além disso, a lei também estipula que os negros, pardos e indígenas, assim como as pessoas com deficiência, devem ser incluídos na cota em uma proporção no mínimo equivalente à existente no estado onde a universidade está localizada.
Infelizmente, as condições econômicas e políticas do Brasil podem impedir que esse processo de expansão do setor público de Ensino Superior continue. Na verdade, o oposto pode ocorrer, como indicado por recentes medidas econômicas, como o congelamento de despesas incorrido pelo governo federal por um período de 20 anos.
Além disso, os discursos oficiais e a mídia estão afirmando novamente que as universidades públicas gastam muito, são caras e, portanto, um país como o Brasil não pode pagar por elas. Os recursos públicos não são vistos como investimentos para construir um país soberano, capaz de produzir soluções para os problemas enfrentados pelas diferentes regiões.
Este é um momento extremamente delicado, porque as perspectivas apontam para a estagnação ou a continuação da massificação de baixa qualidade, o que trará poucos benefícios para o desenvolvimento socioeconômico do país.
*Escrito por Targino de Araújo Filho, o artigo “Repensando o Ensino Superior Privado no Brasil” está na edição nº 94 da International Higher Education – publicação trimestral do Centro para Ensino Superior Internacional. A tradução é do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp).
Sobre o autor
Targino de Araújo Filho é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e acadêmico visitante no Centro para Internacionalização do Ensino Superior (CHEI), na Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão, Itália. E-mail: targino@ufscar.br.
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