Capacitação Docente

Pós-graduação não ensina para a docência

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Ter uma pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado ou doutorado, é normalmente um pré-requisito para a contratação de professores no ensino superior.

Isso acontece porque um dos requisitos legais para que uma instituição seja reconhecida como universidade é que pelo menos um terço do corpo docente seja mestre ou doutor.

Porém, em grande parte dos cursos de pós, as atividades de pesquisa acabam predominando nos currículos, deixando de fora o ensino e a extensão, outros pilares fundamentais para um ensino superior de qualidade. Afinal, entrar em sala de aula exige muito mais do que o conhecimento específico de uma disciplina.

Pós-graduação e docência

Muitas vezes, o conhecimento adquirido ao longo de anos de pesquisa não vem acompanhado de treinamento sobre didática. Crédito: Cecilia-Bastos/USP.

A pós-graduação e o modelo tripé

Existem dois tipos de pós-graduação: a stricto sensu e a lato sensu. A primeira é mais voltada à pesquisa e é ela que é exigida como titulação mínima para a contratação de docentes na maioria das universidades federais. O primeiro tipo inclui o mestrado, com duração de dois anos e que culmina em uma dissertação, e o doutorado, que demora o dobro e é finalizado com a apresentação de uma tese.

Já a lato sensu é composta por cursos de especialização e pelos Master Business Administration, conhecidos pela sigla MBA, com carga mínima de 360 horas. Ao concluir o curso, o estudante não recebe um diploma, mas um certificado. Por vezes, ele é considerado requisito para o ingresso no corpo docente de instituições de ensino superior privadas.

O modelo tripé das universidades, que considera o ensino, a pesquisa e a extensão como valores indissociáveis surgiu com a Reforma Universitária de 1968, com a promulgação da Lei nº 5.540 em 28 de novembro.

Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a Lei nº  9.394 que revogava a anterior, remanescente do governo militar. Dentre as semelhanças das duas legislações, estão o modelo de tripé e o privilégio à pesquisa nas IES.

Destaca-se, sobre esse assunto, o artigo 43, no qual está previsto que a educação superior tem por finalidade incentivar a pesquisa, promover a divulgação de conhecimentos por meio do ensino, realizar atividades de extensão abertas à população e atuar em favor da universalização e do aprimoramento do ensino básico.


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O estágio de docência não é suficiente

Foi também durante o governo Fernando Henrique que o estágio de docência passou a ser obrigatório para todos os bolsistas de pós-graduação de órgãos federais. A decisão foi registrada no ofício circular n° 28/99/PR/CAPES.

Em 2010, a situação mudou pela portaria CAPES nº 76 de 14 de abril e o público se tornou mais restrito: apenas os doutorandos que recebem bolsas federais devem cumprir essa exigência, exceto quando não houver a oferta de cursos de doutorado na IES, passando, assim, a obrigatoriedade para o mestrado.

Em resumo, o estágio docente consiste no acompanhamento de uma disciplina da graduação pelo pós-graduando. No mestrado, o tempo mínimo é de um semestre; já no doutorado, dois semestres, com carga horária máxima de quatro horas semanais. A preferência é por uma disciplina que seja ministrada pelo seu orientador. No entanto, caso ele não esteja oferecendo cadeiras na graduação ou se a temática não tiver relação com a pesquisa do orientando, é possível optar por acompanhar outro docente.

A obrigatoriedade do estágio em docência para aqueles pós-graduandos que não contam com bolsas federais, no entanto, fica a cargo de cada instituição de ensino. Até mesmo dentro de uma mesma universidade, pode haver variações na norma de acordo com o programa de pós-graduação – alguns atendendo à norma federal e outros ampliando para os demais estudantes do PPG.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Feira Santana (UEFS), evidencia a relevância dessa prática para a aprendizagem pela homologia. Ou seja, pela observação e pela troca entre pares.

“O pós-graduando aprende com os professores em exercício, que já possuem uma carreira profissional mais longa”, afirma o estudo.

Por vezes, apenas fornecer o estágio docência não é o suficiente, conforme afirmaram pós-graduandos ao Jornal da Universidade, produzido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

“Não há o apoio metodológico necessário. A pós-graduação é a formação dos professores, mas não temos esse apoio”, comentou Bruna da Rocha, mestranda em Desenvolvimento Rural na UFRGS.


“O estágio docente deixa claro que estamos estudando, mas acaba não tendo o caráter formativo”, avaliou Lucas Beraldo, pós-graduando em Ciências do Movimento Humano na UFRGS.

Dentre as principais reclamações apresentadas pelos estudantes estão a ausência de disciplinas que preparam para a docência e a ausência de apoio metodológico. Segundo eles, torna-se difícil ter controle da sala de aula e manter relação proveitosa com os estudantes de graduação sem o preparo necessário.

Segundo a mesma reportagem do Jornal da Universidade, dos 89 programas de pós da universidade – considerada uma das melhores do País – apenas seis afirmam ter cadeiras sobre metodologia de ensino. Em geral não há uma disciplina e as atividades são elaboradas em conjunto com o docente responsável pela cadeira em que atuará o estagiário.  Ou seja, não se trata de uma formação pedagógica para dar aulas, mas do modo como o orientador ensina e das metodologias que ele usa – o que nem sempre significam bons e atualizados processos.

Na Universidade Federal de Roraima, um estudo envolvendo docentes concursados demonstrou que a maioria deles realizou estágio docência. No entanto, menos da metade destes possuiu disciplinas como Metodologia do Ensino Superior, Metodologias Alternativas de Aprendizagem, Percursos Formativos em Docência do Ensino Superior, Programa de Aperfeiçoamento ao Ensino, por exemplo.


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Projetos buscam mudar a realidade

Em uma tentativa de contornar os percalços do preparo de mestrandos e doutorandos para a docência, mesmo já ofertando os estágios conforme obrigatoriedade, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), criou em 2016 um grupo de estudos para formular práticas de formação didático-pedagógicas.

“É isso que deveria estar sendo exigido dos professores quando ingressam nas universidades, mas não existe um curso para prepará-los”, afirmou, à época da criação do grupo, a pedagoga e professora Selma Garrido ao jornal USP.

Iniciativas semelhantes também estão sendo realizadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É o caso do programa de pós-graduação em Engenharia de Produção, em que os alunos podem participar do Modernization of Undergraduate Education Program, que treina os estudantes em práticas de ensino e possibilita a realização de intercâmbios nos Estados Unidos em universidades que são reconhecidas pelas metodologias de ensino.


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