As inovações tecnológicas estão gerando impactos em todos os setores da sociedade. E a educação não fica imune a essa influência. Vide as chamadas metodologias ativas de ensino.
Auxiliados pela agilidade das ferramentas online, os modelos pedagógicos identificados com esse conceito buscam colocar o aluno como protagonista no processo de aprendizagem, o que amplia seu engajamento e comprometimento.
A quebra de paradigma exige mudanças profundas nas práticas de sala de aula, tornando-se um desafio para professores, alunos e gestores. É o que diz um dos maiores defensores da modernização das abordagens de ensino no Brasil, o pesquisador José Manoel Moran, 70 anos.
Filósofo, doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professor aposentado de Novas Tecnologias, Moran é autor de diversos livros sobre pedagogia e inovação. O mais recente, Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora: Uma Abordagem Teórico-Prática, escrito em parceria com a bióloga e pedagoga Lilian Baibich, foi lançado no fim de 2017 pela Editora Penso.
“Existe uma clara consciência em relação ao esgotamento do modelo antigo, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior”, afirma Moran, em entrevista ao portal Desafios da Educação.
Nascido em Vigo, na Espanha, e naturalizado brasileiro em 1988, o professor acredita que o sucesso na implementação das metodologias ativas vai além das salas de aula e requer um esforço global: “É um trabalho amplo, que precisa abranger alunos, professores, gestores e até famílias, em alguns casos”.
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A seguir, confira a entrevista completa com José Moran:
Os estudos de metodologias ativas já vêm de uma larga tradição acadêmica. Por que eles estão demorando tanto para entrar efetivamente na sala de aula?
Talvez alguns grupos ainda não saibam como fazer a migração prática para uma nova forma de ensinar. É mais uma insegurança do que um questionamento. Existe uma clara consciência em relação ao esgotamento do modelo antigo, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior. Esse é um movimento mundial, não só brasileiro. Num mundo tão incerto e com tantas transformações, a educação também tem essa mesma urgência de se reorganizar.
Quais impactos as novas metodologias exercem sobre a postura dos alunos em sala de aula?
Falar de metodologias é abordar uma mudança ampla. A aula invertida, por exemplo, é uma técnica útil quando bem feita, mas dá trabalho para o aluno. Ele não deve esperar que o professor lhe entregue tudo pronto. É uma inversão da lógica tradicional. O estudante também tem que ser mais consciente, gerenciar melhor o tempo e ir atrás do conteúdo. Isso é algo novo para muitos alunos que estão acostumados a um modelo de obediência. O que está por trás não é tanto a metodologia. Continuamos exigindo 75% de frequência de aulas, por exemplo. O conteúdo online é uma espécie de adicional, mas não se mexe nas aulas presenciais. Do contrário, o modelo fica manco.
Em relação ao conteúdo online, o Ministério da Educação (MEC) instrui os cursos de Educação a Distância (EAD) que possuem atividades presenciais previstas em suas diretrizes curriculares, como práticas e estágios, a oferecê-las aos alunos. Até que ponto isso pode desconfigurar o modelo de EAD?
Há vários fatores. Às vezes, o EAD concentra-se muito no conteúdo e pouco na experimentação. Alguns modelos foram simplistas nesse sentido. Entretanto, a experimentação é uma necessidade evidente em setores como Saúde e Engenharia, entre outros. Isso é notado até mesmo na área de Humanas. Pensar apenas em conteúdo é uma estratégia insuficiente.
Como uma instituição pode implementar uma nova metodologia? O processo de inserir o protagonismo do aluno em sala de aula deve ser gradual ou é preferível o rompimento total com o modelo antigo?
O ideal seria romper, mas a instituição precisa estar preparada para o novo modelo. Geralmente, o início se dá por alguns cursos, e o processo vai sendo ampliado aos poucos. As escolas começam com a aula invertida ou combinam o presencial e o online. São aproximações para modelos mais disruptivos. A adequação dos professores também demanda tempo. É preciso aprender a apoiar aqueles professores mais inquietos, juntá-los em grupos nos projetos que integram diversas áreas, como nos processos STEM [acrônimo para os termos Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática em inglês]. O caminho intermediário, portanto, torna-se mais viável.
A formação dos professores dentro das universidades já introduz os novos profissionais ao ensino ativo?
Há professores mais jovens e empreendedores que já fizeram experiências. Eles são um pouco mais criativos ou atentos e estão prontos para dar saltos maiores, mas representam a minoria. Os outros precisam de um apoio maior de formação, direcionamento e tutoria para que se sintam seguros. Estamos numa época de crise, com demissões de professores por motivos principalmente econômicos. O docente tem muito medo de ser mal avaliado, de falhar e acabar pagando o pato. Esse é um trabalho amplo, que precisa abranger alunos, professores, gestores e até com as famílias, em alguns casos. É uma mudança de cultura para todos.
O mercado da educação tem dado oportunidades para testar estes novos modelos?
Existem universidades, como a Unicesumar, do Paraná, que estão contratando pessoas de outros lugares para trabalhar com metodologias inovadoras. Há uma demanda por bons profissionais nesse sentido, seja em gestão, docência, autoria de cursos ou design instrucional. Quem conhece as metodologias ativas e o uso de tecnologias digitais tem um campo muito promissor como professor-empreendedor. Vários profissionais estão buscando transformar uma parte do conteúdo para que fique online e combinando isso com experimentações e práticas. É um campo novo e em ampliação.
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As séries de ficção viraram uma febre entre os jovens, que costumam assistir a diversos episódios em sequência – nas chamadas maratonas. Isso prova que ainda é possível captar a atenção das novas gerações com conteúdo interessante? Como os professores podem transpor isso para as salas de aula?
O aluno não fica muito passivo ouvindo alguém. É preciso que seja muito interessante para mantê-lo por muito tempo. Nesse sentido, uma aula regular é um tiro no pé. Gamificar, experimentar, trabalhar com situações reais, aprender junto, tudo isso faz sentido para os jovens. Partir do jogo como um elemento catalisador e dinamizador é importante para eles. Mas queremos que aprendam profundamente, e não apenas brinquem.
Quais seriam as dicas para o professor que deseja introduzir as novas metodologias em aula? Existe um roteiro a ser seguido?
Ele pode introduzir algumas técnicas em sua disciplina, como a aula invertida, ou criar sistemas para que os alunos circulem pelas atividades em sala de aula. É importante explicar para a turma o porquê de estar fazendo aquilo. A instituição também deve ser informada – não pode ser algo escondido. É muito melhor quando se tem o apoio institucional.
O senhor já enfrentou resistências à aplicação dos novos modelos?
Tudo que é diferente encontra resistência. Não adianta dizer que todo mundo está pronto. Tem gente que não se interessa. Mas tudo se torna mais fácil quando há uma diretriz institucional. Caso contrário, a coisa fica muito vaga, o corpo docente fica dividido. As instituições que avançam são as que têm um claro direcionamento e possuem algum nível de consenso, em que todos conversam para ver o ritmo da mudança. Isso depende de todos, não apenas de um “diretor iluminado”. Professores, alunos, todos devem saber para onde a instituição está indo. Ninguém tem todas as respostas prontas. É um modelo em construção.
Qual a importância do suporte tecnológico para a implementação de metodologias ativas?
Tecnologia é fundamental para a vida. Os recursos inovadores permitem compartilhar, aprender junto, personalizar o processo e orientar a tutoria. Hoje há um grande apoio para instituições, professores e alunos. Sem esse acesso, as possibilidades diminuem. Vira uma aprendizagem de segunda classe. Infelizmente, metade dos brasileiros tem um acesso horroroso à tecnologia. Precisamos melhorar muito, especialmente no que diz respeito aos mais pobres. Mas, claro, a tecnologia não resolve tudo sozinha.
Como definir qual a metodologia adequada para uma instituição?
É preciso pensar a partir do currículo. Ou seja, aquilo que você organiza para que o aluno aprenda. Por exemplo: o aluno vai se tornar mais ativo e falar menos com o professor em sala. Como você faz isso? O que fazer para o aluno conhecer essa realidade? Que projeto desenvolver? Com quem? Em que contexto? As respostas vão desenhando o contexto, com base num currículo de valores e competências a serem desenvolvidas. A partir disso, entram os conteúdos. A metodologia representa a forma de fazer tudo isso. Ela é parte de algo maior, que engloba experiências, roteiros de aprendizagem, sistemas mais flexíveis.
Até porque as áreas de conhecimento são muito fixas.
Claro. Daí a necessidade de se adaptar metodologias, usar híbridos e interdisciplinares até chegar ao transdisciplinar. Tudo isso embasado no projeto de vida do aluno, ressaltando valores não apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida dele. A ideia é fazê-lo lidar com um futuro complexo, torná-lo uma pessoa que viva valores, aprenda a compartilhar e ao mesmo tempo a trilhar um pouco o seu caminho com autonomia.
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