Por Maristela Castro
Para a surpresa de muitos, a primeira medida do governo Jair Bolsonaro em relação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi a inclusão de um artigo, logo no dia 3 de janeiro, que disciplinou à validação da escusa de frequência por consciência religiosa.
Em outras palavras, significa que qualquer pessoa matriculada em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível de ensino – do básico ao superior, exceto militar –, poderá ser dispensada de atividades devido à religião.
À normativa, deve-se incluir atividades como aulas, provas, concursos públicos e outras formas de seleção educacional em que alguém possa se sentir discriminado, não podendo participar em vista de consciência, credo ou doutrina religiosa. A lei passa a vigorar a partir de março. As instituições terão até dois anos para se adequarem à nova diretriz.
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Lei requer complementos
Estranhou-se, claro, o açodamento com a lei – sancionada logo nos primeiros dias de mandato. Seguramente, o ato não foi casual ou impensado. Antes subscrita e pronta para tal aditamento, provavelmente estava guardada só esperando o dia da publicação.
A assinatura do texto também chamou atenção. Ao lado da rubrica de Bolsonaro está a do ministro da Justiça, Sérgio Moro, não a do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez.
Reflexões (políticas e legislativas) à parte, vale dizer que uma parcela significativa das instituições de ensino já era sensível aos pedidos de ausência por religião. A diferença é que, agora, a flexibilidade se estende a todas as organizações, provocando um novo patamar de ajustes de programas, calendários acadêmicos e atividades docentes e discentes.
Tais contornos, no entanto, exigem normativas complementares sobre diversas questões. Por exemplo: qual o prazo estipulado para requerimentos do tipo? Quem deferirá – ou não? Existirá ou não necessidade de documentação comprobatória de membramento em tal religião ou seita, de doutrina de guarda de determinados dias da semana? Ou um simples requerimento assinado pelo peticionante, protocolado na secretaria, sob vistas do coordenador de curso, coordenação pedagógica ou do docente será o suficiente para a dispensa?
Agora, a flexibilidade se estende a todas as organizações, provocando um novo patamar de ajustes de programas, calendários acadêmicos e atividades docentes e discentes.
Há mais perguntas do que respostas. Segundo o texto, o aluno deverá apresentar um requerimento prévio para informar a ausência. A lei também informa que, para compensar a falta, a instituição terá de disponibilizar uma data alternativa para realização da atividade (prova ou aula de reposição) ou determinar a realização de “trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega”.
Conheci muitos alunos sabatistas que concluíram seus cursos assistindo aulas de segunda à quinta-feira – sem descumprir seus preceitos religiosos, mas aumentando o tempo de terminalidade.
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A vez das instituições de ensino
Para os cursos mediados por tecnologias há uma organização e oferta diferenciada que vêm ao encontro das particularidades e diversidades de situações pessoais. Em se tratando dos estudos, uma vez disponibilizados na plataforma digital podem ser facilmente acessados em lugar, hora e dia que melhor for para os sujeitos.
Normalmente, as avaliações obrigatórias presenciais são disponibilizadas em dias, turnos e horários diversos, considerando as necessidades particulares de cada estudante. Nesse caso, a organização de cursos tecnológicos pode se adaptar mais facilmente à legislação, sem grandes transtornos, remodelagens ou investimento de recursos financeiros.
Às demais instituições, é provável que a lei implique em novos custos, que não poderão ser repassados a alunos em particular, mas possivelmente distribuído entre todos. O objetivo é atender a todos da melhor forma possível.
O ser humano já carrega consigo particularidades merecedoras de respeito, atenção e empatia – vicissitudes difíceis de contemplar em âmbito institucional. No entanto, isso jamais foi desculpa para não ouvir ou entender os estudantes e clientes. A lei do equilíbrio e do bom senso não mudou.
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Sobre a autora
Maristela Castro, pedagoga, é mestre em Políticas Públicas e especialista em psicopedagogia e em educação mediada por tecnologias.
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