Por Elana Sigall
O ensino fundamental é o último lugar que a maioria de nós quer voltar, mas voltei voluntariamente no mês passado.
Minha sobrinha estava lutando com as aulas da 7ª série do ensino americano. Seus pais perguntaram se eu, uma ex-professora e consultora educacional, poderia ajudá-la a enfrentar o ensino remoto – o que muitos chamam de “Escola Zoom”. Portanto, transformei minha mesa de cozinha em uma sala de aula e passava oito horas por dia frequentando aulas online com ela e treinando-a nos deveres de casa.
Eu estava tendo uma visão interna, não apenas do desenvolvimento da minha sobrinha. Mas também do ensino e aprendizado online em uma das escolas públicas de ensino médio mais procuradas do Brooklyn.
O que vi foi alarmante
O ensino fundamental é o momento para as crianças construírem uma base para o sucesso no ensino médio e além. É hora de aprimorar as habilidades de funcionamento executivo essenciais para organizar sua redação, seu raciocínio e suas mochilas.
Mas na “escola Zoom” minha sobrinha não tinha um único caderno. Todo o seu trabalho foi feito em um notebook que ela havia emprestado de sua mãe. (Pelo menos ela tinha um dispositivo e um teclado –muitas outras crianças usavam telefones ou iPads, ou estavam ausentes.) Mesmo assim, minha sobrinha, como muitas outras, sempre usou lápis e papel. Ela ainda não tinha aprendido a digitar.
Em muitas turmas, a única maneira de os alunos participarem era colocando as respostas em uma caixa de bate-papo. Minha sobrinha lutou para digitar rápido o suficiente para entrar nas conversas. Sua incapacidade de acompanhar a levou a fornecer respostas de uma palavra ou simplesmente parar de participar.
Leia mais: Ensino remoto exige boa comunicação entre família e escola. Saiba como melhorar essa relação
Sabemos como é difícil conduzir uma reunião online envolvente e produtiva. Infelizmente, as incursões nas conversas em grupo que vi com alunos do ensino fundamental alternaram entre o ar morto e o caos. Depois de alguma confusão em massa no início de uma aula, um professor passou o resto do período verificando as telas dos alunos para ter certeza de que estavam na página certa.
Os professores, que foram alertados de que as crianças podem ser emocionalmente frágeis, constrangidas com o que as cerca ou sem privacidade – todas as preocupações significativas –, repetiram lembretes de que ninguém deveria se sentir pressionado a aparecer diante das câmeras.
Mas, sem alternativas úteis para interação significativa, as crianças adormeceram. As técnicas usuais dos professores para envolver as crianças lendo rostos e linguagem corporal eram quase impossíveis de implantar online.
Parece que os professores receberam pouco treinamento sobre como transferir a instrução para um ambiente virtual, especialmente para crianças com dificuldades de aprendizagem.
Como resultado, esperava-se que os alunos do ensino fundamental de minha sobrinha ensinassem o material por conta própria. Vídeos comercialmente disponíveis encheram nossos dias em uma monotonia de desligamento. Matemática e ciências eram ensinadas por meio de formatos de múltipla escolha e jogos de combinação. Os alunos da aula de espanhol assistiram a um vídeo de uma voz sem corpo contando até 20 e, em seguida, receberam uma planilha para aprenderem a contar as horas.
Leia mais: Aprendizagem pode retroceder até 4 anos sem aulas presenciais, diz FGV
Em vez de incorporar o envolvimento ativo e dar uma atenção individual para os alunos, o ensino remoto foi designado como “período de trabalho”, em que os professores estavam fora das câmeras, mas presentes “caso você tenha alguma dúvida”.
As dificuldades de aprendizagem de minha sobrinha dão a ela o direito a apoio extra, mas ela não tem nenhum online. Ela estava completa e totalmente perdida.
Depois de semanas de ajuda individual, minha sobrinha está começando a florescer. Trabalhei com ela para aprofundar seu pensamento e ampliar seu vocabulário. Eu digitei para ela quando caçar e bicar se tornaram opressores. Ela sorriu quando viu como sua escrita poderia capturar as ideias em sua cabeça.
Todos os alunos merecem esse tipo de apoio. E embora consertar este ano letivo possa não ser realista, as vacinas estão aí. Não podemos mandar nossos filhos de volta à escola no próximo semestre e retomar os negócios normalmente.
Precisamos de um grande e corajoso plano nacional destinado a ajudar os alunos a recuperar tudo o que perderam. Minha experiência ressaltou que, na era do ensino remoto, não pode haver solução que não inclua atenção individual para as crianças. Só que essa é uma proposta cara.
Leia mais: 5 dicas para transformar sua casa na melhor sala de aula possível
Um relatório recente da Brown University destacou a importância dessa atenção individual e estimou que, nos Estados Unidos, o custo de um programa nacional de tutoria ficaria na casa de US$ 50 bilhões. O custo de não fazer isso e deixar uma geração de crianças lutando por trás, porém, é muito maior.
É claro que a pandemia exacerbou severamente as lacunas existentes na educação e criou outras. Precisamos fazer tudo o que pudermos para garantir que todas as crianças recebam o apoio de que precisam.
Sobre a autora
Elana Sigall é advogada que atuou como chefe da política de educação especial da cidade de Nova York e ex-secretária adjunta de educação do governador de Nova York. Ela ministrou cursos de direito e educação na Columbia Law School e Teachers College e atualmente presta consultoria a organizações e indivíduos sobre uma variedade de questões educacionais. Seu depoimento, traduzido e editado pelo Desafios da Educação, foi publicado originalmente no Chalkbeat Nova York.
Comments