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Dia dos Professores: até que ponto os docentes são responsáveis pelo que se vê hoje na EaD?

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Ao menos 53% dos alunos de licenciatura em instituições públicas e 61% em privadas abandonaram a universidade antes de se formar, segundo o Censo da Educação Superior de 2023. Esses dados acendem um alerta para o risco iminente de um apagão de professores no Brasil.

Fatores como carga horária excessiva, baixa remuneração e falta de perspectiva de carreira explicam o crescente desinteresse pela docência. Muitos veem o desafio da profissão como insustentável, e a precarização das condições de trabalho agrava ainda mais o cenário. Isso é especialmente preocupante, já que a qualidade do corpo docente é crucial para a eficácia do ensino.

Um estudo inédito realizado por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto Península mostrou que a figura do professor é responsável por quase 60% do resultado dos alunos na educação fundamental. Isso significa que a influência de quem ensina é maior do que a soma de todas as outras variáveis da escola pública. Incluindo a infraestrutura das escolas, o número de alunos por turma e o nível de escolaridade dos responsáveis.

Embora a pesquisa trate de uma etapa da educação básica brasileira, o impacto do professor é claro em todos os níveis, inclusive na formação superior. Em 1983, o pernambucano Paulo Freire afirmou que “a educação é um ato de amor e coragem”. Essa citação segue sendo pertinente. Os desafios são inúmeros, mas a chave para superá-los está no trabalho docente.

Em celebração ao Dia dos Professores, nossa redação traz uma seleção de práticas inovadoras, aplicadas por profissionais que têm transformado a educação digital, tanto no Brasil quanto além de suas fronteiras.

Em busca do melhor resultado

Imagine um típico curso de física universitária: alunos tomando notas freneticamente, lutando com a lição de casa, estudando para provas difíceis. Agora, visualize um tutor sempre disponível, pronto para responder a perguntas, sem jamais cansar ou julgar. Foi isso que aconteceu em Harvard, quando o professor Gregory Kestin decidiu testar um chatbot com inteligência artificial (IA) em sua disciplina de Ciências Físicas.

A ideia era, a um só tempo, simples e ambiciosa: substituir parte das aulas presenciais por um tutor virtual, capaz de interagir diretamente com os alunos e ajudá-los a entender os conceitos mais complexos da cadeira.

(Foto: Reprodução/The Harvard Gazette)

O sistema tutor de IA personalizado que os alunos usaram durante o experimento, Kestin e a professora Kelly Miller, ambos docentes da universidade, projetaram a IA para simular o comportamento de um mediador com anos de experiência. O resultado? Os alunos que utilizaram o tutor virtual não apenas se saíram melhor no teste — eles também assimilaram os conteúdos de forma mais rápida. Os pesquisadores acreditam que a capacidade dos alunos de obter feedback personalizado é uma vantagem em comparação com o aprendizado em sala de aula.

Estudantes que tiveram acesso ao tutor virtual apresentaram melhores resultados no experimento de Harvard (Foto: Reprodução/The Harvard Gazette)

O grupo de alunos que utilizou o tutor de IA obteve um aumento médio de 22% em seus resultados em comparação ao grupo que participou de aulas tradicionais. A pontuação média dos alunos com IA foi de 4.4 no pós-teste, contra 3.6 dos que tiveram aulas presenciais. Além disso, os estudantes relataram maior engajamento e motivação ao interagir com a ferramenta digital. “Foi chocante e muito empolgante”, destacou Miller, refletindo sobre o impacto inesperado. Para evitar as temidas “alucinações” dos chatbots, o tutor inteligente recebeu de humanos todas as soluções corretas.

Simulações clínicas realísticas

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os erros médicos causam 2,6 milhões de mortes por ano, o que equivale a cinco pacientes falecendo a cada minuto. Aproximadamente 40% dos pacientes em atendimento primário e ambulatorial sofrem algum tipo de prejuízo, com os principais erros relacionados a diagnósticos equivocados, prescrição inadequada e mau uso de medicamentos. Ao fornecer um cenário controlado e seguro de experiência prática, a simulação clínica realística no ambiente universitário tem o potencial de mudar esse cenário.

Um projeto, liderado pelo doutorando Rodrigo Pongeluppi e pelo professor Ricardo Santos de Oliveira, ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), da USP, utiliza simulação ultrarrealista para treinar neurocirurgiões. Um exemplo do uso da tecnologia envolveu a cirurgia para a remoção do schwannoma vestibular, um tumor cerebral que compromete o equilíbrio e a audição à medida que cresce.

A combinação de modelos impressos em 3D com realidade virtual permite que os cirurgiões pratiquem em um ambiente seguro, sem a necessidade de cadáveres, recurso cada vez mais escasso no Brasil. Os modelos reproduzem fielmente a anatomia do paciente, incluindo a presença de sangue e as condições dos tumores, oferecendo uma experiência de aprendizado detalhada e imersiva.

De acordo com o professor Ricardo de Oliveira, modelos como esse estarão cada vez mais presentes em serviços de treinamento. “O Brasil está na vanguarda desse tipo de tecnologia. Algumas empresas privadas aqui estão bastante avançadas no desenvolvimento de tecnologia da realidade aumentada, do modelo híbrido e no treinamento utilizando a tecnologia do metaverso”, afirmou ao Jornal da USP.

O projeto também integra o mundo virtual com elementos físicos, criando um ambiente híbrido acessível via dispositivos móveis, como tablets e celulares. Esse modelo tem o potencial de revolucionar o ensino médico, ao acelerar a curva de aprendizado e melhorar a segurança dos procedimentos. Para os docentes, a tecnologia proporciona uma ferramenta poderosa, permitindo que adaptem os cenários de treinamento às necessidades específicas dos alunos, oferecendo feedback imediato e garantindo um aprendizado contextualizado .

Esse tipo de abordagem pode servir de inspiração para educadores em outras áreas, principalmente na educação a distância (EaD). A utilização de simulações interativas, realidade virtual e aumentada pode transformar a forma como o conteúdo é absorvido, proporcionando uma experiência imersiva e engajante, especialmente para alunos que precisam de flexibilidade em suas rotinas. Um exemplo prático dessa aplicação vem do Ecossistema Ânima, onde estudantes de Medicina têm acesso a um paciente virtual para treinamentos interativos, reduzindo a ocorrência de erros clínicos ao longo de sua formação.

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Como a inteligência artificial pode ser usada na educação

De acordo com os dados apresentados no Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023 da Unesco, cerca de 54% dos países já deram passos concretos no estabelecimento de padrões relacionados a competências digitais no contexto educacional. Esse número reflete um movimento global em direção à integração da tecnologia e da alfabetização digital no currículo escolar e nas práticas pedagógicas.

A IA pode fornecer personalização em escala de maneiras que não eram possíveis anteriormente. Um exemplo disso aconteceu há pouco tempo na Ivy Tech. A faculdade comunitária de Indianápolis, nos EUA, desenvolveu um algoritmo exclusivo para facilitar a identificação de alunos com probabilidade estatisticamente improvável de passar nas aulas ou se formar.

A Ivy Tech migrou para o Google Cloud Platform, o que permitiu à escola gerenciar 12 milhões de pontos de dados de interações dos alunos e desenvolver um mecanismo de IA flexível para analisar o envolvimento e o sucesso dos alunos. Por exemplo, um aluno que parar de fazer login no sistema de gerenciamento de aprendizagem ou de comparecer às aulas será sinalizado como necessitando de assistência.

Como explica um artigo do Google Cloud sobre este projeto: “Os algoritmos podem prever a nota final de um aluno em um curso com 60% a 70% de precisão na segunda semana do semestre”. O resultado? Um total de 3.000 alunos obtiveram a intervenção necessária para passar nas aulas.

Na nova SAGAH, da Plataforma A, gestores e docentes podem gerenciar cursos, monitorar o progresso dos alunos, conduzir avaliações e personalizar conteúdos sem a necessidade de alternar entre diferentes sistemas.

O que melhorar na EaD

Um relatório de janeiro de 2024, do Centro de Políticas e Práticas de Ensino Superior da Southern New Hampshire University, identifica áreas para melhoria no design de cursos online. 

Segundo o documento, as faculdades e universidades devem priorizar três áreas principais:

1. Relevância acadêmica e engajamento

Os alunos online podem ser melhor apoiados por meio de plataformas tecnológicas apropriadas e experiências de aprendizagem relevantes e envolventes. Os melhores cursos contam com a participação e autoria dos docentes, além de suporte em relação às certificações e resultados. Recursos de apoio acadêmico também devem estar disponíveis para os alunos que necessitam, e os dados dos estudantes devem ser utilizados para promover melhorias contínuas.

2. Autonomia e consciência do aluno

Um dos atrativos da educação online é a flexibilidade que proporciona ao aluno quanto ao momento e ao local de aprendizagem, especialmente para aqueles com prioridades concorrentes. Dessa forma, os líderes da educação superior devem priorizar formatos multimodais. Caminhos contínuos para a instituição e seus programas, como transferência de créditos e parcerias com o mercado de trabalho, podem fortalecer a autonomia dos estudantes.

3. Experiência do estudante

Uma vez matriculados, os alunos online — assim como os que frequentam campus presenciais — precisam de apoios adicionais da instituição para garantir seu sucesso acadêmico. Isso inclui acesso à internet de alta qualidade, computadores, serviços estudantis, acomodações para deficiência, saúde e bem-estar, apoio acadêmico, assistência financeira, orientação e aconselhamento de carreira. Esses serviços devem estar disponíveis fora do horário tradicional de funcionamento, uma vez que os alunos podem não estar frequentando aulas em um horário fixo, e a equipe deve cultivar uma cultura de cuidado centrada no estudante.

Ambientes de aprendizagem online podem, à primeira vista, parecer frios e desconectados, mas isso não precisa ser uma realidade. Existem diversas formas de criar conexões com seus alunos, incentivá-los a interagir entre si e engajá-los com o conteúdo do curso. A tecnologia não faz milagres, mas é um artifício poderoso para amplificar o bom ensino. O fator decisivo, no entanto, é o uso consciente que o professor faz dela.

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

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