Desperdiçar talentos por falta de investimento pode ter consequências graves – principalmente em um país tão afetado pela pandemia, como o Brasil. Mesmo assim, o desenvolvimento de crianças e adolescentes brasileiros ainda não é levado a sério como deveria.
Segundo um estudo inédito do Banco Mundial divulgado pela BBC News Brasil, uma criança brasileira nascida em 2019 deve alcançar, em média, apenas 60% do seu capital humano potencial ao completar 18 anos. Ou seja, 40% do seu talento será desperdiçado.
Os dados integram o Human Capital Project e servem para alertar governos a respeito da importância de investir em pessoas. O relatório analisa o período entre 2007 e 2019.
Metodologia da pesquisa
Para chegar aos resultados, a pesquisa identificou o capital humano – o conjunto de habilidades que os indivíduos acumulam ao longo da vida – em diferentes regiões do Brasil. O Índice de Capital Humano (ICH) determina, por exemplo, a renda e as oportunidades de trabalho da população no futuro, com impactos no produto interno bruto (PIB)
Para se ter uma ideia, o PIB nacional poderia ser 2,5 vezes maior (158%) se os jovens desenvolvessem suas habilidades ao máximo e o Brasil chegasse ao pleno emprego.
O ICH combina dados da educação e da saúde para estimar a produtividade da próxima geração de trabalhadores caso as condições atuais não mudem. O índice é composto pelos seguintes fatores: taxas de mortalidade e déficit de crescimento infantil, anos esperados de escolaridade, resultados de aprendizagem e taxa de sobrevivência dos adultos.
O Índice de Capital Humano varia de 0 a 1, sendo que um sinaliza o potencial pleno – o que significa que não ter déficit de crescimento ou morrer antes dos 5 anos, receber educação de qualidade e se tornar um adulto saudável.
O Brasil está abaixo de países desenvolvidos como o Japão (0,81) e os Estados Unidos (0,70) e de nações latino-americanas como o Chile (0,65) e o México (0,61). Por outro lado, supera países em desenvolvimento como Índia (0,49), África do Sul (0,43) e Angola (0,36).
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Uma vilã chamada desigualdade social
Na análise regional, as desigualdades brasileiras ficam aparentes. Em 2019, o ICH do Norte e do Nordeste era, respectivamente, de 56,2% e 57,3%. No Sul, Centro-Oeste e Sudeste, o índice variava entre 61,6% e 62,2%.
Em 2019, o Índice de Capital Humano médio das regiões Norte e Nordeste era similar ao das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste em 2007, o que representa uma lacuna de desenvolvimento de 12 anos. Segundo o Banco Mundial, essa diferença está ligada, entre outros fatores, à qualidade do ensino.
Sob a ótica racial, os dados também são preocupantes. Conforme o estudo, a produtividades esperada de uma criança branca, em 2019, era de 63% do seu potencial. Entre as crianças negras e indígenas, o percentual cai, respectivamente, para 56% e 52%.
Além disso, entre 2007 e 2019, o ICH das crianças brancas avançou 14,6%, enquanto o das crianças negras cresceu 10,2% – o das indígenas ficou praticamente estável, com leve alta de 0,97%.
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Consequências da pandemia
Toda essa discrepância foi agravada pela pandemia. Segundo o Banco Mundial, antes da crise sanitária, seriam necessários 60 anos para o Brasil atingir o nível de capital humano dos países desenvolvidos. Mas agora o problema tomou outras proporções.
Isso porque, entre 2019 e 2021, o ICH do Brasil caiu de 60% para 54%, voltando ao mesmo patamar de 2009. Portanto, em apenas dois anos, o país reverteu dez anos de avanços no acúmulo de capital humano de suas crianças. Além disso, cerca de 80 mil crianças podem sofrer déficit de crescimento devido à pandemia.
Levando em consideração a taxa de crescimento antes da covid-19, o ICH levará de 10 a 13 anos para retornar ao patamar de 2019. O Brasil chegaria novamente ao ICH de 2019 somente em 2035.
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