A Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Ageu Magalhães, de Recife (PE), virou notícia em todos os jornais do país recentemente. No dia 8 de abril, sexta-feira, 26 estudantes passaram mal devido a uma crise de ansiedade coletiva e precisaram de atendimento médico do Serviço Móvel de Urgência (Samu).
Naquele dia, estavam sendo aplicadas provas para turmas do ensino médio. Eram as primeiras avaliações após a volta às aulas presenciais da instituição. A gerente regional de educação da Secretaria de Educação de Pernambuco, Neuza Pontes, relatou ao portal G1 que tudo começou após os alunos presenciarem uma crise de asma de uma das colegas.
Em Jarinu, no interior de São Paulo, outro incidente aconteceu com estudantes de uma escola pública. Nove alunos do ensino fundamental se automutilaram no banheiro da instituição.
Uma das alunas deu a seguinte explicação para aquela atitude. “Eu achava que me machucar – de qualquer maneira – podia aliviar aquela dor que eu sentia”, falou a estudante em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo. Com lesões leves, as crianças estão recebendo acompanhamento psicológico, segundo a secretaria de educação.
Os transtornos de saúde mental não são um caso isolado. Um levantamento da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e do Instituto Ayrton Senna constatou que 69% dos alunos da rede pública estadual relataram ter sofrido de ansiedade e depressão durante a pandemia.
Pandemia e a saúde mental dos estudantes
A crise provocada pela covid-19 não foi apenas sanitária. Em escala global, as pessoas foram impactadas fisicamente, psicologicamente e financeiramente. Nas crianças e adolescentes, com a volta às aulas presenciais, o resultado de dois anos de isolamento social pode ser visto no ambiente escolar.
O psiquiatra e professor de psiquiatria da infância e da adolescência da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Polanczyck, explicou ao podcast Isso é Fantástico que o contágio emocional é recorrente em pessoas, principalmente jovens, que já possuem questões emocionais mal resolvidas. “Os adolescentes são especialmente sensíveis às influências dos pares”, destacou Polanczyck.
Essa não é uma realidade encontrada apenas no Brasil. Uma pesquisa divulgada no jornal da Associação Americana de Pesquisas Educacionais (AERA, na sigla em inglês) mostrou que, durante a pandemia, os casos de depressão, ansiedade e conflitos familiares aumentaram entre estudantes, mulheres, adolescentes e pessoas que já sofriam com problemas mentais.
“Pode-se dizer que todas essas conclusões eram já previsíveis”, disse o colunista do GLOBO e comentarista do Canal Futura de Educação Antônio Gois, em seu espaço no portal.
Com a saúde mental abalada pela pandemia, estudantes que já passaram por situações de vulnerabilidade ou fortes pressões sucumbiram diante da volta da “normalidade” nas instituições de ensino. Esse parece ter sido o caso da escola de Recife, onde, nas primeiras provas presenciais, houve uma onda de ansiedade coletiva.
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Como lidar com a saúde mental dos alunos
De acordo com Gois, mesmo antes da pandemia, os sistemas educacionais brasileiros não davam a devida atenção à saúde mental dos estudantes. “Fácil falar, difícil fazer, pois estratégias de atenção à saúde mental dos estudantes não podem ser elaboradas de improviso, ou simplesmente jogadas como mais uma responsabilidade nos ombros dos professores”, explicou em sua coluna no GLOBO.
Diversas ações podem ser tomadas para mudar essa realidade. O poder público é um agente fundamental em boa parte delas. A diretora-executiva da consultoria em inteligência educacional Vozes da Educação, Carolina Campos, descreveu, também ao podcast Isso é Fantástico, o caminho correto da atuação do poder público nesse assunto e onde ele costuma falhar. “Embora haja uma lei para a contratação de psicólogos e assistentes sociais, ainda não houve a possibilidade de colocá-la em vigor”, afirmou.
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As instituições de ensino também possuem sua parcela de responsabilidade em relação aos cuidados com a saúde mental dos estudantes. Em primeiro lugar, as escolas devem adotar boas práticas para conhecer e acompanhar a realidade de cada aluno.
Segundo Campos, isso pode ser feito através de um questionário, de acordo com cada faixa etária, com perguntas relacionadas ao cotidiano do discente, seu tempo de sono, desempenho, matérias favoritas, entre outros questionamentos que ajudem a entender a vivência da criança ou adolescente.
Com essas respostas, professores e gestores precisam trabalhar individualmente com os estudantes, levando em consideração o contexto em que ele está inserido e incluindo a participação da família. “Não podemos achar que a escola é um lugar perigoso, ela deve ser vista como espaço de cura”, orientou Campos na entrevista ao podcast do Fantástico.
Momentos de descontração e ciclos de conversas também são caminhos para identificar as aflições, problemas e dificuldades dos estudantes. Em um momento como o atual, é necessário oferecer acompanhamento psicológico nas escolas. Além disso, observar o comportamento do aluno e ouvi-lo pode ser uma maneira de evitar casos parecidos como os de Recife e Jarinu. “Precisamos lembrar que a escola não é uma ilha, ela é um retrato da nossa sociedade”, reiterou Campos.
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