Muitos brasileiros se encantaram com a performance da skatista Rayssa Leal em Tóquio. Aos 13 anos, “fadinha” realizou um feito notável: tornou-se a brasileira mais jovem a participar e a ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos.
Uma semana depois, de volta ao Brasil – e à sala de aula –, a medalhista de prata na modalidade “skate street” expressou gratidão em uma rede social: “A minha escola sempre me incentivou e esteve ao meu lado durante toda minha trajetória”.
Manifestações como essa, infelizmente, são raras no Brasil – é difícil ver um atleta atrelar seu desempenho ao suporte escolar. Afinal, o país não costuma investir grandes somas em esporte nas escolas.
Como o governo apoia o esporte
Segundo o governo federal, o investimento anual no esporte é de R$ 750 milhões. Esse valor é destinado majoritariamente para atletas olímpicos e paraolímpicos – através da Lei das Loterias, do Bolsa Atleta e Lei de Incentivo ao Esporte.
Dos 302 atletas olímpicos convocados ao Japão, 242 (80%) fazem parte do programa Bolsa Atleta. Ainda assim, 41 fizeram algum tipo de vaquinha (financiamento coletivo) para arrecadar dinheiro. E 33 atletas não se sustentam unicamente com o esporte.
Das 21 medalhas conquistadas pela delegação brasileira nas Olímpiadas de Tóquio, sete foram de ouro, seis de prata e oito de bronze. O Brasil ficou na 12ª colocação do ranking geral.
O primeiro lugar ficou os Estados Unidos. Com um total de 113 medalhas, foi a terceira vez consecutiva que o país garantiu a liderança. Como? Investimento e incentivo ao esporte nas instituições de ensino.
A cultura esportiva é uma tradição nos EUA. Há décadas as escolas e universidades americanas investem na prática de diversas modalidades. Não só como política educacional e estilo de vida, mas também como marketing, para atrair estudantes. Mesmo quem não se torna um atleta profissional pode encontrar várias opções de trabalho na área. Por lá, a tabelinha entre esporte e educação sempre rendeu frutos.
A realidade é bem diferente no Brasil. Como o investimento financeiro em esporte se concentra nos atletas de alto rendimento, a formação de talentos entre crianças e adolescente termina prejudicada. Para voar alto como as grandes potências olímpicas, é preciso investimento e incentivo.
“O que nós precisamos é de política de estado, com planos e metas a serem cumpridas”, comentou em um evento recente Diogo Silva, ex-atleta olímpico e campeão pan-americano no taekwondo. “O discurso de usar o esporte para tirar a molecada da rua é ultrapassado. A gente precisa pensar no esporte como carreira e profissão. Ele emprega não só o atleta, mas cerca de 30 tipos diferentes de profissionais envolvidos.”
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O esporte nas escolas brasileiras
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seleciona as práticas corporais em seis unidades temáticas que aparecem ao longo de todo o ensino fundamental. Segundo o documento, é essencial que os alunos tenham contato com o maior número de modalidades de esporte nas escolas.
As seis unidades são:
- Brincadeiras e jogos: Bolinhas de gude, amarelinha, elástico, taco, queimadas e pega-pegas;
- Esportes: Vôlei, basquete, futebol, arco e flecha, beisebol, críquete, rúgbi, tênis e squash, entre outras;
- Ginástica: Ginástica artística, rítmica, acrobática, aeróbia, funcional, pilates, Reeducação Postural Global (RPG), ioga e tai chi chuan;
- Danças: Balé, funk, frevo, samba, jongo, coco e ciranda;
- Lutas: Capoeira, huka-huka, luta marajoara, judô, aikido, jiu-jítsu e muay thai;
- Práticas corporais e aventuras: Corrida orientada, corrida de aventura, rapel, tirolesa, arborismo, parkour, skate, patins e bike.
Essas práticas, contudo, não estão na realidade da maior parte das escolas brasileiras. De acordo com o Censo Escolar de 2020, somente 34% das escolas públicas têm quadra de esportes. Nas instituições privadas, o percentual é de 44%.
Instituições que contemplam todos os níveis de aprendizagem, até o ensino médio, são as que oferecem mais infraestrutura esportiva: 77% delas têm quadra de esportes. Nas escolas de ensino fundamental, o percentual é de 44%. No ensino infantil, 26%.
Esses dados talvez revelem por que o Brasil, apesar dos relevantes programas de apoio a esportistas de alta performance, não consegue obter melhor desempenho nos Jogos Olímpicos.
Os especialistas são unânimes: quando o Brasil transformar o esporte em política de Estado e investir na estrutura das escolas, capacitar professores e incentivar as instituições de ensino superior a fazerem o mesmo, muitos atletas surgirão.
E os que não chegarem a ser atletas profissionais? Terão uma vida melhor. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a prática de esportes afasta o adolescente das drogas, evita a evasão escolar, aumenta a capacidade cognitiva, traz benefícios consideráveis à saúde e gera cooperação e socialização entre os estudantes.
Além disso, as escolas que oferecem mais esportes tendem a ter alunos mais bem-sucedidos em testes e provas, segundo uma pesquisa conduzida por professores americanos. Em outras palavras: esportes e educação funcionam melhor juntos.
No início de agosto, o governo entregou ao Congresso Nacional uma medida provisória que revoga o Bolsa Família e cria um novo programa – o Auxílio Brasil –, dividido em diferentes benefícios. Entre eles o “Auxílio Esporte Escolar”, destinado a estudantes com idades entre 12 e 17 anos incompletos que se destaquem nos Jogos Escolares Brasileiros e já sejam membros de famílias beneficiárias do núcleo básico do Auxílio Brasil.
“Se não investirmos em política pública para esportes escolares, continuaremos a ter delegações de atletas que são vitoriosos só por terem insistido no ramo”, disse Jorge Spinetti, doutor em gestão pública com especialização na área esportiva, à newsletter Lupa Educação.
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