A crise do coronavírus acertou as crianças em cheio, prejudicadas pelo distanciamento prolongado da escola e dos amigos. Mas algumas tiveram de lidar com um sofrimento adicional: o divórcio dos pais. Afinal, a pandemia parece ter inspirado uma onda de casamentos desfeitos. Os cartórios registraram 75.138 divórcios em 2020. Foi o maior índice desde 2007, segundo dados do CNB (Colégio Notarial do Brasil).
O divórcio dos pais pode ser um dos eventos mais estressantes da vida de uma criança. Isso acontece por muitas razões. Além da própria mudança da dinâmica familiar, há risco de declínio do padrão financeiro e até mesmo do rendimento escolar. É o que mostra um estudo realizado pelo Center for Marrigie and Families, do Institute for American Values, de Nova York.
De acordo com a pesquisa, que considerou informações dentro de um intervalo de tempo de 35 anos, crianças entre 3 e 4 anos que crescem junto aos pais casados tem três vezes menos chances de sofrer com problemas emocionais ou de déficit de atenção. Entre os adolescentes, o divórcio dos pais aumenta o risco de evasão escolar e gravidez precoce.
Outro estudo da Universidade de Wisconsin-Madison, que acompanhou o desenvolvimento 3,5 mil crianças ao longo de cinco anos, mostrou que as crianças de pais em processo de divórcio sofrem mais de ansiedade, solidão e tristeza quando comparadas às com pais casados.
Não é regra, mas também não é incomum as crianças de pais divorciados se distanciarem dos amigos – e apresentarem dificuldade para acompanhar o ritmo escolar, o que faz as notas despencarem.
A pesquisa também mostrou que os filhos cujos pais se divorciam geralmente não experimentam contratempos prejudiciais no período pré-divórcio. Depois que os pais dão início ao processo, contudo, é comum ficarem para trás em relação aos seus pares quando se trata de matemática e habilidades sociais interpessoais.
Um estudo recente da OCDE corrobora essa impressão – concluiu que a falta de aprendizagem social e emocional pode estar correlacionada com processos desfavoráveis que incluem desemprego, problemas de saúde e divórcio.
Como a escola pode ajudar?
Quando passam por situações traumáticas, como um divórcio, as crianças costumam procurar refúgios – ambientes que ofereçam conforto para expressar seus sentimentos. A escola pode (e deve) estar entre esses espaços.
Os educadores dão suporte não apenas escutando o aluno ou prestando atenção em seu comportamento. Eles podem permitir que o estudante se expresse através de atividades artísticas ou oracionais.
Em alguns centros educacionais, alunos de pais separados se reúnem em conversas regulares que fomentam o compartilhamento de experiências e o apoio mútuo. Também há escolas que promovem oficinas para pais e filhos e workshops sobre os diferentes arranjos familiares na sociedade atual (como uma mãe cria seu filho sozinha, uma criança é de responsabilidade de avós ou tios, pais se separam e casam novamente, e por aí vai; as possibilidades são múltiplas).
Aproximar-se de ambos os pais é outra dica importante aos educadores. “Quando os pais são separados, é importante ouvir atentamente as versões dos dois sobre fatos que digam respeito à criança e ter clara a diretriz de enviar notas e ocorrências dos alunos para ambos os pais”, escreveram as doutoras em psicologia Lídia Rosalina Folgueira Castro e Evani Zambom M. da Silva na Revista Pátio Ensino Fundamental nº 80, que pode ser adquirida no formato e-book.
O sociólogo francês Bernard Lahire, professor na Escola Normal Superior de Lyon, na França, acrescenta que a escola precisa ser a estrutura estável de quem vive numa família instável. Além disso, sugere que os professores trabalhem de forma coordenada junto aos pais para facilitar a harmonização entre os dois ambientes.
“Não devemos nos focar no que é ‘normal’ ou ‘anormal’, mas na capacidade de oferecer à criança o apoio e os recursos para superar obstáculos – uma doença, a perda de um pai, um divórcio”, disse ele em uma entrevista à Nova Escola.
Lahire acrescenta: “A supervisão da escola é importante no desenvolvimento infantil, em especial se as crianças não têm uma estrutura estável no ambiente familiar. A escola deve aceitar esse seu papel maior e não se limitar ao ensino curricular.”
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