Gestão educacional

Michael B. Horn: os impactos de longo prazo da Covid-19 na educação

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*Por Michael B. Horn

À medida que a Covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus – se espalha pelo mundo, e a ameaça de uma recessão econômica se materializa, a maioria dos gestores e educadores tem se concentrado na principal tarefa imediata: preparar-se para ensinar e apoiar alunos remotamente.

Existirão significativos impactos de longo prazo. As maiores mudanças podem ocorrer nas ligações entre o ensino básico, a educação superior e a educação profissionalizante. Com frequência, essas áreas são tratadas pelo mercado educacional como nichos individuais, mas a crise do coronavírus tem revelado o quão interdependentes esses segmentos podem ser.

É difícil adivinhar o que vai acontecer. A seguir, apresento a projeção de autoridades educacionais juntamente com meus colegas do Entangled Group, estúdio de negócios focado no ecossistema educacional e empresa de consultoria.

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Escassez de professores e modelos frágeis

Doug Lynch, membro do corpo docente da USC Rossier School of Education, nos Estados Unidos, observou interdependências entre o ensino básico e o ensino superior que podem trazer complicações. “Os estudantes do ensino médio não poderão fazer SAT ou ACT (avaliações semelhantes aos vestibulares) e isso afetará as matrículas do próximo ano no ensino superior”, disse.

Em resposta, a Case Western Reserve University, reconhecendo o desafio logístico para os estudantes, disse que não exigirá as pontuações de SAT ou ACT para a próxima temporada de inscrições. É possível que outras instituições sigam o exemplo.

Como os universitários que estão treinando para serem professores não conseguirão cumprir seus requisitos de estágio presencial, Lynch também apontou que haverá escassez de professores para o K-12 americano (equivalente ao ensino fundamental e médio no Brasil) a partir de 2021.

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Embora existam milhões de americanos qualificados para ocupar as 3,7 milhões de vagas do sistema educacional, existem carências para diferentes níveis de turmas, disciplinas e localidades. As posições de professor secundário (ensino médio) são mais difíceis de preencher do que as do ensino elementar (fundamental), assim como são as vagas para ciências e matemática.

Geralmente, as escolas rurais e urbanas apresentam uma maior carência de professores do que as localizadas nos subúrbios. Na última década, já houve um declínio vertiginoso no número de estudantes se preparando para lecionar.

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A Covid-19 também exacerbará os pontos fracos dos modelos de negócio do ensino superior, principalmente nas faculdades e universidades americanas que dependem altamente dos estudantes internacionais e que não desenvolveram boas estratégias online.

“As ofertas online, o marketing institucional e as propostas de comodidades da vida no Campus não serão capazes de cobrir a dependência excessiva das mensalidades pagas pelos estudantes internacionais”, disse Mat Frenz, sócio da Entangled.

“Como a ajuda dos governos estaduais é improvável, as instituições serão forçadas a reconsiderar seus modelos de negócio e tomar decisões difíceis sobre quem são e o que fazem.”

Ao mesmo tempo, Terah Crews, também sócia da Entangled, instou os líderes de faculdades a não assinarem contratos de longo prazo com quaisquer empresas durante esse período.

Agora é o momento de agir rapidamente com o que vocês têm. Depois, alterem os modelos de negócio online. De modelos pensados para fazer dinheiro, passem à modelos pensados para servir à missão da instituição, disse Terah Crews.

Esse momento também pode anunciar uma mudança na forma como os alunos do ensino médio veem as opções de aprendizado online.

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Como Richard Arum, decano da Escola de Educação da Universidade da Califórnia, e Mitchell Stevens, professor associado de Educação em Stanford declararam ao The New York Times, conforme os alunos aprendem remotamente e seguem pagando mensalidades iguais, algumas famílias podem questionar a soberania da tradicional educação presencial como condição sine qua non da excelência acadêmica.

A educação ainda será anticíclica para o mercado?

Matthew Daniel, sócio da Entangled, acredita que, além de estarem preocupadas com o cancelamento das sessões presenciais de treinamento, as empresas têm dado atenção ao fato de que seus bancos de talentos ficarão desatualizados – já que os recrutadores serão incapazes de participar dos eventos de recrutamento nos Campus.

“Isso pode repercutir por anos em processos e programas estáveis, não será apenas um impacto imediato em algumas classes”, observou Daniel.

“Mesmo que as empresas possam contratar, esses estudantes poderão viajar? E que tipo de integração poderá ser oferecida aos novos funcionários? Todos estão sendo forçados a tomar decisões difíceis sobre o que é verdadeiramente crítico e quais são as alternativas disponíveis nesse momento.”

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Costuma-se dizer que a educação é anticíclica ao mercado – o que significa que a demanda por serviços educacionais aumenta em tempos de crise econômica. Programas de treinamento e desenvolvimento de funcionários são as primeiras coisas que as empresas cortam em tempos de recessão. Lynch, da USC, não espera que isso seja diferente desta vez.

Embora as recessões tenham historicamente resultado em um aumento de matrículas nos programas de ensino superior, considerando que trabalhadores demitidos tentam melhorar suas perspectivas futuras, Lynch disse que não haver garantias.

Dada a incerteza quanto a duração dessa recessão e a grande disponibilidade de cursos de curto prazo, as pessoas podem não estar dispostas a se inscrever em programas mais extensos (e mais caros).

Cursos imersivos como os bootcamps e programas que oferecem financiamento estudantil têm uma oportunidade e um desafio a enfrentar. Frente ao cenário da enorme perda de empregos, que já está acontecendo, a ideia de se inscrever em treinamentos e cursos profissionalizantes sem pagar mensalidades antecipadas pode ser atraente.

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Ao mesmo tempo, esses programas também enfrentam um risco existencial, pois os modelos de negócio dos empréstimos estudantis estipulam que as mensalidades só devem ser quitadas após os seus beneficiários conquistarem empregos.

Estudando em casa; o impacto do covid-19 na educação. Crédito: shutterstock.

Kristin Sharp, sócia da Entangled e ex-vice-chefe de gabinete do senador Mark Warner, acredita estarmos em uma recessão mais acentuada do que a maioria prevê, o que impactará desproporcionalmente nas indústrias como o varejo e nos trabalhadores do setor de serviços. “Este é um caso em que políticas governamentais temporárias podem ser realmente úteis”, disse ela.

Assim como ocorreu na recessão de 2008, o governo americano deve estender o programa Pell Grant temporariamente para financiar cursos que não sejam de graduação – algo que está atualmente em discussão. Sharp observou que, caso isso ocorra, o ideal é optar por programas de financiamento que preparem as pessoas para trabalhos de alta demanda ou para funções emergentes no campo da tecnologia.

Conforme o medo dos cortes orçamentários se materializa, o ex-governador da Virgínia Ocidental, Bob Wise, afirmou que pode ser tentador para líderes da educação recuar frente aos esforços e planos de inovação. “Pode ser fácil demais esperar até os tempos melhorarem”.

Para ele, líderes visionários farão mais, mantendo investimentos em programas que educação que sejam mais capazes de suportar cenários de crise, de pandemias e desastres naturais a crises econômicas e desistências de professores.

Como isso se desenrola nos próximos meses – e quem aproveita as oportunidades nas intersecções desses segmentos educacionais – é algo digno de atenção.

*Texto originalmente publicado pelo EdSurge, com tradução e edição do portal Desafios da Educação.


Sobre o autor

Michael B. Horn é chefe de estratégia do Entangled Group, sócio sênior da Entangled Solutions e co-fundador do Christensen Institute.

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

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