Artigo escrito por Fábio José Garcia dos Reis*
As organizações erram quando não percebem que há mudanças significativas nos ambientes em que atuam. A História nos ensina que as organizações que mais rápido se adaptam às novas realidades econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e de concorrência obtiveram sucesso.
As instituições de ensino superior (IES) são organizações acadêmicas que, ao longo do tempo, demonstram resistências às mudanças, em função da fragilidade das lideranças, da postura conservadora perante as novas realidades, do corporativismo acadêmico e da permanência de concepções de “universidade” elaboradas no século XIX e início do XX. É que preciso repensar essa concepção e atualizá-la, em função da dinâmica do século XXI.
Há anos leio, visito IES no Brasil e em diversos lugares no mundo e converso com pessoas que se dedicam a pesquisar o ensino superior. Fui instigado a escrever esse texto, após algumas leituras interessantes. Eu gostaria de sugerir a leitura de livros de diferentes autores (inclusive de correntes de pensamento divergentes). Recomendo a leitura de “Universidade em ruínas na república dos professores”, organizado por Hélgio Trindade; “Dinossauros, gazelas e tigres”, organizado por Victor Meyer e J. Patrick; “A aventura na universidade”, de Cristovam Buarque, “A universidade inovadora: mudando o DNA do ensino superior de fora para dentro”, de Clayton Christensen e Henry Eyring; “Ensino híbrido”, organizado Lilian Bacich, Adolfo Neto e Fernando Trevisani; “Los nuevos modelos universitários en América Latina”, de Claudio Rama, “Guiar el Mercado”; organizado por José Joaquin Brunner, “Sustaining change in Universities”, de Burton Clark; “Change.edu, rebooting for the new talent economy” de Andrew S. Rosen; “The end of college: creating the future of learning and the university of everywhere”, de Kevin Carey e “Organizações sustentáveis na educação superior”, organizado por Fábio Reis. São livros que discutem as mudanças e as novas dinâmicas no ensino superior e apresentam cases de IES que realizaram mudanças significativas.
Farei comentários sobre alguns artigos dos últimos três livros indicados. Maurício Garcia escreveu um capítulo no livro sobre organizações sustentáveis, lançado em setembro de 2015. O título é “Estamos na terceira onda do ensino superior?”. Garcia fez algumas afirmações em que ele previa que “o grande ativo das instituições no futuro não será seu material didático, nem seu corpo docente. Será sua capacidade de ter uma comunidade virtual engajada” (…) “o que os grandes providers de conteúdo virtual do mercado vão fazer? Hoje, quando discutimos educação, falamos sobre instituições de ensino superior. Mas… e quem não é uma instituição? O que pode significar se o Google quiser entrar no mercado de educação? Ou a Apple? Ou a Amazon? Ou seja, se, em vez de serem providers, eles quiserem ser players?”.
Ao abrir o meu e-mail, no último final de semana de janeiro de 2016, deparo-me com uma mensagem (enviada para algumas pessoas) de Maurício Garcia com o título “How Amazon could destroy college as we know it?” (https://www.vox.com/2016/1/27/10835038/amazon-higher-education). Garcia enviou um link com um artigo publicado por Alexander Holt, em que o fundador e CEO da Amazon, Jeffrey Bezos prevê que “ the future of Amazon University is Strong as we continue to become the first truly global university. As our alumni network and reputation with customers and employers grow, we predict increasing demand for our services. We are excited about the future of a more educated, less indebted citizenry”. Bezos projeta uma Universidade global que tenha como princípios acesso, qualidade, baixo custo e tecnologia.
A capacidade de inovação e de soluções tecnológica de empresas como Amazon, Apple e Google é muito superior a das nossas IES. Garcia termina o capítulo afirmando que “tudo indica que ainda teremos grandes mudanças pela frente, mas é difícil prever” (set/2015). O e-mail (jan./2016) termina com a seguinte frase “quem viver, verá”. Caro leitor, o que você pensa sobre as questões colocadas por Garcia? Quais seriam as estratégias diante dessa nova realidade? Hoje, estamos preocupados com financiamento, com a concorrência e com a atuação dos grandes grupos educacionais. Caro leitor, além de todas essas preocupações, você já projetou a sua IES para 2020 e já começou o desenho para 2030?
Eu ganhei o livro “Change.edu”, de Antonio Carbonari. Quem atua no ensino superior sabe que ele é um dos empreendedores do setor. Carbonari fez a seguinte afirmação, quando me entregou o livro: “Fábio, sei que você estuda tendências educacionais, aqui está um livro sobre o futuro do ensino superior”. No ultimo capítulo, “The learning playbook: 2036 and coming twenty-five years of change in higher education”, Andrew Rosen aponta sete tendências: 1) os sistemas educacionais serão mais Mobile e os avanços tecnológicos vão permitir que as diversas formas de ensino online tornem-se superiores ao do ensino unicamente face to face, em número de matriculados e em qualidade. Os nichos face to face vão permanecer; 2) o ensino será mais desagregado ou fragmentado, pois os estudantes vão querer vivenciar diversas experiências de aprendizado, via cursos abertos e cursos específicos, por exemplo. Os estudantes vão optar por escolas flexíveis em seu modelo curricular; 3) o ensino será mais personalizado, pois os estudantes vão fazer opções de trajetória, na formação escolar. Eles irão para a escola e terão a oportunidade de construir a sua carreira de graduação, a partir de diferentes possibilidades temáticas. O professor será um coach, um mentor que orienta o aprendizado, uma pessoa que ajudará os estudantes a elaborarem seus projetos e seus objetivos de aprendizado; 4) haverá um foco maior na avaliação da aprendizagem. Haverá mais preocupação com o engajamento dos estudantes, com a eficiência do aprendizado e com as estratégias que possibilitam os estudantes aprenderem. O crucial será tornar o aprendizado algo significativo; 5) a educação será mais acessível, o que permitirá pessoas de diferentes culturas e lugares do mundo terem acesso a ofertas educacionais com custo menor e com qualidade reconhecida pelos agentes reguladores e pela sociedade; 6) o ensino será mais global, em função do avanço do ensino virtual, das redes de cooperação, das facilidades de deslocamento das pessoas e da própria presença de novos players nos sistemas educacionais; 7) o ensino será mais agradável e interessante, o que favorecerá o engajamento dos estudantes. Dispositivos eletrônicos, diversidade de aplicativos, games, aprendizagem ativa em ambientes virtuais, entre outros processos facilitados pela tecnologia tornarão a educação menos burocrática, repetitiva e desmotivadora.
Em “The end of College”, Kevin Carey, ao escrever sobre a universidade de qualquer lugar, acredita que o ensino superior move rapidamente para o modelo híbrido, em que os estudantes não deixarão de ir para as IES em alguns dias durante a semana ou mês. Os recursos educacionais estarão disponíveis em ambientes virtuais, de forma ampla. Carey acredita que as IES vão manter links de cooperação para viabilizar a troca de recursos acadêmicos que colaboram com o aprendizado dos estudantes. A ideia de admissão será anacrônica, pois o ensino superior será aberto e acessível. As IES estarão abertas para qualquer pessoa, de qualquer lugar. Ele cita os exemplos de MIT e Harvard, que disponibilizam cursos e recursos educacionais gratuitamente.
Kevin acredita que as IES vão oferecer diversos tipos de cursos de formação e em função da flexibilidade e da mudança do conceito de currículo, os estudantes poderão compor sua formação de graduação, em diferentes instituições. Os ambientes de aprendizagem serão sofisticados e personalizados, portanto, as informações sobre a vida acadêmica do estudante, sobre suas dificuldades de aprendizado e sobre suas experiências pedagógicas na instituição serão acompanhadas por plataformas de aprendizagem com alta capacidade de gerar informações sobre a vida acadêmica dos estudantes.
As pessoas tendem a manterem-se matriculadas em uma ou mais instituição ao longo da vida, pois haverá uma percepção de que será necessário aprender a aprender continuamente. As IES deverão tornarem-se especialistas em relações entre as pessoas e terão que facilitar e instigar o relacionamento das pessoas. A diversidade terá que ser respeitada.
Os ambientes de aprendizagem vão mudar de forma significativa. A “Universidade de qualquer lugar” terá centros de ensino e aprendizagem interdisciplinar, em que as pessoas vão engajar-se em projetos significativos e criar redes de cooperação e aprendizado coletivo. Nesse contexto, o papel do professor irá mudar radicalmente, da mesma forma, a tecnologia vai impactar de forma significativa a forma como nós conhecemos o ensino superior hoje.
Caro leitor, procurei juntar todas as reflexões propostas pelos autores dos livros que apresentei e fiz um breve panorama. Eu não tenho dúvida de que haverá mudanças significativas no ambiente do ensino superior, que vão além da aprendizagem e das metodologias ativas.
As IES que não conseguirem perceber as novas realidades tornar-se-ão obsoletas e perderão sua competitividade. Cabe aos líderes institucionais serem os agentes da mudança organizacional, para que a IES possa realizar as transformações que a tornem contemporânea e alinhada com as dinâmicas do século XXI, sem cair na armadilha dos modismos e da perda de sua identidade e de seu papel social. Ele apresenta de forma transparente as perspectivas institucionais.
Os bons líderes de IES possuem a capacidade de se manterem atentos aos resultados financeiros e acadêmicos do presente sem deixarem de estar sintonizados com o que há de relevante no ensino superior. Nós, líderes e estudiosos do ensino superior, precisamos estar atentos ao que estar por vir. Se a previsões de mudanças citadas acima se concretizarem, teremos um ambiente de ensino superior bem diferente do que temos hoje. Como escreveu Garcia, “quem viver, verá”.
*Fabio Reis é Licenciado em História pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor e Diretor do Centro UNISAL, Unidade de Lorena. Dedica-se à pesquisa sobre as tendências da educação superior e os modelos de governança e gestão das IES, além de ser colaborador do Instituto Expertise de Educação e do SEMESP, na organização de seminários, fóruns e missões internacionais focados na formação de lideranças para a gestão de IES e na inovação acadêmica.
**Maurício Garcia é Vice-Presidente Acadêmico da DeVry Brasil e uma pessoa engajada no debate sobre a dinâmica do ensino superior do Brasil.
[…] As instituições de ensino superior (IES) são organizações acadêmicas que, ao longo do tempo, demonstram resistências às mudanças, em função da fragilidade das lideranças, da postura conservadora perante as novas realidades, do corporativismo acadêmico e da permanência de concepções de “universidade” elaboradas no século XIX e início do XX. É que preciso repensar essa concepção e atualizá-la, em função da dinâmica do século XXI.Há anos leio, visito IES no Brasil e em diversos lugares no mundo e converso com pessoas que se dedicam a pesquisar o ensino superior. Fui instigado a escrever esse texto, após algumas leituras interessantes. Eu gostaria de sugerir a leitura de livros de diferentes autores (inclusive de correntes de pensamento divergentes). Recomendo a leitura de “Universidade em ruínas na república dos professores”, organizado por Hélgio Trindade; “Dinossauros, gazelas e tigres”, organizado por Victor Meyer e J. Patrick; “A aventura na universidade”, de Cristovam Buarque, “A universidade inovadora: mudando o DNA do ensino superior de fora para dentro”, de Clayton Christensen e Henry Eyring; “Ensino híbrido”, organizado Lilian Bacich, Adolfo Neto e Fernando Trevisani; “Los nuevos modelos universitários en América Latina”, de Claudio Rama, “Guiar el Mercado”; organizado por José Joaquin Brunner, “Sustaining change in Universities”, de Burton Clark; “Change.edu, rebooting for the new talent economy” de Andrew S. Rosen; “The end of college: creating the future of learning and the university of everywhere”, de Kevin Carey e “Organizações sustentáveis na educação superior”, organizado por Fábio Reis. São livros que discutem as mudanças e as novas dinâmicas no ensino superior e apresentam cases de IES que realizaram mudanças significativas.Farei comentários sobre alguns artigos dos últimos três livros indicados. Maurício Garcia escreveu um capítulo no livro sobre organizações sustentáveis, lançado em setembro de 2015. O título é “Estamos na terceira onda do ensino superior?”. Garcia fez algumas afirmações em que ele previa que “o grande ativo das instituições no futuro não será seu material didático, nem seu corpo docente. Será sua capacidade de ter uma comunidade virtual engajada” (…) “o que os grandes providers de conteúdo virtual do mercado vão fazer? Hoje, quando discutimos educação, falamos sobre instituições de ensino superior. Mas… e quem não é uma instituição? O que pode significar se o Google quiser entrar no mercado de educação? Ou a Apple? Ou a Amazon? Ou seja, se, em vez de serem providers, eles quiserem ser players?”. […]
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