Resiliência, empatia, fluência de ideias, relação interpessoal. Cada vez mais, habilidades assim se destacam como diferenciais para o mercado de trabalho. Em pouco tempo, inclusive, essas virtudes deverão compor o rol de exigências básicas em processos de seleção de pessoas. E há muitos motivos para isso. Enquanto o mundo se adapta à Quarta Revolução Industrial, a inteligência artificial e a robótica avançam a patamares nunca vistos. Com isso, competências eminentemente técnicas passam a competir diretamente com as chamadas competências emocionais.
A capacidade de expressar emoções e construir relacionamentos está diretamente ligada à inteligência emocional – conceito popularizado pelo psicólogo americano Daniel Goleman, autor de best-sellers como Inteligência Emocional – A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Para ele, a sobrevivência e o crescimento de um projeto – seja ele profissional, acadêmico ou pessoal – não dependem apenas de conhecimentos técnicos, mas do modo como se lida com pessoas e emoções. Na reedição de 2011 de Inteligência Emocional, Goleman propõe um questionamento que, passados sete anos, segue atual:
“As crianças passam mais tempo sozinhas do que nunca na história da humanidade, olhando para um monitor. Isso significa um experimento natural numa escala sem precedentes. Essas crianças peritas em tecnologia, quando se tornarem adultas, se sentirão tão confortáveis com outras pessoas como se sentem com seus computadores?”
Não que a tecnologia seja colocada em xeque. A questão, aqui, é saber lidar de maneira produtiva e eficiente com esses novos paradigmas – sem deixar o aspecto humano de lado.
Em pesquisa divulgada em 2016, o Fórum Econômico Mundial conclui que duas de cada três profissões do futuro ainda não foram criadas. E mais: apesar de não ser possível afirmar quais carreiras serão as mais promissoras, a pesquisa diz que a única certeza é que elas dependerão de habilidades interpessoais e pensamento sistêmico.
Características assim estão ancoradas justamente na base emocional do indivíduo. “No geral, habilidades sociais, como persuasão e inteligência emocional, terão maior demanda do que habilidades técnicas, como programação e controle de equipamentos”, conclui o estudo.
Em meio às mudanças de paradigmas na formação profissional, o papel das instituições de ensino superior (IES) torna-se ainda mais relevante. Aos poucos, a preocupação com o desenvolvimento de características socioemocionais começa a ser entendida como um processo de formação integral. Na prática, significa dizer que dentro das salas de aula as competências técnicas e humanas deverão se cruzar cada dia mais.
Processo de adaptação
Presidente da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional (SBie), o coach Rodrigo Fonseca explica que muitas universidades já tentam se adaptar ao novo cenário. “As IES estão dando uma visão racional a algo que é emocional”, afirma. Ainda assim, diz ele, os diferenciais de conhecimento técnico e a experiência acumulada em anos ou mesmo décadas ainda pesam em processos seletivos. Isso, no entanto, não significa que as virtudes emocionais sejam vistas como algo secundário. Ao contrário: “Para ser um bom líder, por exemplo, é 20% técnica e 80% emoção. Mas precisamos criar formas mais palpáveis para diferenciar essas competências nas pessoas”.
Um dos caminhos para tentar mensurar e colocar em prática algo tão subjetivo pode estar na própria academia. Na opinião da psicóloga Rosane Levenfus, especialista em Neuropsicologia, as universidades deveriam trabalhar ainda mais as habilidades emocionais como meio de contribuir para o trabalho em equipe. “Antes, as tarefas coletivas de uma disciplina eram, na verdade, um trabalho individual. Cada um fazia sua parte e dava a um determinado colega que juntava tudo e entregava ao professor”, explica Rosane. “Isso não existe mais. E começa aí o trabalho de formação de controle emocional para se relacionar em grupo”, analisa. Eis um dos maiores desafios dos diplomados que chegam ao mercado de trabalho: aceitar as diferenças e formar um ambiente profissional colaborativo.
Algumas IES dispõem de um ambiente específico capaz de fomentar o desenvolvimento de competências emocionais: as incubadoras de startups. Nelas, salienta a psicóloga, é possível amplificar as progressões técnicas e dar convergência às habilidades colaborativas. “Esses núcleos inovadores fornecem ótimas ferramentas de desenvolvimento de ideias”, explica. Mas ela faz um alerta quanto aos ambientes corporativos famosos de empresas como as do Vale do Silício, nos Estados Unidos: não basta deixar o funcionário jogando ping-pong até que ele tenha seu momento “Eureka!”, com um insight altamente inovador. “Ter uma grande ideia hoje não vale nada se o sujeito não arregaçar as mangas e trabalhar. O mundo é de quem abaixa a cabeça e implementa.”
Por isso, uma das missões primordiais das IES deve ser mostrar aos jovens como será a realidade do mercado de trabalho. “No futuro, haverá um grande ponto de corte no mundo dos empregos. E as universidades que não ajudarem o estudante a perceber isso irão despejar na rua um bando de diplomados desempregados”, projeta Rosane.
Chancela internacional
Apesar de estar em voga, o fomento ao desenvolvimento de competências emocionais é uma demanda antiga. Nos anos 1990, por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) inseriu a pauta na rota da educação, sugerindo a adoção gradual da chamada “educação plena” – conceito que considera o ser humano em sua integralidade. Para isso, o PNUD estabeleceu aqueles que deveriam ser os quatro pilares da educação para século 21: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Outra entidade a chamar atenção às competências emocionais foi a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A instituição, uma espécie de bloco dos países mais ricos do planeta, produz estudos regulares que fornecem subsídios científicos a governos e instituições a fim de que agentes públicos e privados desenvolvam políticas que promovam as competências emocionais.
Exemplo de movimento feito no Brasil nesse sentido é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental, que ajuda a consolidar as habilidades humanas no ensino formal. Aprovado pelo Ministério da Educação (MEC) no fim de 2017, o regramento inclui o estabelecimento de aspectos emocionais nas determinações gerais da educação brasileira. A iniciativa é considerada um avanço que alinha o país às tendências internacionais, representando a base dos conteúdos ensinados em salas de aula. Em sua composição, a BNCC aborda, entre outros aspectos, o estímulo à saúde física e emocional, jogando luz à promoção de valores como empatia, incentivo ao diálogo e resolução de conflitos.
Confira a série Competências na Educação
- Por que se fala tanto em competências para a educação?
- O diferencial das competências emocionais na educação
- Competências STEM: a nova fronteira do ensino e da aprendizagem
- Competências em EAD: as exigências de uma nova era
- Países precisam aperfeiçoar o ensino por competências, indica estudo
- Uma análise do conceito de competências na BNCC
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