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Darren Hick descobriu, na prática, como a educação está abalada desde o advento do ChatGPT.

Professor assistente de filosofia da Furman University, nos EUA, Hick solicitou à classe um ensaio de 500 palavras. O trabalho deveria dissertar sobre o filósofo David Hume e o chamado “paradoxo do horror”, que examina como as pessoas podem se divertir com algo que temem. Quando partiu para as avaliações, uma redação parecia estranha: apresentava coerência de menos e palavras peculiares demais.

As suspeitas de Hick logo caíram sobre o ChatGPT. Trata-se de uma sofisticada ferramenta de inteligência artificial (IA), especificamente de linguagem natural baseada em deep learning – treinada por meio de feedback humano e uma enorme quantidade de dados, como livros e artigos da internet. Gratuita e disponível ao público, a plataforma foi lançada no fim de novembro.

Desde então, deu o que falar – devido à admirável capacidade de resolver problemas matemáticos e produzir conteúdo com rapidez. O que inclui textos longos, argumentativos e resumos. Basta fazer uma pergunta ou solicitação ao ChatGPT para obter uma resposta em questão de segundos e que parece ter sido escrita por um humano.

Foi o que Darren Hick percebeu ao avaliar a redação de um aluno

“O primeiro indicador de que eu estava lidando com IA é que, apesar da coerência sintática da redação, ela não fazia sentido. O ensaio descrevia com confiança e minuciosamente as opiniões de Hume sobre o paradoxo do horror de uma forma completamente errada. Ele disse algumas coisas verdadeiras sobre Hume e sabia o que era o paradoxo do horror, mas depois disso foi apenas bobagem”, escreveu o professor em um post no Facebook.

Para se certificar de que seu aluno havia terceirizado a redação à IA, Hick ainda jogou o texto em um Detector GPT (também criado pela OpenAI). A ferramenta usa os mesmos métodos do ChatGPT para determinar a probabilidade do texto ter sido produzido pela tecnologia.

O caso aconteceu nos Estados Unidos, mas não é difícil imaginá-lo no Brasil. Em um dos países que mais usam internet no mundo, é fácil para os alunos usarem uma ferramenta gratuita e acessível para substituir a Wikipédia no que diz respeito ao plágio no dever de casa.

Como nativos digitais, os estudantes ficam por dentro das novas tecnologias com muita rapidez. E começam a usá-las muito antes de os educadores sequer as entenderem. Para mitigar esse risco, às vésperas do início do ano letivo de 2023, o portal Desafios da Educação consultou especialistas para entender qual é o real impacto do ChatGPT no setor.


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Ameaça ao setor educacional?

É difícil dizer se o ChatGPT ou qualquer outra tecnologia específica tem um impacto geral na indústria educacional como um todo. É possível que certas tecnologias possam ser usadas em ambientes educacionais de maneira benéfica ou prejudicial, dependendo de como são implementadas e usadas. Em geral, porém, o setor educacional está em constante evolução e adaptação a novas tecnologias e abordagens, e é provável que continue assim no futuro.

Ok, eu não escrevi o parágrafo que você acabou de ler.

Eu acessei o ChatGPT e perguntei, em inglês: “O ChatGPT prejudica o setor educacional?” Então surgiu esse texto (em inglês, pois não obtive sucesso ao testar a plataforma fazendo solicitações em português). Note que a resposta não expõe de maneira explícita se o ChatGPT é uma ameaça à educação ou não. Mas fornece um argumento interessante.

Print da tela: uma das repostas do ChatGPT sobre sua relação com a educação. Crédito das imagens: reprodução/arquivo pessoal/Freepik.

Depois da inteligência artificial, consultei duas inteligências de carne e osso:

  • Luciano Sathler, reitor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, em Minas Gerais, e membro do conselho deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
  • Igor Sales, gerente de inovação na +A Educação, maior plataforma de educação do Brasil.

Para Sathler, a ameaça só é real para instituições e educadores que insistirem em fechar os olhos para a convergência digital. “Acredito que o ChatGPT e outras plataformas que tornam a inteligência artificial acessível para todos exigem que os educadores repensem sua atuação e aprendam a trabalhar com as tecnologias disponíveis de forma crítica, criativa e colaborativa”, diz o professor.

Igor Sales.

“Não podemos olhar o ChatGPT como ameaça”, acrescenta Igor Sales. “Podemos olhá-lo pelo grande potencial.”

Segundo o especialista, a educação é uma das indústrias que mais precisa se reinventar.

“Uma IA com mecanismo de machine learning, aprendizado contínuo, potencial de processamento, usando big data e outras referências para construir sua forma de entender, tem potencial gigante para melhorar a trilha de aprendizagem – e ajudar na retenção, na criação de conexões e na formação de um profissional feliz no futuro.”


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O primeiro impacto do ChatGPT

Ao longo dos anos, a redação dissertativa tem sido um dos centros da pedagogia. O ato de redigir um texto é meio pelo qual crianças e jovens aprendem a pesquisar, pensar e escrever – defendendo uma ideia. Mas quando o ChatGPT foi lançado, a revista The Atlantic cravou: a redação está morta. Pudera, o feito da plataforma não é nada trivial.

Recentemente, o site G1 pediu ao ChatGPT uma redação do Enem. A repórter solicitou que discorresse sobre “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”, tema da prova em 2022. O robô terminou a redação em 50 segundos. E ainda tirou nota 680, de acordo com dois avaliadores. Nada mal numa prova que vale 1 mil pontos.

A IA só não se saiu melhor porque, de fato, as respostas que produz não são totalmente precisas. Além disso, alguns usuários levantaram suspeitas de que o ChatGPT pode inventar referências de estudos científicos. E que não se sai bem com perguntas que exijam conhecimentos atualizados. No entanto, tudo isso é passível de edição.

“Você pode pelo menos escrever artigos 30% mais rápido”, garantiu um estudante que, além de obter boa nota em um teste usando o ChatGPT, sentiu-se aliviado por não ter sido pego pelas plataformas verificadoras de plágio.

Na tentativa de cortar o mal pela raiz, a prefeitura de Nova York vetou o acesso ao ChatGPT nos computadores e dispositivos das escolas públicas, assim como Seattle. Para o professor Luciano Sathler, porém, proibir não é o melhor caminho.

Como usar o ChatGPT a favor da aprendizagem

Luciano Sathler.

O mais recomendável é mudar a avaliação da aprendizagem e usar as respostas do ChatGPT como ponto de partida para ajudar na reflexão crítica dos estudantes, segundo o professor.

“Num diálogo construtivo e com a adoção de metodologias ativas, é possível avaliar como as respostas do ChatGPT poderiam ser melhoradas e o que faltou à IA para trazer uma informação melhor adequada ao conhecimento que se espera construir.”


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As metodologias ativas também permitem que os alunos consigam alavancar suas ideias. Na aprendizagem baseada em projetos, por exemplo, os estudantes são desafiados a solucionar problemas relevantes do mundo real. Aqui, a IA poderia servir como mentora – fornecendo argumentos e ações para um trabalho mais eficaz. Vale para o ChatGPT e também ao Character.AI, outro robô onde o usuário escolhe a quem perguntar. Elon Musk? Alan Turing? Sócrates? Até o atual presidente dos EUA e o do Brasil estão por lá.

A adoção dessas ferramentas pode turbinar tanto a aprendizagem quanto o ensino. “Um professor que usar a inteligência artificial como aliada vai evoluir como pessoa, como pesquisador e como docente”, afirma Igor Sales, da +A Educação.

O uso consciente da IA também evita que a “cola” prejudique o desenvolvimento de competências técnicas ou interpessoais como criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas – as chamadas soft skills, tão essenciais para o sucesso escolar e ao longo da vida.

Em dezembro, cerca de 130 representantes de universidades se reuniram no Reino Unido para um seminário sobre uso de tecnologia no ensino superior. O principal conselho para o grupo foi que uma “guerra entre software de plágio e IA generativa (o G do ChatGPT) não ajudará ninguém”. Nos EUA, diversas faculdades estão reestruturando cursos e tomando medidas preventivas contra a ferramenta, informou o jornal The New York Times.

O ChatGPT tem apenas algumas semanas de vida e foi projetado para aprender. Ou seja, ele ainda está aprendendo, então pode melhorar. Os educadores também.


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Leonardo Pujol
Leonardo Pujol é editor do portal Desafios da Educação e sócio-diretor da República, agência especializada em jornalismo, marketing de conteúdo e brand publishing. Seu e-mail é: pujol@republicaconteudo.com.br

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2 Comments

  1. Grande Leonardo,
    muito bom o texto, boas provocações.
    Só pra adicionar aqui, o ChatGPT tem se comportado muito bem em português também.
    Exemplo:
    Prompt: O ChatGPT pode prejudicar o mercado educacional de alguma forma?
    Resposta: É possível que o uso de modelos de linguagem como o ChatGPT possa ter impacto no mercado educacional, mas isso dependeria de como eles são utilizados. Por exemplo, se os modelos de linguagem são usados ​​para automatizar tarefas de ensino, como correção de redações ou geração de respostas para perguntas, isso poderia potencialmente reduzir a necessidade de professores. No entanto, também pode ser possível usar esses modelos de linguagem de forma a complementar e melhorar a educação, como ajudando os alunos a escrever melhor ou a responder perguntas mais complexas.
    ——-
    Abraço!

  2. boa tarde

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